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O valor da floresta, artigo de Danilo Pretti Di Giorgi

[Correio da Cidadania] A Folha de São Paulo publicou recentemente um artigo assinado por Carlos Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, responsável pelos cálculos do desmatamento), em parceria com acadêmicos da UFRJ – e “endossado por 20 pesquisadores da Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia – Geoma”. Em poucas palavras, o texto defende que é possível uma exploração não predatória da floresta, de baixo impacto e beneficiando a população local. Afirma ainda que “essa utilização (…) em ampla escala só pode ocorrer com base no conhecimento científico, em tecnologias avançadas e na inovação”. Os pesquisadores defendem veementemente a salvação da floresta com base no aproveitamento dos avanços científicos.


É inegável que as descobertas da ciência podem ajudar, e muito, na preservação. O próprio trabalho do Inpe, que vai até o espaço para fotografar os buracos na mata, é um bom exemplo disso. Mas os avanços nos estudos da preservação e em formas menos irracionais de exploração da floresta não vão garantir, sozinhos, sua sobrevivência. A conservação não é apenas uma questão técnica e tecnológica, mas essencialmente política, de princípios, filosófica e ética. É necessária uma mudança na forma como vemos o mundo. Enquanto vigorar o raciocínio segundo o qual as coisas valem prioritariamente segundo seu valor monetário e/ou financeiro, em detrimento de outras formas de valorização, a floresta vai continuar a ser dizimada.

Merece atenção a idéia de calcular o valor econômico da floresta como prestadora de serviços de difícil mensuração, como regulação climática, contenção de erosão, prevenção de enchentes, manutenção de mananciais e estoque de carbono como exemplos. É interessante também buscar aprimorar os usos das populações tradicionais com o auxílio da tecnologia, pois é inegável que elas adotam procedimentos mais racionais e têm impacto mais reduzido que os representantes da agroindústria e das madeireiras. Essas idéias podem representar uma saída de curto prazo para diversas regiões de floresta – mas, é importante frisar, apenas de curto prazo, para ganharmos tempo. Em um prazo maior, é fundamental uma mudança de paradigma na relação do Homem com a Natureza. Se sonhamos em achar uma saída para o pesadelo do aquecimento global, é imprescindível compreender que não é possível continuar lidando com a Terra e seus recursos naturais como algo a ser explorado irresponsavelmente e sem contrapartida, como temos feito desde sempre, mas com muito mais intensidade nas últimas décadas.

A valoração da floresta em pé pode significar uma saída parcial e o princípio de uma solução mais duradoura se traduzir-se na criação de novos parques e áreas efetivamente protegidas. Já no caso da interação das populações tradicionais com a mata, mesmo essa relação é em maior ou menor grau impregnada pelos valores não sustentáveis acima relacionados. Sem uma mudança efetiva na forma como nos relacionamos com os recursos naturais, num prazo mais longo até mesmo esses pequenos núcleos sociais representarão ameaças ao equilíbrio necessário à sobrevivência da nossa espécie.

Recentemente, o presidente da comissão de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Assuero Veronez, justificou o avanço da pecuária sobre a Amazônia como uma resposta ao baixíssimo valor econômico da floresta. Para o executivo da entidade, que representa os interesses dos ruralistas, “a floresta é um ativo de baixíssimo valor econômico e, de outro lado, há uma atividade econômica que dá retorno e dá renda. Você não pode desconsiderar que a pecuária é uma atividade econômica rentável”.

O argumento do membro da CNA incomodou-me profundamente. Mais tarde, refletindo sobre a origem deste incômodo, percebi que o sentimento foi causado principalmente pelo fato de que, dentro da lógica atual, sua afirmação encerra uma grande verdade. A floresta tomba exatamente porque, segundo o raciocínio imediatista que impera, vale mais no chão. E este raciocínio não mora apenas na cabeça do madeireiro nem do pecuarista, mas é corroborado por todos nós em nossas atitudes cotidianas. Em alguns, como no caso do senhor Veronez, ele aparece de forma mais acentuada e é mais explícito, mas arrisco afirmar que ninguém escapa completamente dessa forma de pensar. Explicando melhor, independentemente do nosso discurso e mesmo dos nossos reais esforços por uma mudança de hábitos, as atitudes do dia-a-dia acabam, em maior ou menor intensidade, por seguir ou reforçar a lógica perversa.

Desta forma, é difícil encontrar, num mundo a cada dia mais acelerado e exigente de respostas rápidas, espaço para justificar a preservação da floresta com base no inestimável valor de seus serviços menos facilmente visíveis e com aproveitamento econômico de baixo impacto baseado na aplicação de avanços da ciência, o qual quase sempre exige paciência na busca por novos caminhos. Que dirá da preservação por valores outros, não econômicos.

Como exemplo, podemos citar os planos de manejo florestal na Amazônia, que na teoria derrubam árvores de maneira “sustentável”. Tenho dúvidas se existe algum plano de manejo no Brasil que siga à risca o que as teorias sobre a técnica preconizam. As inúmeras e graves denúncias de irregularidades nos planos de manejo mostram que a teoria de nada serve quando utilizada por pessoas sem consciência de sua importância, e quando não há fiscalização adequada. Novas tecnologias e novas descobertas da ciência continuarão no papel e não passarão de teorias enquanto não desejarmos realmente a preservação da floresta, mesmo que isso não seja defensável sob um ponto de vista puramente econômico.

Sem essa consciência por parte de todos não acredito ser possível salvar o que resta das florestas tropicais do planeta. Apesar de fundamentais, nem leis, nem decretos, nem descobertas científicas, nem aumento do efetivo do Ibama, nada disso conseguirá ser mais forte que o desejo de lucro rápido e fácil que a destruição da floresta proporciona.

Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.
E-mail: digiorgi@gmail.com

Artigo enviado pelo autor e originalmente publicado pelo Correio da Cidadania