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UE já vê etanol como vilão e ameaça planos do Brasil

Manifestações recentes de governos, partidos e entidades sugerem uma abrupta mudança de humor dos europeus em relação ao uso de biocombustíveis, mas mais especificamente contra o etanol. As conseqüências para os Brasil podem ser graves, desde a falta de estímulo para a criação de um mercado mundial de etanol até a perda de terceiros mercados. Por Assis Moreira e Humberto Saccomandi, de Genebra e São Paulo, do Valor Econômico, 07/04/2008.

O mais recente episódio ocorreu na sexta, quando o governo alemão voltou atrás na decisão de dobrar para 10% o conteúdo de etanol na gasolina consumida no país a partir do ano que vem. O governo argumentou que muitos carros antigos não poderiam rodar com essa mistura de etanol e seus motoristas seriam obrigados a usar uma gasolina premium, mais cara.

Na quinta, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, acusou os governos do Brasil e dos EUA de dar subsídios fiscais à produção de etanol.

Já o Reino Unido retirou no mês passado o financiamento para um programa de E85 (mistura de 85% de etanol e 15% de gasolina), apesar de continuar a defender a mistura de 5% de etanol à gasolina.

Oficialmente, a Comissão Européia (órgão executivo da UE) mantém sua proposta de misturar 10% de etanol à gasolina na região até 2020. O porta-voz de energia da UE, Ferran Terradelas Espuny, foi incisivo: o objetivo da Comissão não muda. Reagindo à decisão da Alemanha, disse que os países da UE podem fazer o que quiserem, pois a proposta da Comissão ainda está em negociação e talvez só seja aprovada (ou não) no final do ano.

Mas, segundo a agência de notícias espanhola Efe, organizações ambientalistas como Greenpeace, Friends of the Earth e Birdlife estão pressionando a UE e os governos europeus a abandonarem o objetivo de 10% de biocombustíveis, por temerem que a medida seja contraproducente.

Na diplomacia brasileira, a decisão alemã acendeu o sinal de alerta. Um importante especialista disse: “A mudança de humor da Europa em relação ao etanol é muito séria”. O Brasil tem o plano estratégi-co de tornar o etanol uma commodity mundial. Para criar esse mercado, a UE é indispensável. Se o etanol ficar restrito a Brasil e EUA, nunca vai ganhar escala para valor mais elevado. A UE é “decisiva” porque, se entra no jogo, teria efeito de demonstração para outros países. Mas, se o recusa, o “baque é tremendo” nos planos brasileiros.

O baque é forte porque o Brasil apostou seriamente na expansão dos mercados, e não só no europeu. Se Bruxelas freia o desenvolvimento do etanol, o resto do mundo pode desistir e talvez no futuro até os EUA, porque o etanol americano é uma extravagância econômica e ambiental – – é muito caro e de efeito cada vez mais questionado sobre o aquecimento global.

O Japão, que vem avaliando o que fazer em relação ao etanol, pode desistir. Ou seja, o que a Alemanha – o maior produtor europeu de biocombustíveis, mas principalmente de biodiesel – fizer, pode ter efeito em cadeia.

A Europa parece mais inclinada a apostar no biodiesel, pois sua indústria automobilística vem apostando em motores a diesel mais eficientes, de consumo menor.

A sorte do etanol começou a mudar na Europa no começo do ano, quando estudos científicos contestaram o benefício do uso do etanol no combate ao aquecimento global. Uma pesquisa da Universidade de Minnesota (EUA), publicado em fevereiro pela prestigiosa revista “Science”, indicou que a conversão de florestas no Brasil, no Sudeste Asiático e nos EUA para o cultivo de grãos e outras plantas usados como matéria-prima para biocombustíveis pode gerar emissões de dióxido de carbono maiores do que as que se economiza com combustíveis fósseis.

O estudo aponta como mais prejudicial o etanol de milho, produzido nos EUA, mas diz que mesmo o etanol de cana-de-açúcar produzido no Brasil pode trazer um déficit no curto prazo em termos de emissões de carbono. Esse déficit seria compensado após 17 anos, mas o problema é que é preciso reduzir as emissões já.

Esse e outros estudos começaram a erodir a imagem dos biocombustíveis na Europa como uma alternativa ecologicamente viável aos combustíveis fósseis. Um sinal dessa crescente oposição foi a adoção, por parte de ambientalistas europeus, do termo agrocombustíveis, bem menos positivo, em lugar de biocombustíveis.

Nas últimas semanas, a mídia européia deu amplo destaque aos problemas e às incertezas relacionadas aos biocombustíveis. O principal jornal espanhol, o “El País”, disse que eles estavam perdendo o rótulo ambiental. Uma das intenções do governo britânico, ao abandonar o programa de E85, foi ajudar a frear o avanço de plantações em áreas de floresta com o uso excessivo de pesticidas.

Além questionar o ganho ambiental dos biocombustíveis , os europeus estão preocupados com a alta de preços que eles estão causando em commodities agrícolas, do milho à carne, e que ajudou a levar a inflação anual na zona do euro ao recorde de 3,5% em março.

A Comissão Européia avalia que o etanol está sofrendo duas linhas de ataque. Primeiro, do lado ambiental. A implicância de ONGs está estigmatizando o etanol, como ocorreu com os transgênicos. Segundo, do lado social, com a acusação de que o etanol eleva o preço de alimentos e só beneficia fazendeiros ricos do Brasil e dos EUA.

Michael Mann, porta-voz de agricultura da UE, disse que o objetivo europeu é claro: estimular a produção de etanol de primeira geração, a partir de matérias-primas agrícolas. Mas, assim que for possível, partir para a produção de etanol segunda geração, para não usar commodities alimentares.

É preciso notar, porém, que a Suécia recentemente foi o primeiro país a obter autorização da UE para eliminar a tarifa de importação sobre o etanol brasileiro, e por razões ecológicas. Há uma ala, como o governo liberal sueco, que acha o etanol brasileiro importante para a questão ambiental.

Para alguns especialistas, se o quadro piorar para o etanol, o Brasil em todo caso tem chances com o biodiesel (que tem tarifas baixas na UE). Só que o protecionismo para biodiesel também é forte.