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Edificações consumo zero de energia. Utopia?

As empresas que perceberam que não há futuro se a questão da sustentabilidade não for incorporada aos seus negócios investem forte em tecnologia, mas esbarram em um problema; sem empresários e consumidores conscientes, não há como vender produtos sustentáveis, ainda mais quando isso se traduz em custos mais elevados. Matéria de Márcia Pimenta, para o EcoDebate, 09/04/2008.

Algumas empresas líder do ramo da construção civil que vêm investindo forte para oferecer produtos e serviços mais sustentáveis tomaram uma decisão inédita e resolveram levantar dados que ajudem a compreender porque a construção sustentável não consegue sensibilizar corações e mentes dos empresários do ramo. Se a sociedade está informada a respeito da crise ambiental que o mundo atravessa, por que tem tantas dificuldades para mudar hábitos que impactam negativamente o planeta?

Essa é a resposta que buscam o World Bussiness Concil for Sustainable Development – WBCSD – cujo braço brasileiro é o Centro Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS e 10 empresas sediadas em seis países. Com o projeto Eficiência Energética em Edifícios (EEE) eles visitaram vários países, que juntos somam mais de 100 bilhões de metros quadrados de espaço e que consomem 2/3 da energia mundial. As partes interessadas na Europa, Brasil, China, Índia, EUA e Japão participaram de uma série de encontros e workshops e ofereceram subsídios para a confecção de um relatório que ajudará as empresas inovadoras a elaborarem uma abordagem que possa ser utilizada em busca de um melhor desempenho energético. A meta é o consumo zero de energia, isto é, a edificação gera a energia para sua operação e ainda pode alimentar a rede com o excesso de energia gerada.

Consumo energético está diretamente ligado às mudanças climáticas que colocam em risco a vida no planeta, e a construção civil é uma atividade intensiva em energia, responsável por 40% da utilização deste recurso na maioria dos países, e responsável por 35% das emissões de CO2 . O cenário já é caótico, mas fica ainda mais crítico quando avaliamos o crescimento vertiginoso de algumas economias como a da China, por exemplo, que a cada 3 anos constrói um Japão, no que diz respeito à área construída. Além da demanda crescente por energia, Bill Sisson, da United Technologies Corporation, chama a atenção para o desperdício que só nos EUA representa 60 bilhões de dólares em perdas. Segundo Sisson, eficiência energética não é considerada como investimento pelos empreendedores, que apenas enxergam o custo para implantação de alternativas sustentáveis. Dessa forma, só se propõem a adotar soluções eficientes se este for um fator decisivo na hora da compra.

O projeto realizou uma pesquisa e identificou que nos países visitados a maioria dos empresários sobrestima o aumento dos custos de uma edificação sustentável. Na média, eles avaliaram que o aumento era de 17% em relação a um edifício normal. A verdade é que o custo fica abaixo dos 5% em países desenvolvidos e podem ser mais alto na China, Brasil e Índia, mas não chega a 10%. Como agravante para a falta de envolvimento do setor, a indústria da construção civil subestima sua contribuição e considera que suas emissões representam apenas 19%, em média. Se os empresários têm seu foco na maximização dos lucros, desmistificar o aumento de custo numa edificação sustentável, já é um bom começo!

Outros setores que podem e devem dar sua contribuição são os agentes financiadores, que poderiam oferecer condições de financiamento mais atraentes para os projetos que incorporassem aspectos ambientais em sua concepção. Outra necessidade são políticas públicas e regulamentações para o setor. Segundo o projeto “liderança industrial”, profissionais da indústria da construção apenas adotam novas práticas se estas forem requeridas por regulamentação.

Mudanças de comportamento podem ser alavancadas por movimentos sociais que demandam um comportamento mais amigável com o meio ambiente, por crises ou por uma parcela visionária de empreendedores, que investem em planejamento. No Brasil, segundo o Professor Robert Lamberts, Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, a sociedade reage bem às crises. A compra de lâmpadas mais eficientes, que proporcionaram economia de 20% no consumo de energia e a confecção de legislação efetivamente instituída para promover a eficiência energética no país vieram no bojo da crise do apagão, em 2001. Neste ano foi sancionada a Lei No 10.295, que “dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia” O artigo 4º desta lei afirma que “o Poder Executivo desenvolverá mecanismos que promovam a eficiência energética nas edificações construídas no País”. Dois meses depois a regulamentação foi publicada sob forma do Decreto 4.059 de 19 de dezembro de 2001.

O professor criticou os empresários brasileiros da construção civil, que segundo ele, não tem clareza da urgência de mudanças no que diz respeito às conseqüências do aquecimento global. Lambert considera um absurdo que nossas edificações ainda abusem das fachadas em vidro ou com revestimento de cores escuras, que potencializam o aquecimento interno das edificações, totalmente ineficientes em um país de clima tropical, como o Brasil. Para ele, estamos muito lentos nas implementações das intenções. Sobre o selo Procel que tem o objetivo de estimular a fabricação nacional de produtos mais eficientes energicamente, e orientar o consumidor, no ato da compra, a adquirir equipamentos que apresentam melhores níveis de eficiência energética, existem problemas de comunicação, uma vez que grande parte dos consumidores não entende o conteúdo das etiquetas.

Jean Rodrigues Benevides, Gerente Nacional de Meio Ambiente da Caixa Econômica Federal – CEF – que é responsável por 68% do mercado de crédito imobiliário, diz que a instituição financia habitações que utilizam tecnologias sociais, como por exemplo aquecedores confeccionados a partir de garrafas PET e embalagem Tetra-Pak, incentiva a substituição de geladeiras por modelos mais eficientes e também apoia projetos de educação ambiental. Porém, no que diz respeito a incentivo a construções sustentáveis através de financiamentos com taxas de juros mais atraentes, estes são inexistentes. No momento a CEF trabalha construindo indicadores para incentivar estes projetos.

A experiência com o projeto de Eficiência Energética em Edifícios – EEE – do WBCSD e seus parceiros sugere que a tecnologia para tornar as construções sustentáveis existem e estão disponíveis, mas isto não é suficiente para promover mudanças de comportamento. Os principais obstáculos são a falta de conhecimento específico, liderança e envolvimento, além da falta de incentivos. O empresariado precisa aguçar seu olhar de longo prazo, derrubando a lógica da maximização dos lucros para embarcar de vez na era da sustentabilidade, a única opção para não vivenciarmos um colapso ambiental global!

Márcia Pimenta, jornalista com especialização em gestão ambiental, é colaboradora e articulista do EcoDebate