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Artigo

A busca pelo lucro e o desprezo pela Carta, artigo de Dalmo de Abreu Dallari

[Gazeta Mercantil] A busca de lucro por uma empresa pode ser um objetivo respeitável e até mesmo benéfico para toda a sociedade, tendo, por isso, a proteção legal, mas deve ser impedida, com base na legislação já existente, se afrontar direitos garantidos pela Constituição e se implicar enormes e graves prejuízos para o meio ambiente físico e social.

Um empreendimento privado prevendo a movimentação de quantias muito elevadas, está, neste momento, tentando impor-se contra normas expressas da Constituição e sabendo-se desde já, por ser óbvio demais, que se for concretizado acarretará prejuízos gravíssimos à mata atlântica, à flora e à fauna da terra e do mar circundante, provocando a imediata degradação da qualidade de vida das populações de uma ampla área da região.
Pretendendo sustentar que todos esses prejuízos, que não conseguem negar, são de importância secundária, os empreendedores falam em altíssimas somas que serão investidas no local, acenam com a hipótese da criação de muitos empregos e, para tentar superar as barreiras legais tentam obter a cumplicidade de autoridades públicas.

O fato aqui referido não é mera hipótese ou especulação sobre ameaça futura ou imaginária. Em Peruíbe, no litoral do Estado de São Paulo, uma grande empresa tenta expulsar os índios de suas terras, onde a comunidade vive tradicionalmente, para implantar um mega-empreendimento, um porto de cargas com capacidade para receber navios de grande porte. Se concretizar seu projeto a empresa irá, inevitavelmente, destruir uma parte da Mata Atlântica, dizimando plantas e animais, abrindo espaço para a chegada de navios que irão emporcalhar o ar e a água, tornando sujas e altamente poluídas as belas praias da região, que hoje são procuradas por turistas brasileiros e estrangeiros.

Se for admitida a implantação desse projeto, que os donos esperam que resulte numa atividade altamente lucrativa, os lucros serão certos mas também serão certíssimas a desmoralização do sistema jurídico brasileiro e a degradação da imagem do Brasil como país civilizado.

Do ponto de vista jurídico, basta lembrar que a Constituição brasileira diz expressa e claramente, no artigo 231, que são reconhecidos aos índios ” direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Esses direitos, nos termos do parágrafo 4 do mesmo artigo, são imprescritíveis e as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis. É sobejamente conhecida a existência, muito antiga, dos índios naquela área, que já foi delimitada em 2002, estando em fase final o processo de demarcação.

Não há qualquer dúvida de que os direitos dos índios já existem, por força das disposições constitucionais, não dependendo da demarcação, que só tem por objetivo determinar os limites precisos de cada pedaço da ocupação indígena. E como as terras indígenas pertencem ao patrimônio da União, sendo inalienáveis e indisponíveis, se a empresa interessada no desastroso projeto tiver adquirido a área de algum vendedor sem escrúpulos terá feito um péssimo negócio, pois comprou de quem não era dono e, pior ainda, para implantação de um projeto que a legislação brasileira não permite.

Chega agora a notícia de que, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal, um juiz federal concedeu liminar, determinando a interrupção das atividades ligadas à implantação do projeto. Assim procedendo, o Ministério Público e o Poder Judiciário agiram com sólido fundamento jurídico e deram uma eloqüente demonstração de que acima dos interesses econômicos, farão prevalecer, com independência e firmeza, a autoridade da Constituição, a preservação dos bens essenciais do povo brasileiro e os direitos dos índios e de suas comunidades.

Artigo originalmente publicado pela Gazeta Mercantil, 01/04/2008

Nota do EcoDebate

Para acessar a matéria citada pelo autor [Juiz trava projeto de porto em área indígena de Peruíbe (SP). Empresa diz que propôs realocar índios de Peruíbe para Itanhaém (SP)] clique AQUI