EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Programa de neutralização de carbono socialmente responsável. Entrevista especial com Henrique Cortez

Criado em 2006, o Programa Neutralização de Carbono Socialmente Responsável lança uma nova concepção de trabalho na luta para neutralizar o carbono na atmosfera terrestre. Diferentemente dos inúmeros projetos comerciais de crédito de carbono, este programa, produzido pela Câmara de Cultura do Rio de Janeiro e pelo portal Ecodebate, espera, além de contribuir para o meio ambiente, gerar emprego e renda. “Nós concebemos um programa de neutralização de carbono que tivesse com principal foco não só o seqüestro de carbono na atmosfera, mas que incluísse ações com função social, neste caso de geração de emprego e renda”, afirmou Henrique Cortez, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.

Henrique Cortez é ambientalista, com pós-graduação em Gerenciamento de Riscos Ambientais. É coordenador de programas socioambientais da Câmara de Cultura.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como funciona o Programa Neutralização de Carbono Socialmente Responsável? Quais são as principais diferenças entre este programa?

Henrique Cortez – Nós concebemos um programa de neutralização de carbono que tem como principal foco não só o seqüestro de carbono na atmosfera, mas que inclua ações com função social, neste caso de geração de emprego e renda. Como pensamos em fazer isso? Sabemos, pelo menos o Ministério do Meio Ambiente sempre afirma, que existem mais três milhões de hectares de áreas degradadas no Brasil. Áreas degradadas são aquelas que foram usadas intensamente para agropecuária e depois, quando esgotadas, abandonadas, ficando sem utilização econômica. Há muitas situações em que você pode fazer a recuperação da área degradada com a neutralização de carbono, gerando emprego e renda. Isso ocorre principalmente nas áreas de extensão urbana ou nos assentamentos de reforma agrária.

Áreas de extensão urbana

Em muitos municípios do Brasil, tanto os pequenos quanto os grandes, existem áreas que estão na borda dos municípios, na área de transição entre o urbano e o rural. Elas são públicas, mas tiveram utilização econômica predatória, e agora estão abandonadas. Não serão usadas para expansão do município e de sua área urbana. Não existe infra-estrutura para tanto e ninguém está utilizando. E você sempre tem, nessa região, uma população que está ou desempregada ou subempregada. Se utilizarmos esse tipo de área, o que temos como vantagem? Primeiro: você recupera o solo. Segundo: recuperando a área degradada, aumentando a área com vegetação, você também melhora a recarga dos aqüíferos. Isso porque, deve-se destacar, é uma grande função das áreas florestais: gerar o escoamento retardado. Conseqüentemente, você recarrega, com mais eficácia, os aqüíferos e melhora o suporte de água na região. Terceiro: você coloca a população desempregada e subempregada em forma de associação ou cooperativa para trabalhar no projeto. Trabalhando no projeto, você está gerando emprego e renda. Isso, de forma associativa, é melhor ainda, porque, então, você compartilha, eventualmente, a renda que possa ter com esta população. Para gerar mais renda, ainda concebemos fazer a neutralização compondo dois tipos de vegetação em mosaico: a vegetação natural, típica da região, e alguma vegetação que possa ter aplicação econômica, como, por exemplo, o pinhão manso, para produzir biodiesel, ou a seringueira, para produzir borracha. A mesma lógica se aplica aos inúmeros assentamentos de reforma agrária, que hoje estão muito aquém do que poderiam estar produzindo. Basicamente, esse é o conceito essencial do que estamos propondo. É muito diferente do que está no mercado hoje.

IHU On-Line – Que outros programas já estão no mercado?

Henrique Cortez – São programas comerciais, mercantis. A primeira diferença no que propomos está no conceito ético. A proposta é a mesma, mas por meio de um viés social. Nos outros casos, são projetos meramente comerciais. A segunda diferença é metodológica. Essa é uma discussão muito grande na neutralização de carbono, porque cada um utiliza um método diferente de cálculo.

Até recentemente, por exemplo a Fundação Mata Atlântica, utilizava o cálculo de 1,7 árvore por tonelada para fim de seqüestro de carbono. Eles estão mudando o cálculo hoje para 3,6 árvores para cada tonelada. A maioria das empresas comerciais “vendem” neutralização de carbono utilizando o cálculo de 1,7 árvore por tonelada. Essa discussão não é boba, metodologicamente falando, porque boa parte dos cálculos será pensada a partir da monocultura como eucalipto. Haverá possibilidade de se calcular exatamente quantas árvores existem, a tonelagem de madeira e o quanto você neutraliza. Isso porque, existindo uma monocultura, torna-se muito simples calcular por hectare o que se “seqüestra”. Mas essa não é a realidade brasileira. Faremos a neutralização de carbono plantando árvores típicas da Mata Atlântica. No entanto, falamos de uma vegetação que pode ter, em condições naturais, nas áreas preservadas da Mata Atlântica, mais de mil tipos por hectare. Existem árvores de crescimento rápido, de crescimento médio e de crescimento longo. Desta forma, é preciso fazer um cálculo muito diferente para cada vegetação. Precisamos fazer uma neutralização correta, que permita não apenas uma neutralização em si, mas a recuperação da área.

IHU On-Line – De que forma é possível recuperar uma área degradada de floresta, ao mesmo tempo em que se desenvolve a produção de biodiesel na região?

Henrique Cortez – A recuperação da área degradada, se raciocinarmos dentro da lógica do agronegócio, é um processo caro e demorado. Você devasta em dois anos e leva 20 anos para recuperar. O primeiro passo da recuperação é a revegetação. Não adianta fazer grandes investimentos em termos de defensivos agrícolas e adubo. É preciso revegetar uma grande área com o máximo de diversidade vegetal possível. Trata-se, portanto, de uma lógica completamente diferente da monocultura, que não recupera uma área degradada. Com o tempo, você coloca novamente a vegetação, e ela faz a dispersão natural. Você aumenta a área coberta e vai fazendo com que as raízes e os compostos orgânicos recomponham o solo. Ao mesmo tempo, com isso, sabendo que as áreas degradadas têm baixíssimo nível de vegetação e, portanto, são muito ruins para que a água penetre no solo, você melhora a recarga dos aqüíferos, produz “água” e recoloca uma floresta.

Quando estamos falando em composição, imagine um tabuleiro de xadrez. Tratamos de um mosaico, porque temos blocos formados pela vegetação natural e outros blocos de vegetação colocados com fins de produção, para poder gerar emprego e renda. Um não elimina o outro; eles se somam.

IHU On-Line – Quais são os principais problemas que o programa tem enfrentado?

Henrique Cortez – O principal problema que enfrentamos é que esse programa é uma contraposição aos projetos comerciais de neutralização de carbono. Os projetos comerciais de neutralização de carbono, oferecidos por empresas, na verdade são herdeiros de parte do conceito do mecanismo de desenvolvimento limpo. Estão, na verdade, vendendo uma certificação. Para as empresas, é razoavelmente simples entender um projeto comercial. Não é tão simples entender um projeto não-comercial, que é socioambiental, como concebemos. É uma questão que envolve conceitos, com os quais as empresas não estão habituadas. A segunda diferença é a de questão metodológica. Hoje, a maioria das empresas que realiza esses serviços de neutralização de carbono o faz a partir da conta de 1,7 árvores por tonelada. Nosso conceito metodológico não é esse, pois precisamos de muito mais árvores por tonelada. Portanto, estamos falando de um projeto que custa muito mais, se a empresa tiver vontade de neutralizar carbono.

Outra questão que tentamos deixar muito clara, e se mostra muito confusa para algumas empresas, é, por exemplo, quando uma pessoa física da classe C sem carro quer neutralizar o carbono. Ela, neste caso, precisaria plantar, de maneira simples, algo em torno de 16 e 18 árvores por ano. No entanto, se eu plantar 18 árvores para neutralizar o carbono que produzi este ano, ele estará neutralizado em três, sete ou 20 anos, dependendo da vegetação que for plantada. Então, na verdade, estou compensando meu carbono no futuro. Muita gente esquece desse raciocínio. Quando falamos isso para uma empresa, você precisa ver o ar de espanto, por uma questão simples: não dá para “ser” carbono neutro neste ano e não ser no ano que vem. Se alguém quiser “ser” carbono neutro tem que o ser permanentemente. Trata-se de um programa que precisa ser pensado por longos períodos de tempo. Não existe isso de neutralizar um ano e outro não. Pouca gente lembra dessa conta. O carbono só é neutralizado quando a árvore está madura e não quando ela é uma simples muda.

IHU On-Line – Qual é a situação atual do Brasil em relação ao nível de carbono na atmosfera?

Henrique Cortez – O Brasil é o quinto maior emissor de carbono no mundo, graças ao desflorestamento e às queimadas, que são perfeitamente evitáveis. No caso do desmatamento, é a situação trágica de todo ano. Ele cresce na fronteira de expansão da agropecuária e poderia ser evitado. A queimada é pior ainda, porque é o sistema mais ultrapassado de limpeza de área. Então, nossa situação é bastante ruim. Se estivéssemos, por exemplo, numa cidadezinha de dez mil habitantes, com aquele cálculo de automóveis por habitantes e todos sendo da classe C, para neutralizar o carbono que ela produz, se ela não desmatar e queimar, precisaria se plantar algo em torno de um milhão e 600 mil árvores por ano. No nosso caso, infelizmente, quando falamos de neutralização de carbono, falamos com muito verbo e pouca verba.

IHU On-Line – Em sua opinião, o mapa do caminho criado na Conferência de Bali será uma solução para as emissões de carbono no planeta ou terá o mesmo fim que o Protocolo de Kyoto?

Henrique Cortez – Sinceramente, terá o mesmo fim que o Protocolo de Kyoto. Isso porque o que temos que discutir passa por dois pontos essenciais que todas essas discussões evitam. Primeiro: qual é o modelo de desenvolvimento que queremos? E segundo: quais são os limites? Este conceito de desenvolvimento, que está sendo testado desde o século XIX, já se provou que é ultra-predatório. Em relação a qualquer medida que estejamos propondo, com o intuito de redução de carbono, eu diria que, se o modelo não for mudado, estaremos tratando câncer com aspirina, longe de resolver o problema. Estaremos apenas transferindo a emissão para outro lugar. De novo, uma coisa é neutralizar carbono; outra é seqüestrar carbono. Para falar em neutralização, não basta “ser” carbono neutro. Precisamos ter uma política de carbono negativo, ou seja, tentar muito mais do que o necessário. Esse modelo deve ser repensado. Se não for, não haverá saída.

Devemos ter limites. Todo mundo hoje está falando que São Paulo parou por causa do numero de carros. Então, agora, estão rediscutindo a situação. No entanto, as pessoas se fixam em questões tangenciais. Minha pergunta seria: é correto você ter esse volume de automóveis por habitante? Vai funcionar isso? O planeta já tem um bilhão de veículos de todos os tipos. Ora, não há sustentabilidade planetária com uma frota mundial maior do que 400 milhões. Precisamos de limite de emissão, de produção de embalagens. Precisamos ter limites para uma série de coisas. É preciso criar mecanismos de limite. Infelizmente, a história nos mostra que essa inflexão de rumos só ocorre diante de uma catástrofe, ou seja, só vão discutir seriamente essas questões lá por 2060, quando o caos estiver instalado.

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre o desenvolvimento do PAC e a relação com o meio ambiente?

Henrique Cortez – (silêncio) Estou tentando traduzir as cobras e lagartos que passaram pela minha cabeça agora. O PAC, que não verdade não é “o”, mas “os”, é um projeto desenvolvimentista, como têm sido os projetos desenvolvimentistas que o Brasil já teve, nos vários surtos pelos quais já passou desde a Era Vargas. O nível de preocupação ambiental é zero. O nível de preocupação social também. O programa é concebido dentro da lógica do desenvolvimento a qualquer preço. Por exemplo, a discussão da transposição do Rio São Francisco, que é uma obra absolutamente inútil, não vai resolver o problema. Temos também as Usinas do Rio Madeira, que não vão gerar energia para o seu Zezinho ou para a Dona Maria, mas, sim, foram concebidas para oferecer energia barata para indústria elétrica intensiva, principalmente para a mineração e o alumínio. Temos uma série de coisas com este tipo de concepção. Será um surto de problemas. Em suma, este modelo de desenvolvimento é insustentável.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 04/04/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Fechado para comentários.