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Artigo

Algo em comum entre Fidel e a Nestlé, artigo de Gabriel de Salles

[Gazeta Mercantil] Assim que começou a se recuperar da cirurgia a que foi submetido em virtude de uma hemorragia intestinal, Fidel Castro – já afastado do governo – passou a escrever artigos para o Granma, órgão oficial do Partido Comunista Cubano e, num de seus primeiros textos, criticou pesadamente a catarse que se criava em torno dos biocombustíveis. Opondo-se a pronunciamentos eufóricos de governantes como o presidente norte-americano, George W. Bush, o próprio Luiz Inácio Lula da Silva, e de personalidades como Bill Gates, da Microsoft, e os jovens donos do Google, o líder cubano alertava para os riscos que uma corrida em direção aos chamados combustíveis verdes poderia representar para a produção mundial de alimentos. E chamava a atenção para a irresponsabilidade de se ocuparem terras férteis com o plantio de grãos direcionados para gerar alternativas aos hidrocarbonetos. “Tal postura pode ser comparada a um genocídio”, escreveu, taxativo.

O alerta de Fidel chegou a ser entendido até como uma manifestação senil, justamente num momento em que gente tão ilustre ao Sul e ao Norte das Américas fazia à apologia do plantio de grãos e cana-de-açúcar para produzir álcool e óleo. Como sempre acontece, os servidores do neoliberalismo econômico reagiram com comentários jocosos, mais preocupados em “comemorar” o afastamento do líder cubano e repisar enfadonhos e incorretos textos sobre a pobreza dos cubanos e suas dificuldades de acesso a bens e gêneros de primeira necessidade. Repetindo a prática desonesta de sonegar dados, escamoteavam nessa mesma época informações importantes sobre a vida na ilha caribenha como, entre outras, a de ter atingido o segundo menor índice de mortalidade infantil do continente americano, perdendo apenas para o Canadá, de ter acabado com o racionamento de energia elétrica – que levaria à recente liberação do comércio de eletrodomésticos – e de continuar registrando uma das maiores taxas de crescimento econômico do continente.

Não se passaram dois anos do primeiro texto de Fidel e, não fosse triste, seria até divertido ver que seus detratores continuam repetindo os velhos chavões que acreditam ser críticos, novamente comemorando sua renúncia ao governo, e ironizando as iniciativas liberalizantes de seu irmão Raul, e, mais uma vez, ignoram uma seqüência de manifestações, todas reafirmando, quase que com as mesmas palavras, aquilo que Fidel foi o primeiro a dizer.Entre os manifestantes estão personalidades como John Bedington, principal assessor científico do governo britânico, que afirmou há cerca de um mês que os bicombustíveis são uma ameaça à produção de alimentos e um perigo para a vida de milhões de pessoas, num momento em que a demanda de víveres cresce em todo o mundo. Seu alerta coincidiu com o de Josette Sheeran, diretora do Programa Mundial de Alimentos da ONU, que incluiu os biocombustíveis entre os culpados pelo fato de as reservas mundiais de alimentos estarem em seus níveis mais baixos em 30 anos.
Mais recentemente, grandes executivos do porte de Peter Brabeck, da Nestlé, e Ken Powell, da General Mills, os dois principais grupos de alimentos do planeta, também deram seu recado. “A General Mills apóia o desenvolvimento de fontes de energia alternativa sustentáveis, mas preferiríamos que o insumo para a produção de biocombustíveis não fosse um produto agrícola basicamente alimentício”, disse Powell.

Brabeck foi mais direto, advertindo que o uso das matérias-primas alimentícias para a produção energética põe em perigo o abastecimento de alimentos. “Se querem cobrir 20% das necesssidades petrolíferas com combustíveis verdes, não sobrará nada para comer. Direcionar enormes subvenções para produzí-los é uma atitude moralmente inaceitável.”

Tudo igual àquilo que Fidel disse há mais de um ano.