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Notícia

Cana pressiona área de proteção no Cerrado

Plantio ocupou, em 2007, 162 mil hectares do bioma que hoje o governo indica como áreas de conservação, indica estudo de ONG

No Cerrado, o bioma mais ameaçado do país depois da Mata Atlântica, o cultivo de cana-de-açúcar avançou nos últimos anos em áreas que hoje o Ministério do Meio Ambiente considera prioritárias para a recuperação da biodiversidade. Em 2007 a commodity ocupava 162 mil hectares de áreas indicadas para a conservação em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Por Sarah Fernandes, da PrimaPagina, PNUD Brasil.

Os dados têm como base a Pesquisa Agropecuária Municipal e a Pesquisa Agropecuária Anual de 2007. Eles serão usados em um estudo sobre cultivo de commodities para produção de etanol no Cerrado, que está sendo preparado pela organização não-governamental ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), que tem o apoio do PNUD por meio do GEF (Fundo Global para o Meio Ambiente, na sigla em inglês).

As regiões indicadas para preservação são chamadas áreas prioritárias, locais em que o Ministério do Meio Ambiente aponta necessidade de criação de políticas de conservação. Os estudos para determinar quais áreas receberiam atenção especial começaram em 2006 e terminaram em 2007; no processo foram usados mapas de 2005, quando não havia canaviais nas regiões.

“A expectativa é que, a partir do diagnóstico de que existem lavouras de cana em áreas prioritárias, o governo adote medidas para que os canaviais não avancem na vegetação nativa”, afirma Nilo D’Avila, coordenador do estudo, que deve ser publicado em junho. “A possibilidade de que esses canaviais voltem a ser vegetação nativa é muito remota”, avalia.

“Qualquer monocultura traz perda de biodiversidade. O plantio de cana mexe no meio bioquímico do Cerrado, principalmente na acidez do solo, que é muito alta nessa região”, diz D’Avila. O bioma é o segundo que mais perdeu mata nativa no Brasil depois da Mata Atlântica, segundo o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis).

O problema é mais grave em São Paulo, onde a cana ocupou 106 mil hectares de áreas hoje consideradas prioritárias. Em segundo lugar vem Minas Gerais (25 mil hectares), seguida de Goiás (13 mil), Mato Grosso (12 mil) e Mato Grosso do Sul (6 mil).

D’Avila prevê que, além de pressionar as áreas nativas, a ampliação das lavouras de cana — impulsionada pela produção de etanol — pode incentivar produtores de outras culturas a arrendarem suas terras para que elas sejam convertidas em canaviais. “Essa mudança pode fazer com que os antigos proprietários de terras procurem novas áreas em regiões mais preservadas, como o norte do Tocantins, sul da Bahia e Maranhão, e assim pode haver desmatamento nessas regiões”.

Além do impacto ambiental, o estudo vai avaliar a influência do aumento de canaviais nas populações rurais do Cerrado. “Em um primeiro momento, os agricultores podem ter ganhos econômicos com a colheita de cana e migrarem para a atividade. Porém, a tendência é que o processo seja cada vez mais mecanizado, o que requer menos trabalhadores”, diz o coordenador da pesquisa. “O aumento das lavouras de cana pode reduzir a biodiversidade e prejudicar quem vive de atividades extrativistas”, completa.

Cerrado e Amazônia

A monocultura de cana ameaça mais o Cerrado que a Amazônia, apesar de o foco de preservação estar mais voltado para o segundo bioma, de acordo com a pesquisa. Na safra de 2007, as lavouras de cana-de-açúcar ocupavam 5,8 milhões de hectares Cerrado, contra 16.033 hectares da Amazônia, segundo o levantamento do IBGE que será utilizado no estudo.

Nos Estados que compõem a Amazônia brasileira, há três usinas de processamento de cana-de-açúcar instaladas, segundo D’Avila. Em contrapartida, somente em Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul são 58 usinas.

“O Cerrado é mais convidativo para o plantio de cana que a Amazônia”,diz o autor. O bioma apresenta melhores condições climáticas, irrigação e topografia. “A Amazônia tem vários planos de combate ao desmatamento, mas o Cerrado não. Órgãos públicos têm planos de financiamento do plantio, mas eles deveriam vir acompanhados de políticas de preservação”, comenta.

Enviada pelo Fórum Carajás