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273 mil acidentes no trabalho infantil. Um terço das crianças e jovens tem jornada de adulto: 40 horas semanais

Crianças são mais vulneráveis a doenças e ferimentos. Há 5,1 milhões trabalhando – Pela primeira vez, o Brasil teve conhecimento de um dado dos mais preocupantes sobre o trabalho infantil no Brasil: 273 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos sofreram acidentes ou doenças causadas pelo trabalho em 2006. A informação foi divulgada ontem pelo IBGE, ao traçar uma radiografia das características do trabalho infantil no Brasil. Ao todo, há 5,1 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos trabalhando. Matéria de Cássia Almeida e Letícia Lins RIO e POMBOS (PE), para O Globo, 29/03/2008.

Na faixa etária de 5 a 13 anos, na qual o trabalho de qualquer espécie é ilegal, pois nessa idade a criança sequer pode ser aprendiz, há 1,4 milhão no mercado de trabalho.

O número de acidentes com crianças impressiona quando comparado com o dos adultos: foram 404 mil acidentados num universo de mais de 20 milhões de profissionais com carteira assinada em 2006.

— Nossas crianças estão correndo perigo. A sociedade e o Estado precisam reagir de forma imediata.

As lesões físicas e psíquicas são irreversíveis nessas crianças. Esse número é escandaloso — afirmou Renato Mendes, coordenador de projetos da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

37% das crianças se feriram 2 vezes

Segundo a médica Élida Hennington, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, as crianças estão mais expostas ao risco.

— Além dos acidentes, elas sofrem com doenças osteomusculares, já que os instrumentos de trabalho não foram feitos para crianças.

Quanto mais cedo começar a trabalhar, pior será seu estado de saúde na fase adulta. E a jornada e os trabalhos acabam sendo os piores para as crianças.

Em Pombos, Pernambuco, apesar dos programas sociais do governo — como o Bolsa Família — não é difícil encontrar crianças manipulando facas para descascar mandiocas que abastecem as casas de farinha. Mas, à chegada de estranhos, as crianças correm e se escondem, seguindo orientação dos pais ou de proprietários dessas pequenas indústrias. Temem a fiscalização trabalhista.

Não são poucas as crianças que sofrem acidentes nessa atividade, muito comum nos sítios de Pombos, a 70 quilômetros da capital. É o caso de Oesmenson Nascimento da Silva, o Tiririca, de 13 anos. Ele começou a descascar mandioca aos cinco anos para ajudar a família: pai, mãe e nove irmãos. Mas um acidente o tirou do trabalho: quase perdeu parte do dedo indicador num corte que infeccionou.

— Muita gente já se cortou por aqui. Pegava na faca sem medo, começava às sete da manhã e terminava meio dia. Um dia a faca escapuliu e levei um corte horrível.

Perdi sangue, precisei de ponto, mas fui no hospital costurar. Passou uns 15 dias doendo. Depois ficou bom.

Mas não tive mais coragem de voltar a cortar mandioca. Agora, trabalho de vez em quando em roçado — contou o menino, enquanto brincava de bola com um amigo.

Atualmente, Oesmenson estuda e a mãe recebe ajuda do Bolsa-Família referente a dois dos seus irmãos.

Enquanto Oesmenson deixou de se arriscar na atividade após o primeiro acidente, o mesmo não ocorre com outros meninos e meninas. O IBGE constatou que 37% das crianças e adolescentes sofreram mais de uma lesão em 2006. São 101 mil crianças que se acidentaram ou adoeceram mais de uma vez. E os ferimentos e doenças têm gravidade: 47,4% delas precisaram de atendimento médico.

— E, nos serviços médicos, fica difícil caracterizar a relação do acidente com trabalho quando se trata de crianças — disse Élida.

O acidente causou o afastamento do trabalho de mais da metade das crianças de 5 a 17 anos, numa outra prova da gravidade dos ferimentos.

— O Brasil precisa urgentemente atacar as piores formas de trabalho infantil, pois corre o risco de não cumprir a meta de erradicá-las até 2015, num pacto assinado em 2007.

E houve corte de 8,78% exatamente no orçamento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) — disse Mendes, da OIT.

Atividade agrícola oferece mais riscos

Pelos dados do IBGE, a maior incidência de acidentes é no trabalho agrícola, entre os meninos e na faixa etária de 14 a 17 anos. O Maranhão é o estado que mais registrou acidentes: foram 40 mil feridos, com 12,2% da população infantil trabalhadora acidentada em 2006.

— A tendência que mostra uma pequena redução no trabalho infantil não nos satisfaz de modo algum — afirmou Ana Lígia Gomes, secretária Nacional de Assistência Social, em referência ao recuo, de 5,4 milhões para 5,1 milhões, no número de crianças trabalhando entre 2005 e 2006.

Um terço das crianças e jovens tem jornada de adulto: 40 horas semanais
Carga horária é pesada para 1,45 milhão de brasileiros entre 5 e 17 anos. Por Cássia Almeida

Engana-se quem acha que o trabalho infantil absorve pouco tempo de crianças e adolescentes.

A pesquisa divulgada ontem pelo IBGE constatou que 28,6% deles, ou 1,45 milhão de brasileiros entre 5 e 17 anos, trabalham 40 horas ou mais por semana. O que significa que quase um terço desses trabalhadores cumpre uma jornada de adulto. No Brasil, a carga horária média cumprida pelas crianças e jovens é de 26,8 horas semanais: cerca de quatro horas e meia de trabalho por dia numa semana de seis dias.

Jéssica Araújo de Oliveira, de 17 anos, começou a trabalhar por necessidade, depois que sua mãe ficou desempregada.

Aos 16 anos, Jéssica foi trabalhar com cobrança de empréstimos no escritório de um amigo, e hoje está no segundo emprego, como atendente de telemarketing. Cumpre uma carga horária de seis horas por dia e não raro trabalha aos fins de semana. Há menos de um ano no emprego, Jéssica tomou gosto pela coisa.

— Não abandono o emprego nem se minha mãe voltar a trabalhar — disse.

Jovem concilia trabalho, afazeres domésticos e estudo A jovem recebe R$ 350 e valetransporte.

Ela reserva parte do salário, em média R$ 100 por mês, para ajudar nas despesas da casa. O restante do salário Jéssica gasta consigo mesma.

— Gasto com roupas e cabelo.

Também gosto muito de sair com minhas amigas. Se pudesse, sairia todos os dias — conta a jovem.

Além do trabalho, Jéssica também ajuda nas tarefas domésticas, atividade que lhe consome sete horas por semana.

A noite é reservada para os estudos: ela cursa o primeiro ano do ensino médio.

— Não falto porque me amarro em ir para a escola, mas às vezes me atraso.

Jornada é menor na atividade agrícola O tempo dedicado ao trabalho é maior na Região Sudeste (29,5 horas) e no CentroOeste (29,3 horas).

— Sabemos que muitas crianças têm jornadas longas e muitas fazem trabalho noturno e com exposição ao risco — afirma a pesquisadora Élida Hennington, da Fundação Oswaldo Cruz.

A atividade não-agrícola ocupa um tempo maior das crianças no trabalho. Segundo a pesquisa, na faixa entre 10 e 17 anos, são 40,8 horas em média por semana. Na agricultura, são 33,3 horas.