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Produzam os biocombustíveis corretos, artigo de Roger Cohen

[Folha de S.Paulo] As modas chegam rápido e com toda força em nossa era da comunicação viral, e as reações a elas podem ser igualmente ferozes. É o que estamos vendo agora com os biocombustíveis, que todo mundo amava até que todo mundo decidisse que são o pior desde a Peste Negra.

Se no passado recente o combustível destilado de plantas vinha sendo saudado como resposta a toda espécie de problemas, do aquecimento global à redistribuição geoestratégica de poder em favor de estados petroleiros repressivos, ele agora se tornou “trapaça” e “parte do problema”, de acordo com a revista “Time”.

Os supostos crimes dos biocombustíveis são muitos. Disparada nas commodities, destruição da floresta amazônica, aumento em lugar da redução no efeito-estufa, tumultos relacionados à falta de comida e, sem dúvida, a dor de dente de sua sogra.

A maior parte dessas alegações é bobagem.

Eu admito que a mania dos biocombustíveis gerou excessos e que algumas das conversões de vegetais de uso alimentício em fonte de combustível, especialmente nos EUA e na Europa, que operam com forte subsídio, não fazem sentido. Mas os biocombustíveis continuam a ser parte da solução. A questão é determinar quais biocombustíveis.

Antes, é preciso demolir alguns mitos. Se os preços do arroz asiático disparam, acompanhados pelo trigo e milho, isso não se deve ao fato de Jon Doe, em Iowa, ou Jean Dupont, na Picardia, terem decidido transformar seu saboroso milho e beterrabas em álcool.
Há tendências muito maiores em ação. Na Ásia, centenas de milhões de pessoas ascenderam da pobreza e passaram a comer duas vezes por dia, não apenas uma, e a urbanização avançou.

Ao mesmo tempo, a ascensão do preço das commodities em 2007 acompanhou, em larga medida, a paridade declinante do dólar. Os preços do arroz dispararam em termos de dólares, mas subiram bem menos em euros. Países como China estão trocando reservas depreciadas de dólares em estoques valiosos de commodities.

A alta nos alimentos também está vinculada ao petróleo, insumo importante de fertilizantes a tratores.

Outro mito que precisa ser destroçado é o de que a floresta amazônica está sendo destruída para plantar cana com a qual o Brasil produz álcool. Quase todas as áreas viáveis para o cultivo de cana ficam a centenas de quilômetros da floresta. O Brasil dispõe de pradarias suficientes para multiplicar por dez o plantio de cana sem ter de chegar nem perto do ecossistema da Amazônia.

O perigo em toda essa histeria dos biocombustíveis é que terminemos por abrir mão do que é bom para nos livrarmos do que é ruim.

As centenas de milhões de chineses e indianos que agora comem mais estarão comprando carros em 25 anos. O que isso representará em termos de preços de petróleo está aberto a interpretações, mas está claro que o álcool representa a única alternativa técnica e economicamente viável para a substituição dos combustíveis fósseis no transporte nos próximos 15 ou 20 anos. Não é uma panacéia, mas é uma ponte necessária para o próximo grande avanço da tecnologia.

A questão a decidir é: que álcool? No momento, o mercado de biocombustíveis vem sendo grotescamente distorcido por subsídios e barreiras comerciais nos EUA e na União Européia. Isso torna compensador produzir álcool de milho e grãos que são bem menos produtivos que a cana, desviam terra dedicada à produção de alimentos e têm credenciais ambientais dúbias.

Por que temos um superávit de álcool brasileiro de cana, menos nocivo ao ambiente, se os EUA impedem que ele chegue ao seu mercado por meio de uma tarifa de US$ 0,14 por litro, enquanto o álcool de milho do Iowa tem subsídios?

A verdadeira trapaça está no protecionismo e nos subsídios distorcidos dos países desenvolvidos, não nos biocombustíveis como idéia.

Artigo originalmente publicado pelo NEW YORK TIMES e republicado pela Folha de S. Paulo, 25/04/2008

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