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Artigo

A grilagem oficializada, artigo de Waldemar Rossi

O Correio da Cidadania, em sua edição de 29/03/08, através de seu editorial, denunciou a maracutáia da grilagem das terras públicas (responsabilidade do governo federal), por meio de mais uma Medida Provisória (MP) de Lula. Revela que essas terras destinadas inicialmente aos pequenos agricultores posseiros (agricultura familiar), e que eram limitadas a 50 hectares determinados pela Constituição de 1988, foram aos poucos se elevando até chegar a 500 hectares. Agora, “numa canetada”, Lula usa de um dispositivo ilegítimo para elevar esse limite para 1.500 hectares e passar as terras públicas para as empresas do agronegócio, sem necessidade de licitação. Isto se chama “doação” para empresários desonestos e larápios. É a tal de privatização das terras públicas, é a grilagem oficializada em vez da sua socialização, como determina a Constituição Federal.

A imprensa, sempre tão ávida em publicar amplamente as picaretagens dos políticos, deu muito pouca informação (praticamente omitiu) sobre esse novo escândalo. Por que será? Convém lembrar que recentemente o governo Lula concedeu licença para se produzir milho transgênico no Brasil, como já havia feito com as sementes de soja – empregadas para a fabricação do óleo amplamente usado na da cozinha brasileira. Porém, não há um único estudo que assegure não haver perigo para a saúde pública com as sementes transgênicas. Tanto é arriscado seu uso que governos europeus as proíbem terminantemente. E a imprensa também foi omissa. Por que será?

Segundo comentário do jornalista Clóvis Rossi, em 30/03/08 (Folha de S. Paulo, pág. 2), Lula declarou que, “ao chegar ao poder precisou ‘construir alianças, parcerias, para diminuir os ímpetos daqueles que não se conformavam com a ascensão dos pobres’”.

Pois é, Lula descobriu, nesses mais de cinco anos de governo, que seus novos parceiros são mais generosos com ele do que os antigos parceiros dos movimentos sociais, aqueles aliados que durante mais de 22 anos se empenharam para que Lula chegasse ao poder no Brasil. Os novos parceiros – antes seus inimigos ferrenhos, agora seus novos heróis, conforme suas próprias palavras – garantem-lhe espaços generosos na mídia, alimentam a corrupção do seu partido, alimentam generosamente suas candidaturas e as dos vários partidos nos períodos eleitorais (*) e, através dos senhores que ocupam espaços nos três poderes, garantem a sua “blindagem”, não importa o tamanho das denúncias que pesam sobre seus ombros, sobre os seus assessores diretos e sobre os novos aliados que granjeou já no governo.

Sempre é bom trazer à memória os fatos que têm peso a favor ou contra os interesses do povo brasileiro e da própria Nação. Assim, somando aos fatos já narrados, temos: a omissão, durante cinco anos, diante do criminoso desmatamento da Amazônia e outras áreas de florestas nativas; autorização para o plantio da cana-de-açúcar também na Amazônia; desconhecimento dos estragos da mineração em várias áreas daquela mesma região; transposição do rio São Francisco para atender, sobretudo, aos interesses do agronegócio do Nordeste; omissão ante tantos assassinatos de trabalhadores rurais que lutam pela Reforma Agrária – a qual Lula prometeu, antes de ser eleito, que resolveria “numa canetada” e sem violência. Bem, como o rosário já está comprido, vamos dar um tempo para reflexão.

(*) Dados que podem ser obtidos em consulta aos sites do TSE e TREs, já publicados em parte pela mídia. ]

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

Artigo originalmente publicado pelo Correio da Cidadania, 01-Abr-2008

Nota do EcoDebate

Abaixo transcrevemos o citado Editorial do Correio da Cidadania:

Maracutáia da grossa

A notícia é minúscula, perdida num pé de página, nas folhas do ‘meio pra não se ler’. Ela informa que Lula editou Medida Provisória ampliando de 500 a 1.500 hectares a área dos imóveis que podem ser regularizados sem licitação na Amazônia.

A Constituição de 88 concedeu esse direito aos pequenos posseiros que ocupavam 50 hectares. Daí passou para 100, depois para 500 e agora a 1500, o que significa que já não se está mais falando de pequenos posseiros, mas de empresas agrícolas.

A nova MP vem confirmar os piores vaticínios a respeito da entrega da terra brasileira ao agronegócio. Ela legitima uma prática criminosa, mas que tem ocorrido em todas as fronteiras de expansão da agricultura: o “grilo” de terras.

O “grilo” é o “destacamento precursor” (para usar uma linguagem militar) do “honrado” agronegócio. O grileiro vem na frente e faz o serviço sujo: mediante ameaça e violência física contra pequenos posseiros, protegido pela corrupção das autoridades administrativas e do judiciário, torna legítimo o imóvel formado criminosamente. Em seguida, o “honrado” agronegócio adquire o imóvel legitimado e expulsa das terras qualquer remanescente da refrega inicial com o anteparo do juiz e do policial.

O Brasil foi construído assim e até hoje não se conseguiu força suficiente para civilizar a ocupação do seu território.

Além do aspecto social, a MP abre a porta para outra agressão à sociedade brasileira, pois não há a menor dúvida de que ela ensejará a aceleração do processo de destruição da floresta amazônica.

A terceira agressão dirige-se contra a lei.

Primeiramente, a Medida editada não cumpre o requisito da urgência justificadora da dispensa da tramitação normal dos projetos do Executivo. Que prejuízo poderiam sofrer os legítimos ocupantes de terras na Amazônia se, em vez dela, o governo enviasse um projeto de lei normal ao Congresso?

Além disso, como é possível usar o instrumento da Medida Provisória se, uma vez derrubada a floresta, não há como restabelecer a situação anterior? A revogação da Medida obviamente não reporá as árvores cortadas durante sua vigência, pois ela entra em execução imediatamente. Ora, entre a data da edição da MP agora editada e sua aprovação ou desaprovação pelo Congresso medeia um tempo mais do que suficiente para que as motos-serras anulem a condição imposta pela lei. Sem possibilidade de reversão de seus efeitos, o governante não pode usar esse instituto.

A maracutáia precisa ser denunciada e combatida com o maior vigor. Cabe aos partidos e organizações do povo contestá-la no Supremo Tribunal Federal.