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Notícia

Fabricante de cigarro paga estudo sobre câncer de pulmão com resultados otimistas

Conflito de interesses – Em outubro de 2006, Claudia Henschke, da Escola de Medicina de Weill Cornell, causou surpresa entre os especialistas em câncer ao divulgar um estudo segundo o qual 80% das mortes por tumores no pulmão poderiam ser prevenidas pela popularização dos exames de tomografia computadorizada. Por Gardiner Harris, do New York Times, publicado pelo O Globo, 27/03/2008.

Em letras pequenas, no fim do artigo publicado na “New England Journal of Medicine”, ela informava que o estudo tinha sido parcialmente financiado por uma pouco conhecida instituição de caridade chamada Fundação para o Câncer de Pulmão: Detecção Precoce, Prevenção e Tratamento.

Uma análise dos registros de impostos feito pelo “New York Times” revelou que a fundação foi quase que totalmente subvencionada por doações no valor de US$ 3,6 milhões feitas pela principal empresa do grupo Liggett, fabricante de cigarros, a Vector. A fundação recebeu quatro doações da empresa entre 2000 e 2003. Jeffrey M. Drazen, editor-chefe da revista médica, se disse surpreso: — Nos sete anos em que estou aqui, nunca publicamos nada financiado por um fabricante de cigarro com prévio conhecimento disso.

Pesquisadores eram também da fundação

Um número cada vez maior de universidades não aceita doações de fabricantes de cigarros, e a conscientização crescente sobre a influência que empresas podem exercer sobre o resultado de pesquisas levou praticamente todas as publicações médicas e associações a exigirem dos pesquisadores uma discriminação acurada de suas fontes financiadoras. No caso, Claudia Henschke era a presidente da fundação e seu colaborador, David Yankelevitz, o secretário-tesoureiro. Antonio Gotto e Arthur J. Mahon, da direção da universidade, eram diretores.

A Vector divulgou um comunicado para a imprensa em dezembro de 2000, dizendo que pretendia doar US$ 2,4 milhões para a Weill Cornell para financiar a pesquisa de Claudia. Reportagens publicadas na “Business Week” e no “USA Today” mencionavam a doação. Mas não houve nenhuma menção à fundação, criada tão às pressas que seu imposto de 2000 foi devolvido com o carimbo “ainda não organizada”. Paul Ciminiti, porta-voz da Vector, confirmou que a empresa doou US$ 3,6 milhões à fundação ao longo de três anos. A empresa, ele disse, “não tem controle ou influência sobre as pesquisas”.

Proeminentes pesquisadores de câncer e editores de revistas médicas se disseram chocados com a ligação de Claudia Henschke com a Liggett. Fabricantes de cigarros são tão malvistos por associações de câncer e pesquisadores que qualquer associação com a indústria pode comprometer cientistas e impedir seu trabalho de ser publicado.

— Se você está usando um dinheiro sujo de sangue, é preciso dizer isso às pessoas — afirmou Otis Brawley, da Sociedade Americana do Câncer.

A sociedade doou mais de US$ 100 mil à Claudia, entre 2004 e 2007, dinheiro que jamais teria sido entregue, segundo Brawley, se a ligação com a Liggett fosse de conhecimento público.

Numa mensagem por e-mail, Claudia Henschke e Yankelevitz escreveram: “Parece claro que vocês estão tentando sugerir que a Cornell tentava ocultar a doação, o que é inteiramente falso. A doação foi anunciada publicamente.” Eles afirmaram ainda que a doação da Vector financiou somente uma pequena parte da pesquisa e acrescentaram que a fundação não recebe mais verbas da indústria do tabaco.

No comunicado à imprensa da Vector, a médica é citada, agradecendo à doação que, segundo o texto, representou “o financiamento inicial necessário para apoiar essa importante pesquisa e levantamento de dados sobre a eficácia da tomografia”.

Objetivo seria mascarar origem do dinheiro

Jerome Kassirer, ex-editor da “New England Journal of Medicine” e autor de um livro sobre conflito de interesses, disse acreditar que a universidade criou a fundação para ocultar o recebimento de dinheiro da indústria do tabaco.

— A gente precisa se fazer a seguinte pergunta: “Por que a indústria do tabaco quis financiar essa pesquisa”? — afirmou Kassirer.

— Eles queriam mostrar que o câncer de pulmão não é tão grave como todos pensam porque a tomografia poderia salvar as pessoas.

Isso é ultrajante.

Embora o estudo de Claudia tenha sido considerado controverso entre os cientistas, ele foi bem aceito por muitas organizações de câncer de pulmão, que conseguiram aprovar leis em Califórnia, Nova York e Massachusetts para a criação de fundos de financiamento para tomografias para detecção precoce da doença. Em Nova York, foi criado um fundo de US$ 10 milhões para tomografias. Uma revisão dessas leis deverá ser proposta em breve, segundo especialistas.