EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Um jovem deixa a escola a cada dois minutos

Com 800 mil crianças fora da sala de aula e um caso de evasão escolar a cada dois minutos, o Brasil tem a difícil missão de cumprir, até 2022, as metas do movimento Todos pela Educação. A partir de hoje, série de reportagens mostra as deficiências e aponta soluções para o sistema educacional. Por Paloma Oliveto, do Correio Braziliense, 16/03/2008.

Todos pela educação
Toda criança de 4 a 17 anos esteja na escola
Toda criança de até 8 anos esteja plenamente alfabetizada
Todo aluno tenha aprendizado adequado à sua série
Todo jovem tenha concluído o ensino médio até os 19 anos
O investimento em educação seja ampliado e bem gerido

Daqui a 14 anos, Woliver dos Santos e Walisson Rodrigues deverão concluir o último período do ensino fundamental. Com domínio dos conteúdos aprendidos ao longo da vida escolar, estarão prontos para enfrentar o ciclo médio e, depois, cursar uma faculdade. Woliver tem 7 meses; Walisson, 6. O primeiro mora em uma casa humilde no povoado da Fercal, a 15km de Sobradinho. Os pais estudaram pouco e sobrevivem com um salário mínimo por mês, dividido entre o casal e os três filhos pequenos. “Ele tem que estudar para ser alguém na vida e não ser bobo igual eu (sic)”, afirma a mãe de Woliver, Síntia, 21 anos, longe da escola desde a 5ª série do ensino fundamental.

Do jeito que a educação pública está, hoje, Síntia não sabe se o menino conseguirá se formar um dia. “Acho que com 14 anos ele vai estar trabalhando”, palpita. “Os professores faltam a muita aula, é difícil imaginar ele formado”, diz Débora da Silva, 19 anos, mãe de Walisson. Ela vive com a família em um barraco de madeirite de um cômodo, construído em uma invasão em Ceilândia, a 30km do Palácio do Planalto.

O país, porém, tem um compromisso com Woliver, Wallison e os demais 66,2 milhões de crianças e jovens brasileiros de até 19 anos. Lançado em setembro de 2006, o movimento Todos pela Educação (TPE), que a partir deste ano começará a ser colocado em prática, envolve a sociedade civil no cumprimento de cinco metas que devem ser alcançadas até 2022, bicentenário da Independência. Elas são um resumo do que o Brasil precisa fazer para garantir a qualidade e a boa gestão do ensino.

Apoiado por empresários, educadores e organizações não-governamentais, o compromisso conseguiu a adesão dos governos de Sergipe, Piauí, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins e Distrito Federal. Para este ano, está prevista a inclusão de mais 10 estados. De acordo com Mozart Neves Ramos, ex-secretário de Educação de Pernambuco e atual presidente do movimento, ao participar do TPE, os gestores públicos identificam quais os principais problemas da rede de ensino e recebem orientações técnicas para superá-los.

No Piauí, por exemplo, a partir dos indicadores educacionais, o secretário de Educação, Antônio José Medeiros, apontou que o maior desafio da área é a melhoria da qualidade do ensino de português e matemática da 1ª à 4ª séries. Já em Sergipe, o foco é na gestão escolar. “A identificação das deficiências é o primeiro passo para o cumprimento das metas”, explica Ramos.

Ao apresentar o Plano de Desenvolvimento da Educação, também em 2006, o Ministério da Educação (MEC) lançou um compromisso nos mesmos moldes. Voluntariamente, prefeitos e governadores assinam um termo no qual asseguram o cumprimento do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, que, além do nome, tem em comum com o movimento da sociedade civil a busca pela melhoria do ensino. “Hoje nós temos formalizadas 5.213 prefeituras que aderiram às diretrizes e às metas, e 26 governadores, faltando apenas marcar a data para que São Paulo adira. O que significa dizer que nós conseguimos uma pactuação nacional em torno do que é o grande desafio brasileiro”, comemora o ministro da Educação, Fernando Haddad, em entrevista ao Correio (leia mais na página 13).

A tarefa, porém, não será fácil. Dados levantados pela equipe técnica do movimento TPE dão idéia do tamanho do desafio. Cerca de 800 mil brasileiros de 7 a 14 anos ainda não têm acesso à escola; a cada dois minutos, um estudante de 15 a 19 anos abandona o colégio; menos de 5% das crianças da 5ª série do ensino fundamental estão plenamente alfabetizadas, nove em cada 10 alunos da 8ª série não sabem que 9 equivale a 90% de 10. Enquanto isso, o Brasil aplica metade da verba investida pelo México na educação fundamental, e cinco vezes menos que a Coréia do Sul.

De hoje a quinta-feira, o Correio publica uma série sobre as cinco metas do TPE. Especialistas, educadores, pais e estudantes comentam as principais deficiências da educação e apontam as soluções para a área.

A primeira meta do movimento Todos pela Educação (TPE) e do compromisso de mesmo nome assumido por governos municipais e estaduais com o Ministério da Educação (MEC) estabelece que, até 2022, todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estejam matriculados na escola. Hoje, esse percentual é de 88,9%. Em 1995, era de 77,9%. De acordo com os técnicos do movimento TPE, o salto no acesso ao ensino se deu, principalmente, por políticas inclusivas como o Bolsa Escola e Bolsa Família (a partir de 2003) e a aprovação automática. Para atingir a meta, o Brasil terá de crescer mais 10 pontos percentuais nos próximos 14 anos.

As diferenças culturais e sociais entre regiões e estados têm reflexo na taxa de atendimento educacional: o Norte, cujo índice de matrículas passou de 80,5%, em 1995, para 86,8%, em 2005, é a região que menos avançou durante o período. Rondônia é a unidade da Federação com a menor taxa de estudantes nessa faixa etária matriculados: 84,4%. “A Região Norte apresenta as maiores dificuldades na cobertura, tanto com relação a inclusão quanto à permanência dos alunos. Muitas crianças vivem em áreas isoladas, precisam atravessar florestas, rios, pegar barcos para ir ao colégio”, observa Maria Auxiliadora Seabra Rezende, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

De acordo com Mozart Neves Ramos, presidente-executivo do movimento TPE, as diferenças regionais são um desafio extra. “Se tivéssemos um país com uma situação igual, precisaríamos de uma receita só para resolver o problema. Mas não há receita única.” Por isso, ele ressalta a importância de cada gestor público identificar as deficiências locais na busca pela melhoria educacional.

Segundo a Comissão Técnica do TPE, é preciso investir mais no atendimento de crianças de 4 a 5 anos e jovens de 15 a 17, pois, de 1995 a 2005, não houve diferenças significativas no acesso à escola nas faixas de 6 a 14 anos. “Por um lado, é preciso ampliar a oferta e facilitar o acesso ao ensino infantil para as crianças. Por outro, é necessário combater a evasão escolar entre os jovens, por meio da melhoria da qualidade da educação, da redução do atraso escolar e de outras políticas que estimulem a inserção desse grupo no ensino médio”, aponta o movimento, em nota técnica.

Núria Cristina Ferreira, moradora de Queima Lençol, comunidade de Sobradinho II, faz parte das estatísticas dos jovens que abandonam a escola sem concluir nenhum ciclo educacional. Ela largou os estudos aos 13 anos, quando cursava a 5ª série do ensino fundamental. Depois de ser reprovada, ficou desanimada e desistiu. “Dá uma tristeza muito grande ter de estudar tudo de novo, com as crianças que acabaram de sair da 4ª série”, diz.

Logo depois, a jovem engravidou. Às vezes, pensa em cursar o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) à noite, mas acredita que não vai longe. “Quando eu era menor, dizia que ia trabalhar de secretária. Desisti, já perdi as esperanças”, conta Núria, que tem apenas 15 anos. Ela diz que nunca teve aulas profissionalizantes. “Na escola que eu estudava não tinha nem computador. No colégio, deviam preparar a gente para o trabalho”, acredita.