EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Antidepressivos funcionam bem apenas em casos graves de depressão

Pesquisadores da Universidade de Hull (Inglaterra) analisaram estudos clínicos de quatro conhecidos medicamentos contra a depressão: Fluoxetina, Venlaxetina, Nefazodona e Paroxetina para verificar sua eficácia perante placebos – comprimidos feitos com substâncias inertes, sem princípio ativo. A combinação dos resultados dos testes mostrou que somente em casos de depressão severa é que os antidepressivos se saíram melhor que os comprimidos de mentira. O estudo foi publicado na versão eletrônica do jornal Public Library of Science (PLoS) Medicine. Por Luiz Juttel, 20/03/2008, da ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, SBPC/LABJOR.

Além de repercutir na mídia, essa pesquisa também eclodiu fortemente na comunidade médica inglesa. Dias depois da publicação do estudo liderado por Irving Kirsch, o jornal britânico The Independent divulgou uma matéria na qual líderes da comunidade médica do país acusaram as indústrias farmacêuticas de não publicar resultados negativos sobre a eficácia das possíveis novas drogas. Segundo os médicos, tais testes são retidos pelas empresas para evitar perda de lucros. Só na Inglaterra estima-se que 3,5 milhões de pessoas consumam antidepressivos que, segundo o jornal, além de ingerir algo de eficácia duvidosa, colocam a saúde em risco.

A polêmica sobre a falta de ética das indústrias farmacêuticas chegou a um dos mais prestigiados periódicos científicos do mundo, a revista {Science}. No último dia 7 o artigo intitulado “Moving Toward Transparency of Clinical Trials” cobrou uma mudança na atual política de publicação de testes com novos medicamentos que envolvem pessoas voluntárias, nos chamados clinical trials, testes clínicos em inglês. Depois de alguns escândalos envolvendo esses testes nos últimos meses, o artigo diz que é preciso maior transparência e facilidade de acesso aos seus resultados.

Estimativas da OMS apontam que 5 a 10% da população mundial sofre de depressão. Fonte: Munch Museum

Segundo Mariano Janiszewski, diretor médico da Eli Lilly do Brasil (fabricante da Fluoxetina – conhecida comercialmente como Prozac), a empresa para a qual trabalha possui uma política de transparência total quanto à publicação de testes clínicos com novos medicamentos. “A Lilly não esconde informação alguma sobre os seus testes clínicos. O que não é publicado em periódicos especializados vai parar em um site na internet específico a esse fim”. No endereço eletrônico citado por Janiszewski é possível encontrar, entre outras coisas, todos os testes realizados pela empresa com a Fluoxetina, um dos quatro antidepressivos analisados pela pesquisa inglesa.

“Além disso, só pedimos a aprovação para venda de um novo medicamento às agências regulamentadoras quando este já passou por todos os testes de produção, segurança e eficácia da molécula. Tal processo pode levar até uma década. Em média, de cada 10 mil moléculas estudadas, apenas uma chega a esse estágio”, afirma Janiszewski.

Já o professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas, Cláudio Banzato, comenta que “há muito tempo se discute entre os médicos a questão da não publicação de testes clínicos com novas substâncias. A questão é complexa e não se restringe a possível má fé das indústrias”. Outros fatores podem fazer com que um teste clínico não seja publicado. Um deles “seria a linha editorial dos jornais médicos que dão certa preferência a testes com resultados positivos.

Outro motivo é o próprio pesquisador que ao constatar que uma substância com perspectiva de cura não atinge o resultado esperado fica frustrado e decide não remeter a pesquisa à publicação”, completa o psiquiatra.

A eficácia dos antidepressivos

Uma questão chave, porém, ainda se encontra sem resposta. Os antidepressivos funcionam? A depressão pode ser curada apenas com o uso de medicamentos que restauram certos aspectos químicos no cérebro do paciente ou outros fatores ambientais precisam ser levados em consideração no tratamento dessa doença?

Para os médicos de Universidade de Hull, além dos antidepressivos só serem eficazes em pacientes com alto grau da doença, eles aconselham a prescrição destes medicamentos somente depois que outras terapias convencionais se mostrarem ineficazes.

A Lilly se defende dizendo que as decisões médicas não se baseiam em estudos únicos e que em qualquer tipo de ciência, não só na médica, é normal haver conflitos de resultados. “A medicina avança através da pesquisa baseada em corpo de evidências. Não é devido a uma pesquisa que mostre resultados negativos sobre certo medicamento que todos os demais estudos com resultados divergentes e positivos serão desconsiderados”, diz Janiszewski.

Para o diretor da Lilly, cada geração de antidepressivo tem uma certa característica de ação. “O que define a prescrição de cada tipo de medicamento é a análise clínica, a relação médico-paciente”. O psiquiatra da Unicamp, Cláudio Banzato, concorda de certo modo com a opinião de Janiszewski. “Trabalho há 20 anos com psiquiatria e desde o início da minha carreira prescrevo antidepressivos. A contribuição desses remédios no tratamento da depressão é um fato. Entretanto, o que a pesquisa inglesa traz agora é algo que a rotina clínica nos mostra diariamente: os antidepressivos possuem maior eficácia em pacientes graves”.

Uma coisa que precisa ser salientada sobre a pesquisa publicada no PLoS é que a eficácia dos antidepressivos analisados não diminuiu ou aumentou de acordo com a gravidade da depressão do paciente em teste. A eficácia do placebo é que diminuiu nos pacientes mais deprimidos. Banzato diz que “não se sabe bem o porquê, mas é comum na literatura ver pacientes com depressão reagirem bem ao placebo.” O próprio editor do PLoS, Phillipa Hay, comenta que o modo como pacientes deprimidos reagem aos antidepressivos e ao placebo precisa ser melhor investigado.

http://www.labjor.unicamp.br/midiaciencia/IMG/jpg/Figura_2_.jpg
Gráfico mostra a resposta ao remédio e ao placebo de acordo com a severidade da depressão. Fonte – Kirsch et. al (2008).

Quanto à repercussão internacional da pesquisa inglesa, Janiszewski diz que isto é algo natural. “Você pensa em todas aquelas pessoas que sofrem de depressão e consomem antidepressivos que, de repente, abrem um dia o jornal e vêem um cientista dizendo que aquilo que as ajudam a ficar bem não serve para nada. Tal notícia irá, sem dúvida, repercutir”. No entanto, ele arremata: “é possível alguém hoje em dia dizer que a insulina não surte efeito no paciente diabético? Com certeza não. A diferença entre a insulina e os antidepressivos é que ela existe desde 1930”. A questão em aberto agora é se o futuro realmente reserva tal sorte aos reestabelecedores de humor.

Leia mais:

Antidepressivo não normaliza humor (de 10/10/2007)