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Amazônia volta a atropelar, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Por mais que se deseje, não se consegue manter à distância por muito tempo temas relacionados com a Amazônia. Eles atropelam. Nos últimos dias, a onda de notícias recrudesceu, principalmente depois de o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informar que o desmatamento no bioma em fevereiro (725 km2) foi 13% maior que o de janeiro (639 km2), retomando uma tendência de alta, embora se esteja na temporada de inverno, quando as chuvas costumam dificultar muitas atividades, entre elas a agropecuária, que tem sido responsabilizada por grande parte do desmatamento mais recente. Estes últimos índices são mesmo superiores aos do período agosto-outubro (243, 611 e 457 km2), mais seco e mais favorável àquelas atividades. E o Inpe diz (Estado, 3/4) que o novo aumento pode ser até maior, porque nuvens intensas sobre Pará e Rondônia dificultaram uma avaliação mais precisa pelo satélite.

Quase simultaneamente, uma bateria de críticas caiu sobre o governo federal, por causa da Medida Provisória 422, que permitiu a regularização de terras na Amazônia com até 1.500 hectares. Uma das críticas mais fortes, do Greenpeace, diz que ela beneficia infratores e “autoriza, em ano eleitoral”, legalizar áreas públicas invadidas por grileiros, fazendeiros, vereadores, prefeitos e posseiros. Segundo a ONG Amigos da Terra, ela “privatiza o patrimônio público na Amazônia”, vai colocar no mercado milhares de lotes e estimular o desmatamento.

Outra crítica, também do Greenpeace, diz que não saíram do papel quase 70% das ações previstas no plano de ação de 13 Ministérios para prevenção e controle do desmatamento, de março de 2004. Só foram cumpridas integralmente ou quase 10 das 31 ações. E um dos motivos centrais para agravar a situação foi o repasse a Estados e municípios – mais frágeis e suscetíveis a pressões políticas e econômicas – da competência para licenciar desmatamentos e monitorar a floresta. Uma notícia dos últimos dias (Folha de S.Paulo, 4/4) diz que uma propriedade de empresa do governador de Mato Grosso e duas do governador de Rondônia estão entre as embargadas pelo Ibama por causa de desmatamentos e outras “atividades ilegais”.

Mas há uma notícia boa: funcionou o acordo de ONGs com grandes exportadoras de soja para não trabalharem, a partir de julho de 2006, com grãos provenientes de áreas ilegalmente desmatadas. Em Rondônia, entretanto, o Estado está concedendo incentivos fiscais por dez anos a projetos de plantio de cana-de-açúcar.

A ministra do Meio Ambiente, diante das notícias, reconheceu que “a dinâmica da ilegalidade” no bioma tem sido mais rápida que a das providências anunciadas pelo governo para coibir o desmatamento ilegal. E informou que pretende, com uma “bolsa-floresta”, estimular agricultores que prestem “serviços ambientais”, como conservação da floresta ou recuperação de áreas degradadas.

No meio do tiroteio, reabrem-se discussões sobre a concessão de florestas públicas para manejo e extração de madeira – embora a primeira licitação tenha sido suspensa pelo Tribunal Regional Federal, que considerou indispensável haver autorização do Congresso Nacional.

Em entrevista ao jornalista Aldem Bourscheit (O Eco, 8/1), o professor Edson A. Zanetti, da Universidade Federal do Paraná, mestre em manejo florestal, diz que as concessões “podem ser um tiro no pé”. A seu ver, “o manejo de florestas nativas para produção é inviável e tem levado à exaustão essas áreas”. Na Malásia, afirma ele, 60% das áreas concedidas estão degradadas, 20% já não têm floresta alguma. Na África do Sul o processo também não tem dado bons resultados – perderam-se as florestas e a titularidade das áreas. No Peru e na Bolívia a exploração tem sido predatória. No geral, esse caminho “compromete a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas”, além de proporcionar “resultados pífios em termos econômicos”. Uma experiência da Universidade de Wageningen (Holanda) no Suriname “revelou que depois de 25 anos as espécies manejadas comercialmente não se recuperaram” e que “a floresta foi alterada pelo manejo”.

Na direção contrária – a favor do manejo, com um novo formato – está um trabalho dos professores Charles R. Clement e Niro Higuchi, do Instituto de Pesquisas da Amazônia. Partem eles do princípio de que a floresta tem pouco valor, na percepção da sociedade, e pequena participação (10%) na formação do PIB amazônico. Só que a percepção social é apenas econômica, esquecida dos valores da biodiversidade, estético (importante para o turismo), dos serviços ambientais (água, fertilidade do solo, polinização, manutenção do clima, etc.). Seria preciso, então, “aumentar a densidade econômica da floresta” e atribuir valor aos serviços ecológicos, especialmente a água.

A proposta desses pesquisadores para o manejo é usar tecnologia de ponta em 250 milhões de hectares – em florestas “certificadas e enriquecidas” -, para movimentar US$ 22 bilhões por ano e chegar a um aproveitamento de 70% da madeira extraída. O projeto exigiria várias estratégias: 1) Zoneamento ecológico/econômico capaz de preservar em unidades de conservação pelo menos 35% da área; 2) regularização fundiária; 3) certificação.

Reconhecem os autores a legitimidade das dúvidas sobre a erosão genética em projetos de manejo (por causa da retirada dos melhores espécimes) e sobre a dificuldade de escolher os espécimes a serem retirados sem conhecer cada árvore em cada hectare, dados os diferentes tempos de maturação. Mas acham que os problemas podem ser enfrentados aumentando a densidade de espécies nessas faixas destinadas ao manejo.

Já que o governo federal segue, decidido, com o projeto de concessão, poderia pelo menos promover uma ampla discussão pública dos trabalhos pró e contra o manejo. No mínimo, a sociedade tem o direito de se informar.

Washington Novaes é jornalista, E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 11/04/2008