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alta do preço dos alimentos: Nova ameaça global

Inflação crescente no mundo preocupa do FMI à ONU e provoca reação do presidente Lula. O mundo está preocupado com a alta do preço dos alimentos. Motivo: quando eles sobem, puxam a inflação, tal como está acontecendo agora na economia global – inclusive no Brasil. Para combater a inflação, bancos centrais costumam elevar as taxas básicas de juros – assim como o BC brasileiro deve fazer na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na semana que vem. E, quando os juros sobem, o crescimento econômico cai. O problema é que a inflação está aumentando no exato momento em que a maior economia do mundo, a dos Estados Unidos, está entrando em recessão, e o Federal Reserve (Fed, o BC americano) está cortando agressivamente os juros para evitar que a locomotiva saia dos trilhos. Hoje, o juro básico nos EUA é de 2,25% ao ano. Matéria do Estado de Minas, 11/04/2008.

O dilema inflação versus recessão foi classificado ontem pelo diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, como “estar entre o gelo e o fogo” – ou seja, a economia mundial está entre o gelo da desaceleração e o fogo da inflação. A única certeza é a de que, do lado do fogo, os alimentos vão continuar subindo pelos próximos dois ou três anos. “O preço dos alimento avançou 46% de 2006 até agora”, disse Strauss-Kahn. O risco, segundo o executivo, é que o avanço da inflação possa minar os ganhos obtidos pelas diversas economias no globo nos anos recentes. “A resposta é aumentar a produtividade”, garante.

Na verdade, a resposta é mais complexa. Os alimentos estão subindo por dois motivos básicos. O primeiro é que o crescimento da economia mundial nos últimos anos, principalmente entre os países emergentes, fez mais gente consumir alimentos, pressionando a demanda. “Tem mais bocas comendo”, resume Pierre Vilela, assessor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg). Além de consumir mais, as classes C, D e E desses países estão comendo melhor. “No Brasil, por exemplo, quem comia arroz e feijão agora come bife. Então, temos que produzir mais carne. E, para isso, precisamos de mais grãos”, diz.

O segundo está ligado ao surgimento dos combustíveis à base de produtos agrícolas, como milho, soja e cana – os biocombustíveis. Também neste caso, há duas variáveis. “A procura por grãos aumenta, elevando os preços, e as commodities agrícolas estão atraindo grandes investidores financeiros, como fundos, que especulam com os preços. Além disso, ao virar combustível, o preço da soja colou no do petróleo, que não pára de subir”, diz Vilela. Entre 2005 e 2007, o trigo subiu 70%, o milho, 80%, e os laticínios, 90%. “E não há como reverter essa situação em dois ou três anos”, garante. Nos EUA, por exemplo, das 300 milhões de toneladas de milho que serão esmagadas este ano, cerca de 80 milhões serão desviados para a produção de etanol. No Brasil, o preço do milho saltou de R$ 16 a saca no ano passado para os atuais R$ 24. A soja pulou de R$ 29 para R$ 42.

Segundo o FMI, os preços ao consumidor nos EUA, Europa e outros países ricos devem subir 2,6% este ano, a mais alta taxa de inflação desde 1995, segundo o FMI. Nos EUA, os preços no varejo em fevereiro estavam 4% acima dos níveis do ano passado. Nos 15 países que dividem o euro, a inflação está em 3,5%, máxima em uma década. Existem outros fatores puxando os preços, como energia – mas, na quarta-feira, o Banco Mundial estimou que os preços globais dos alimentos subiram 83% em comparação aos últimos três anos. O FMI previu que os preços ao consumidor em países emergentes e em desenvolvimento subirão 7,4% este ano, a maior inflação desde 2001. O preço do arroz, principal alimento para bilhões de asiáticos, está 147% acima do ano passado.

Principal defensor mundial dos biocombustíveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ontem, na Holanda, onde se encontra em visita oficial, que os produtos tenham culpa na inflação. “Não me venham com o discurso de que o problema são os biocombustíveis”, disse. Para ele, não há nenhuma relação entre os dois assuntos. “Nós não temos esse problema no Brasil”, ressaltou, lembrando que o país tem 850 milhões de hectares de terra e que, destes, 400 milhões são agricultáveis. Para combater a alta dos preços, Lula sugeriu – assim como o FMI – o aumento da produção.

“Os pobres do mundo estão começando a comer mais. Tem mais chineses comendo, tem mais brasileiro comendo, tem mais africano comendo, e isso tudo faz crescer a pressão por alimentos”, afirmou. “O que precisamos é produzir mais”, frisou. No caso do Brasil, o presidente disse que a pressão inflacionária ocorre principalmente por causa de dois produtos: feijão e leite. Segundo ele, dos 4,5%, que é a meta da inflação fixada pelo governo para o ano, o feijão e o leite respondem por 0,7% – e que, se não fossem esses dois produtos, o índice seria de 3,8%. “E são dois produtos que temos competência para produzir em maior escala. Temos terra e uma cultura que em 90 dias se planta e colhe”, ressaltou.

A questão, já com o viés da estabilidade política, bateu na porta da Organização das Nações Unidas (ONU). O diretor do Programa de Alimentação Mundial (WFP, na sigla em inglês), John Powell, advertiu ontem sobre a ascensão da “nova face da fome”, que vai requerer esforços combinados de governos, setor privado e organizações humanitárias. “Os preços dos alimentos estão aumentando em um ritmo que poucos de nós já vimos antes”, disse. Nas últimas semanas, a população de países como Burkina Faso, Camarões, Egito, Senegal, Marrocos e Haiti realizaram protestos violentos contra a inflação dos alimentos. (Com agências)

Brasil: alta de produtos como óleo de soja, pão, milho e feijão estão pressionando a inflação e podem fazer o Banco Central (BC) aumentar os juros na próxima semana

México: a alta do milho, usado para fabricação de etanol nos EUA, elevou o preço da tortilha, a tradicional panqueca mexicana. Resultado: protestos populares

Venezuela: está enfrentando uma inflação que chegou a 22,5% em 2007 e desabastecimento de alimentos

Bolívia: para tentar frear a alta dos preços de alimentos, o governo vetou as exportações de trigo, milho, arroz, carne e óleos

Argentina: brigando para segurar a inflação, o governo aumentou os impostos sobre exportação de alimentos e acabou provocando a greve dos produtores rurais

Egito: a alta do trigo puxou o preço do pão e provocou protestos que já deixaram quatro mortos

Ucrânia: os alimentos subiram 40% nos últimos 12 meses. O país cortou as exportações

China: para conter a alta nos preços, o governo aumentou impostos e colocou limites à exportação de trigo e soja

Austrália: a seca fez o preço do pão aumentar 8,8% e os lácteos, 10% no ano passado