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Obras defendidas pelo governo podem dificultar tentativas de controlar o desmatamento

Dilema – Rodovias agravam problemas sociais. Segundo o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), a pavimentação da BR-163 é necessária para o escoamento de produção e para atender às necessidades das populações vizinhas, além de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da região. Por Antônio José Soares, do Diário do Pará, PA, 24/03/2008.

Para o governo, as rodovias federais que rasgam a floresta amazônica são tão importantes que as incluiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas há quem se oponha a essas obras, alegando que causam grandes impactos sociais e ambientais na Amazônia e podem dificultar as tentativas de controlar o desmatamento.

É o caso do pesquisador Philip Fearnside, do Departamento de Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), sediado em Manaus (AM). Ele é uma das maiores autoridades mundiais em questões ambientais, com mais de 20 anos de experiência na região e centenas de trabalhos publicados.

Fearnside assumiu essa posição ao participar, na semana passada, do seminário ‘Ferrovia e BR-319 – Um debate necessário e urgente para o Amazonas’, organizado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam) e pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas. O evento contou com a participação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do governador Eduardo Braga, entre outros convidados.

Fearnside foca suas observações nas rodovias federais, Brs 230 (Transamazônica), 163 (Santarém – Cuiabá) e 319 (Manaus – Porto Velho (RO)).

A Transamazônica foi aberta a partir 1970 com o objetivo de ocupar e colonizar a Amazônia, dentro da concepção do regime militar de integrar para não entregar. A BR-163, também inspirada na geopolítica dos militares, será utilizada principalmente para o escoamento da produção de soja do Centro-Oeste pelos portos de Santarém e Miritituba (Itaituba).

Todos os anos, no período chuvoso, a BR-163 fica intransitável no trecho paraense, de cerca de 600 quilômetros. A mais polêmica, entretanto, é a BR-319, abandonada há mais de 20 anos. A obra de pavimentação representaria na prática uma reabertura da estrada, segundo o pesquisador.

Fearnside considera que as estradas permitem abertura de áreas amazônicas ainda inacessíveis hoje e promovem uma migração dos focos de desmatamento. “Muitas regiões não estão preparadas para esse tipo de empreendimento. O desmatamento se espalhará por estradas laterais, de acesso, sem controle nenhum”, explica.

Para ele, a pavimentação dessas rodovias implicará, além de desmatamento, em grilagem, problemas sociais e conflito pela posse da terra, numa região ainda livre desse tipo de problema.

Fearnside assegura que a rodovia pode ampliar os problemas urbanos em Manaus, a cidade mais rica da região Norte e a terceira no país em renda per capita. Com a pavimentação da BR-319, que já está em andamento, segundo ele, Manaus pode passar por processo de inchaço demográfico insustentável.

Isso também ocorrerá com Porto Velho em função da construção das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Porém, de forma temporária. “Com as novas usinas, mais de 100 mil pessoas chegarão a Porto Velho. Ao término da obra, a cidade não terá como acolher essa população. Se a rodovia estiver pavimentada, toda essa população vai para Manaus, ao invés de se espalhar novamente pela região”, explica.

Fearnside pode ter razão apenas em parte. Hoje, inexiste ligação rodoviária entre Manaus e o Oeste do Pará. No entanto, nos últimos 10 anos, pelo menos meio milhão de paraenses migrou para a capital amazonense, incluindo o próprio governador Eduardo Braga e o deputado Cinésio Campos, candidato a prefeito de Manaus.

Isso se explica pelo histórico abandono do oeste paraense pelos governos anteriores – só agora a governadora Ana Júlia Carepa fala em integrar a região, para evitar que triunfe o sentimento separatista -, e pela melhor qualificação da mão-de-obra, decorrente da chegada de inúmeras faculdades estatais e privadas a Santarém. Os profissionais formados no Pará foram para a Zona Franca em busca de oportunidade, já que Manaus também carece deles.

Ferrovia seria um pouco melhor

Fearnside aponta alternativas mais rentáveis e de menor impacto socioambiental na Amazônia que a construção de estradas, no seu ponto de vista. “A justificativa que estão dando à pavimentação da BR-319 é a necessidade de transportar os produtos da Zona Franca de Manaus até São Paulo. Entretanto, esse transporte pode ser feito por navio, em container, gastando menos energia, emitindo menos gases de efeito estufa e com menor custo”, diz. Ele também vê problemas na proposta de substituição da BR-319 por uma ferrovia, apesar de entender que é uma opção preferível às estradas. “A ferrovia é melhor que a rodovia, mas não evitaria o desmatamento. A estrada de ferro Carajás, por exemplo, foi implantada em 1984 e hoje o centro do Pará está completamente desmatado”, avalia.

De acordo com o pesquisador, a rodovia é mais um discurso político, sem fundamento na economia real. “A situação é política, promovida pelo ministro de Transportes, Alfredo Pereira do Nascimento, ex-prefeito de Manaus. Economicamente, é mais cara que a construção ou expansão do porto de Manaus e ainda vai ampliar os focos de desmatamento”, conclui.

A BR-319 encontra-se em processo de elaboração do EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) para a construção de ponte sobre o rio Madeira e pavimentação do trecho que vai do km 250 ao 255. Apesar disso, a pavimentação já está em andamento. (AJS)

Lama toma conta das Brs 163 e 230

Quem vive e trabalha nas rodovias BR-230 (Transamazônica) e BR-163 (Santarém-Cuiabá) tende a não aceitar as teses do pesquisador inglês do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas, Philip Fearnside, sobre os malefícios decorrentes da abertura e pavimentação das grandes rodovias federais na região. Essas obras estão previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E, para quem vive e trabalha seja na BR-230, seja na BR-163, a pavimentação dessas estradas é a materializaçao de um sonho de mais de 30 anos. Até porque, nessa época do ano, ambas se transformam em lamaçal e atoleiro, impondo um sofrimento sem fim a seus usuários e isolamento aos seus quase um milhão e meio de habitantes.

Recentemente, uma equipe do portal EcoAmazônia percorreu de carro 800 quilômetros das duas rodovias, entre os municípios de Santarém, Belterra, Rurópolis, Placas e Uruará. O resultado está disponibilizado na internet. “No percurso, noites inteiras em atoleiros e uma visão real da vida das pessoas que insistem em morar no entorno das rodovias abertas na década de 70 e abandonadas por sucessivos governos”, narra o repórter Paulo Leandro Leal.

Ele diz que durante quatro dias de viagem, deparou com quatro pontes caindo, uma delas na Transamazônica, próxima a Uruará, sem condições de tráfego. Os moradores, revoltados, atearam fogo no que restou dessa ponte para evitar uma tragédia. (AJS)