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Trabalhadores de cana à margem do setor produtivo

Num país de tantos contrastes, não é de se estranhar que a expansão do setor sucro-alcooleiro se dê às custas dos cortadores de cana. Uma revisão da literatura científica publicada na Revista de Saúde Pública revela os riscos à saúde associados à queima da cana a que estão sujeitos esses trabalhadores, que agora se vêem ameaçados também pela substituição da queima pela colheita mecanizada. A nova ameaça é o desemprego.Por Caroline Borja, da ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, SBPC/LABJOR.

Segundo o estudo, as partículas e os gases emitidos na queima – entre eles, o cancerígeno benzopireno – têm efeitos negativos sobre a saúde. Os trabalhadores dos canaviais e a população do entorno são as principais vítimas dessa poluição. As partículas geradas podem penetrar rapidamente nas vias respiratórias e nelas se depositar. Durante exercício físico – neste caso, o trabalho nos canaviais –, em função da maior ventilação pulmonar, o total de partículas depositadas pode aumentar quatro a cinco vezes, e a maioria consegue atingir a corrente sanguínea. Os idosos e os portadores de diabetes e de doenças coronárias e pulmonares correm maior risco.

A queima serve para eliminar a palha e facilitar a colheita manual da cana ou reduzir seu volume. Essa prática aumentou com a expansão do setor sucro-alcooleiro no Brasil, que representou a construção de mais de cem novas usinas, tudo isso graças à ampliação da participação do álcool na matriz energética. Segundo o artigo, no Brasil – que é o maior produtor e exportador mundial de álcool – a produção de cana-de-açúcar atingiu 436,8 milhões de toneladas na safra 2005/2006. O Estado de São Paulo contribui com cerca de 60% desse montante.

Mas, nos canaviais paulistas, a queima da palha da cana está com os dias contados. A lei estadual 11241 de 2002 determinou a eliminação gradual da queima, que deve ser completamente substituída pelas colheitadeiras (colheita mecânica) até 2031. Porém, segundo a autora do estudo, a geógrafa Helena Ribeiro, professora do Departamento de Saúde Ambiental da USP, o uso da colheitadeira traz alguns problemas. “Seu custo elevado (quase um milhão de reais) torna mais complicada sua adoção por proprietários menores e menos capitalizados”, diz ela. Ribeiro acrescenta que a colheitadeira tomba com certa facilidade em terrenos com maior declividade e não elimina o excesso de palha que, mesmo se usada como combustível em usinas, eleva o custo de transporte e, se for deixada no campo, dificulta a germinação da cana. A geógrafa explica ainda que, sem a queima, a cana fica mais susceptível a pragas e doenças.

Para Ribeiro, a eliminação da queima e a substituição pela colheitadeira gerariam ainda muito desemprego no campo e nas pequenas cidades onde a população vive da cana. “Por isso, a lei previu um processo gradual, concomitante com uma capacitação daquela mão de obra empregada na colheita. Acontece que esta capacitação não aconteceu, os novos empregos exigem conhecimento técnico e os cortadores, geralmente com baixa escolaridade, estão ficando à margem do processo produtivo”, alerta. Ribeiro conta ainda que as usinas sentem falta de trabalhadores mais qualificados e que empresários, órgãos de classe e o governo teriam que oferecer cursos técnicos.

Ribeiro acredita que a falta de uma lei nacional que proíba a queima se deve à omissão da sociedade e ao imenso contingente de cortadores do nordeste do país que migram temporariamente para diferentes regiões, seguindo a safra da cana. “Estes têm uma situação ainda pior, pois passam grande parte do ano longe das suas famílias, em alojamentos segregados, exercendo um trabalho pesadíssimo e sem receber nenhum investimento em sua capacitação para que possam assumir outro trabalho”.