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Leitor comenta artigo Agrocombustíveis e produção de alimentos

“A combinação de preços atrativos dos grãos, crédito subsidiado, baixo preço da terra fizeram com que o Cerrado passasse a celeiro. Tudo isso com apoio da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação”. Leia o comentário de Carlos R. Spehar, professor da UnB:

“O tema atual é buscar as causas do aumento crescente dos produtos agrícolas, refletindo no orçamento doméstico do brasileiro. Alguns atribuem à competitividade dos agro-combustíveis. Como rendem mais, estimulam uma mudança na base de exploração. Ou seja, torna-se mais fácil a agricultores, cansados de safras frustradas, experiências negativas, que têm débitos nos bancos, que rolam dívidas, safra-sim-safra-não, arrendar suas terras ao plantio de cana-de-açúcar. Sucumbem, se aposentam dos seus sonhos.

Por outro lado, os americanos, que não podem cultivar cana para atender suas necessidades, passaram a usar os estoques de milho, transformando-o em etanol. Eles podem, pois produzem cinco vezes mais do que o Brasil, segundo colocado, com cerca de 56 milhões de toneladas.

Assim, com a queda na oferta, sobem os preços. Porém, como explicar o restante: soja, feijão, trigo etc. Cada caso tem de ser analisado per se e está relacionado a uma ou mais das causas que apresentamos ao longo do texto.

Como tem sido falado, inclusive pelo Presidente da República, outra causa é o aumento no consumo em países emergentes e com elevada população. China e Índia se encaixam nessa condição. A demanda aumenta por que mais pessoas, muitas, têm acesso aos alimentos e bens de consumo derivados da agricultura. Isso atua no sentido de baixar estoques, criando nervosismo no mercado. A visão de futuro indica que essa demanda deva aumentar, causando ainda mais intranqüilidade.

A terceira razão se deve às incertezas climáticas, das quais falamos em texto anterior, publicado no JC e-mail (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=39590). Nele alertávamos sobre instabilidades decorrentes de alterações atmosféricas, como um prenúncio do que está por vir. Alguns estudos sobre efeito de vulcanismo e a ocorrência de mini eras do gelo tem sido relatados, inclusive no JC e-mail, recentemente.

Os vulcões ao expelir grandes quantidades de gases, lançam gases, como poluentes. O episódio não se repete, havendo diluição, o que não ocorre com as alterações por interferência humana. Estas crescem exponencialmente, principalmente nos mesmos países que passam a demandar mais comida. Veja-se o exemplo da China,com sua base industrial altamente poluidora.

Um quarto fator, ainda pouco falado a respeito, é relativo ao que poderíamos chamar de “commodities de commodities”. Esse é o caso dos fertilizantes destinados à produção agropecuária. Com o aumento da área cultivada, certamente aumenta a demanda por eles. Principalmente no Cerrado, onde sem adubar não é possível produzir. A propósito, o Brasil importa, em números aproximados, 60% do fósforo, 70 % do potássio e 90 % do nitrogênio que consome para as diversas áreas da produção, inclusive o de açúcar e álcool.

Outro fator, o quinto, está relacionado à globalização. Empresas que compram os produtos agropecuários, em nível mundial, também controlam a produção dos fertilizantes e outros insumos (pesticidas, dessecantes etc). Como atuam nos extremos, dominam a cadeia produtiva dos principais produtos demandados no mundo. É como se o agricultor estivesse atado a uma camisa de força. Ninguém vê ou imagina isso quando come, todos os dias!

O que precisa ficar claro nesse cenário é que o produtor rural, como comentamos em texto anterior, não pode ficar exposto a todos esses fatores ao mesmo tempo. Certamente, será o desastre da humanidade, se eles sucumbirem.

Vale a pena tecer alguns comentários sobre o que ocorreu no Brasil, nos últimos 40 anos, mesmo diante das grandes incertezas na produção agropecuária. Com alguns incentivos dirigidos, dos anos 1960 à época atual, demos grandes saltos. Passamos a produzir, alimentando nossa população e para exportar, uma conquista que não tem sido fácil. Nesse período enfrentamos incertezas econômicas, o que se poderia chamar de sexta causa de ameaça à produção.

A combinação de preços atrativos dos grãos, crédito subsidiado, baixo preço da terra fizeram com que o Cerrado passasse a celeiro. Tudo isso com apoio da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação.

Um outro fator, o sétimo, esse sim é complexo e alvo de discussões, principalmente entre os que defendem a reforma agrária e os que preferem a livre iniciativa. Refere-se ao modulo mínimo a se explorar, gerando renda suficiente à prosperidade do produtor. Que ninguém imagine ser ele um “bronco”, perdido na imensidão, a carregar os demais nas costas, fácil de enganar. Ele tem aspirações, como os que habitam as cidades.

Quando chegamos ao Cerrado, há mais de 30 anos, sob condições eram favoráveis, já se falava em módulo ideal, no exercício da reforma agrária. Alguns estimavam entre 20 e 50 hectares, a área mínima que permitiria ao agricultor auferir lucros e viver decentemente.

Entretanto, a coisa não era tão simples assim. Dependia da atividade a ser desenvolvida. Se fosse produção de grãos e pecuária esse número estava fora da realidade. Quando se tratava de produção de hortaliças e frutas, o número podia ser até grande demais. Então, quando se pensa em reforma agrária não é apenas dividir e entregar aos usuários. Tem-se que planejar o tipo de exploração. Isso é básico e, se não levado em conta, pode esvaziar qualquer projeto de reforma, relegando-o a uma mera distribuição de terras.

Aí, então surge um oitavo fator, o mais importante, ao nosso ver: educação. Sem a devida oportunidade de formação ao produtor rural, estaremos relegando-o à condição de bronco que todos imaginam que ele tenha. Sem treinamento, profissionalização mesmo, ele atua à deriva, sempre a reboque.

Ele deixa de ampliar seu conhecimento sobre as forças de mercado, sobre novas oportunidades para diversificar a produção, com reflexo na sanidade dos cultivos e na renda. Ao aproveitar essas “janelas produtivas” ele se desvencilha das grandes companhias que dominam os mercados de commodities. Sabe aproveitar melhor os recursos escassos e caros como fertilizantes.

Consegue dominar as cadeias produtivas, se organiza em comunidades, defende seus direitos embasado na realidade dos fatos. Mais ainda, desenvolve mais amor e respeito à natureza, harmonizando conservação e produtividade.

Portanto, independente do modelo, a reforma agrária tem de ser embasada, levando em conta os complicadores apontados ao longo deste texto. Sem uma abordagem compreensiva, perdem-se os esforços.

Pior, criam-se novos bolsões de pobreza, com a diferença de que podem não morrer de fome, já que a terra retribui aos que a trabalham. Portanto, o sucesso da reforma agrária depende de políticas públicas produzidas por assessoria competente, que leve em conta os fatores mencionados.

Da forma como conduzida, permite o agrupamentos de oportunistas, muitos dos quais possuem investimento urbano. Os que têm uma causa justa, produzem, se bem orientados, enquanto os especuladores, esperam aumentar seu capital na valorização da terra. Portanto, atribuir as ameaças à agropecuária a um fator fortuito, é o mesmo que dizer que nossos problemas vêm de fora. Num dos momentos de lucidez um presidente teria dito “nosso problema é interno”. Ou, se a ameaça é grande, organizemo-nos.”

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3496, de 23 de Abril de 2008.