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Empresas de celulose modificam a paisagem, os hábitos e a economia do pampa gaúcho

Com contribuições de campanha para dezenas de políticos – empresas produtoras de celulose em expansão no RS destinaram R$ 2 milhões a candidatos em 2006, dos quais R$ 500 mil foram para a campanha de Yeda Crusius. Agora, as empresas invadiram a metade sul do Rio Grande do Sul com florestas de eucaliptos, modificando a paisagem, os hábitos e a economia do pampa gaúcho. A reportagem é de Lúcio Vaz para o Correio Braziliense, 04-05-2008.

Com contribuições de campanha para dezenas de políticos e a promessa de investimentos de R$ 10,7 bilhões em cinco anos, três grandes empresas produtoras de celulose invadiram a metade sul do Rio Grande do Sul com florestas de eucaliptos, modificando a paisagem, os hábitos e a economia do pampa gaúcho. As papeleiras foram recebidas de porteiras abertas pelo governo do estado e pelos prefeitos da região, interessados na geração de empregos, renda e impostos. As relações com o meio político do estado foram azeitadas com doações no valor de R$ 2 milhões nas eleições de 2006, sendo R$ 500 mil para a governadora Yeda Crusius (PSDB).

O atropelo na tramitação de licenças de operação e a elaboração de um zoneamento ambiental que impõe poucas restrições à atuação das empresas provocaram as resistências do Ministério Público Federal, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e de ambientalistas, que temem pela formação de “desertos verdes” na região do pampa, com a conseqüente degradação do meio ambiente.

Durante uma semana, o Correio percorreu 3,7 mil quilômetros visitando 10 cidades gaúchas e duas uruguaias para registrar o avanço das florestas de eucaliptos, que atingirão uma área de 440 mil hectares até 2011. O governo do estado estima a criação de 800 mil empregos no período. Num futuro próximo, a área plantada deverá chegar a 1 milhão de hectares, afirma o secretário estadual do Meio Ambiente, Otaviano Brenner de Moraes. Autoridades municipais saúdam a chegada na nova frente econômica numa região empobrecida, dedicada prioritariamente à pecuária extensiva e às monoculturas da soja e do arroz. Ambientalistas e acadêmicos afirmam que a monocultura do eucalipto esgota os recursos hídricos e prejudica a fauna e a vegetação nativa.

A reação começou com os ambientalistas, mas chegou aos órgãos federais de fiscalização e controle do meio ambiente. O Ministério Público Federal apresentou ação civil pública contra as três empresas de celulose – a Aracruz, a Votorantim e a filandesa Stora Enso – e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) por supostas irregularidades nos processos de licenciamento. O superintendente do Ibama/RS, Fernando Marques, critica o zoneamento aprovado pelo estado: “O Ibama emitiu vários pareceres que, acreditávamos, iriam ajudar no zoneamento. Para nossa surpresa, as coisas foram atropeladas”.

O representante do Ibama/RS no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), Marcelo Medeiros, afirma que o esperado debate técnico-científico foi substituído por uma discussão política e econômica, “sob o argumento de riscos aos vultuosos investimentos já em implantação no estado”. Ele afirma que foi retirada da proposta original de zoneamento “quase que a totalidade dos limites e restrições que poderiam representar mecanismos de salvaguarda da biodiversidade, águas e solos dos biomas Mata Atlântica e Pampa”. Não foram contemplados, por exemplo, os tamanhos e as distâncias entre os maciços florestais.

Insatisfeita com a morosidade na aprovação das licenças ambientais, a governadora Yeda Crusius substituiu a bióloga Vera Callegaro pelo procurador Otaviano Brenner de Moraes na Secretaria de Meio Ambiente em maio do ano passado. O secretário do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais, Luiz Fernando Zachia, afirma que não houve “atropelo”. Explica que foi criada uma força-tarefa para apreciar o estoque de pedidos de licenças, que chegava a 12 mil, e não apenas na área de silvicultura.

Segundo Zachia, havia “um pequeno grupo de técnicos que criava um monopólio da atuação, e começava a haver pressão da sociedade. Isso começou a enfraquecer a secretária”. Com relação ao zoneamento, disse que o governo tomou a seguinte decisão: “Vamos acelerar o processo de conversação com a sociedade. O que for do interesse do estado vamos fazer, para não inviabilizar os investimentos. As coisas estavam paralisadas. Acelerar não é atropelar”.

Representante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) no Consema, o geneticista Flávio Lewgoy desabafa: “O conselho foi usurpado. As pasteiras estão mandando no Rio Grande. O governo colocou etiqueta de preço e vendeu o estado”. O presidente do sindicato dos servidores (Semapi), Antenor Pacheco, entrou com representação no Ministério Público Estadual alegando que três servidores da Fepam foram transferidos para o laboratório da fundação porque emitiram parecer contrário à ampliação da fábrica da Aracruz em Guaíba (RS) de 500 mil toneladas ao ano para 1,8 milhão.

Brenner contesta a afirmação de que houve recuo do governo na elaboração do zoneamento: “Estamos em estado democrático de direito. O zoneamento tem uma finalidade de proteção ambiental e, por conseqüência, acaba limitando o exercício de outros direitos, de livre iniciativa, de propriedade”. Ele afirma que, ao final do debate, houve um equilíbrio, com a aprovação de entidades que representam agricultores, prefeitos. Salienta que a monocultura da soja já alcança 4 milhões, sem zoneamento, sem qualquer processo de licenciamento.

A ação civil do Ministério Público Federal condena, principalmente, a implantação de extensas áreas de florestas com o instrumento precário das “autorizações” da Fepam, permitido em propriedades com até mil hectares. Na soma das três empresas, porém, essas áreas alcançaram 32 mil hectares.

(www.ecodebate.com.br) matéria do Correio Braziliense, publicada pelo IHU On-line, 05/05/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]