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No Dia Mundial da Saúde, pesquisadora propõe reflexão sobre as mudanças climáticas

O Dia Mundial da Saúde, comemorado nesta segunda-feira (7/4), foi instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com o objetivo de chamar a atenção para um assunto de grande importância para a saúde global. Em 2008 o tema, que deverá pautar as discussões futuras, é A proteção da saúde contra os efeitos das alterações climáticas. Na entrevista a seguir, a pesquisadora Lia Giraldo, do Departamento de Saúde Coletiva do Instituto de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco, comenta sobre a importância para a área de saúde pública. Lia é doutora em clínica médica e especialista em saúde pública, com ênfase em saúde ambiental e em saúde do trabalhador. Para ela, é necessário construir um sistema de informação com indicadores que possibilitem fazer uma vigilância da saúde relacionada com as mudanças climáticas. Mais: as ondas de calor ou de frio podem afetar profundamente a qualidade da vida, especialmente para os mais pobres, para as crianças e os idosos. Por Rita Vasconcelos, da Agência Fiocruz de Notícias.

O que achou da escolha do tema A proteção da saúde contra os efeitos das alterações climáticas, para o Dia Mundial da Saúde em 2008?

Lia Giraldo: Trata-se de um tema candente. Os governos e a sociedade precisam ser mais bem sensibilizados para a adoção de políticas efetivas de controle dos condicionantes das mudanças climáticas e que agravam a saúde e o ambiente.

Quais as principais conseqüências sanitárias provocadas pelas alterações climáticas?

Lia: Entre as mais relevantes podemos citar os impacto sobre o conforto térmico, sobre a hidrologia, sobre a qualidade ambiental e o surgimento de novos grupos de doenças ou o agravamento dos já existentes.

Os efeitos negativos de alterações climáticas afetam de igual maneira todos os países, ricos e pobres?

Lia: Todos os contextos socioambientais geradores de nocividades impactam desigualmente as populações. Os grupos mais pobres e os países em desenvolvimento são os mais vulneráveis, tanto por aspectos biológicos, sociais, culturais, econômicos, políticos e ecológicos. Vamos usar como exemplo o aspecto econômico. As populações desses países têm menor poder de sustentabilidade, menos possibilidade de flexibilização, menos possibilidade de trabalho e de aquisição de bens para amenizar as mudanças, como comprar aquecedores, no período frio, ou ar-condicionados, na época de calor. Outro exemplo, relacionado com o aspecto cultural: essas pessoas já têm um modo de vida adaptado ao local onde vivem. Do ponto de vista histórico, as mudanças climáticas vão afetar esse modo de vida fazendo com que elas tenham que incorporar essas mudanças ou tenham que migrar para outros lugares.

Na área de pesquisa o que está sendo feito para o enfrentamento do problema?

Lia: Na área das ciências da natureza os estudos estão mais desenvolvidos, pois os impactos no meio físico e na biota têm sido mais evidentes. Já nas ciências humanas e nas ciências da saúde os estudos são mais incipientes. Na minha opinião, é necessário construir um sistema de informação com indicadores que possibilitem fazer uma vigilância da saúde relacionada com as mudanças climáticas. Hoje utilizamos os bancos de dados construídos para aferir a mortalidade e morbidade, de modo geral, nos quais os fatores de exposição ambiental relacionados com as mudanças climáticas não estão bem delineados. Isto dificulta os estudos associativos. Com uma nova lógica é possível estabelecer linhas de base para comparação mediante estudos longitudinais, que devem ser multicêntricos e com categorias de análise espaço-populacional, inseridos em contextos diversificados.

E que medidas podem ser tomadas pelos órgãos públicos?

Lia: As políticas devem ser, de imediato, as de preservação ambiental, especialmente das florestas, dos recursos hídricos, as voltadas para a qualidade do solo e do ar, monitoramento e a proteção das espécies, o desenvolvimento de uma matriz energética limpa, de defesa civil, de saúde pública etc. As medidas de saúde pública devem respeitar a complexidade dos problemas e não oferecer apenas intervenções setoriais para os efeitos. Também não devem reduzir o modelo de intervenção a relações a causais imediatas, sem levar em consideração o contexto onde elas estão inseridas. As políticas devem ser integradas e intersetoriais.

No Brasil, quais são os principais problemas climáticos que estamos enfrentando ou devemos enfrentar e o que eles acarretam no campo da saúde pública?

Lia: Os cenários apresentados apontam que as regiões amazônica e do semi-árido serão as mais atingidas. Eles acarretam aumento dos fenômenos relacionados com a irregularidade das precipitações pluviométricas. Esperam-se períodos maiores e mais intensos de seca bem como de enchentes, mudanças no comportamento de pragas agrícolas e de vetores de doenças, comprometendo a segurança alimentar e o aumento de endemias vetoriais ou que dependam de reservatórios animais. As ondas de calor ou de frio podem afetar profundamente a qualidade da vida, especialmente para os mais pobres, para as crianças e os idosos. A escassez de água afeta muito a saúde, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. Em termos quantitativos, teremos problemas de toda ordem, desde os relacionados ao metabolismo das células – não esqueçamos que a maior parte do nosso corpo é composto de água e nos ambientes quentes o corpo precisa de mais água -, até problemas relacionados com a higiene e com a ingesta. Do ponto de vista da qualidade, teremos conflitos pelo uso da água que será disputada por indústrias, agricultura etc, cujas ações devem levar à contaminação do solo, com despejo de lixo industrial e doméstico, degradando os mananciais que estarão desprotegidos.

Em geral, quando se fala em mudanças climáticas as pessoas tendem a expressar um sentimento de impotência e falta de confiança no futuro. Quais as medidas individuais que podem ser adotadas no enfrentamento do problema?

Lia: Em primeiro lugar, é necessária uma atitude individual e coletiva de não aceitação da permanência de políticas permissivas que comprometam, ainda mais, o meio ambiente. Há a necessidade de uma profunda consciência ecológica e sanitária de todos os indivíduos, para a construção de um projeto civilizatório capaz de mudar os atuais padrões de produção e de consumo, o que requer mudanças nos processos de enriquecimento ou de acumulação de capital. O círculo virtuoso da economia não poderá mais ser mantido à custa da exploração da natureza além de seu suporte ambiental. As mudanças de atitude individual, que visem uma proteção e cuidado de “si próprio”, conjugada com o cuidado do “outro”, e de todas as “espécies”, deve ser estimulada. Também é necessário que haja uma reconciliação do homem com a natureza.

Devemos praticar as três ecologias propostas pelo filósofo francês Felix Guatarri (ecologia da relação do homem com a natureza, do homem com o outro homem e do homem consigo mesmo). Uma nova ordem ecológica deve guiar os processos de desenvolvimento. Há de se ter uma profunda revisão nos modelos de investigação científica e, no caso da saúde pública, é necessário internalizar o ambiente e os processos produtivos no sistema de investigação e intervenção. Infelizmente, a saúde ambiental ainda está mal evidenciada nas Políticas de Saúde nos níveis locais, sendo um indicador de que estamos longe de uma efetiva intervenção nos problemas decorrentes das mudanças climáticas.