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Post-mortem da Conferência de Bali, artigo de José Goldemberg

[O Estado de S.Paulo] Avaliar eventos históricos logo após a sua ocorrência apresenta grandes riscos, ou exagerar sua importância ou não reconhecê-la. Nada melhor para ilustrar esses riscos do que a resposta que Mao Tsé-tung deu a Henry Kissinger, secretário de Estado do presidente Richard Nixon, por ocasião de sua histórica visita a Beijing na década de 1970. Quando perguntado a respeito de sua opinião sobre o impacto da Revolução Francesa, de 1789, no mundo, a resposta de Mao Tsé-tung, apoiado em 4 mil anos de História, foi a de que para os chineses ainda era cedo para avaliar esses impactos.

Por essa razão, avaliar os resultados da Conferência de Bali – que em dezembro de 2007 reuniu todos os países signatários da Convenção do Clima firmada no Rio de Janeiro em 1992 – tem grandes riscos.

Essa reunião era particularmente importante porque marcou os 15 anos da Conferência do Rio e 10 anos do Protocolo de Kyoto, que é o único instrumento efetivo em vigor para reduzir as emissões dos gases que estão provocando o aquecimento global e as mudanças climáticas. Esse protocolo, adotado em 1997, se encerra em 2012, havendo, portanto, pouco tempo para adotar um substituto ou prorrogá-lo, considerando a lentidão das negociações internacionais, que envolvem mais de 180 países.

Bali produziu um resultado positivo, que foi o compromisso dos países em desenvolvimento de negociar medidas nacionais voluntárias que levem a reduções “mensuráveis, relatáveis e verificáveis” das suas emissões. Não é pouca coisa, considerando que o Protocolo de Kyoto isentou os países em desenvolvimento de compromissos com a redução de emissões, tendo em vista que poderia comprometer o seu desenvolvimento econômico – e essa foi a razão usada pelos Estados Unidos para não ratificá-lo.

Esse compromisso levou os Estados Unidos a permanecerem à mesa das negociações e, no fundo, abriu um caminho para uma saída honrosa para o seu próximo presidente, que poderá agora aderir ao novo acordo geral para reduções que deverá vigorar após 2012, quando se encerra o Protocolo de Kyoto. Sem ele, provavelmente, os Estados Unidos abandonariam as negociações e a Conferência de Bali fracassaria completamente.

O trabalho a ser feito daqui para a frente é o de definir as “metas nacionais” de cada país, que poderão ser diferentes em cada um deles. Nesse sentido, a Conferência de Bali foi mais flexível e criativa do que a Conferência de Kyoto, que adotou um processo muito simplificado de exigir que todos os países industrializados reduzissem suas emissões em pelo menos 5% em relação (portanto, abaixo) ao nível de 1990, até 2012. Em retrospecto, pode-se dizer que essa decisão foi política, feita sem fundamento técnico suficiente e até ingênua. Cada país tem peculiaridades que lhes permitem fazer mais ou menos, e a impressão que se tem é que a redução de 5% para todos (com algumas exceções) foi adotada para atender às pressões dos ambientalistas, sem um compromisso sério de cumpri-la, como de fato aconteceu na maioria dos países. Os que não pudessem fazê-lo poderiam “trocar emissões”, uma vez que é mais fácil fazer reduções em alguns países do que em outros. A União Européia tem usado esse processo entre seus membros.

Além disso foi criado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que permite a um país industrializado se beneficiar de investimentos feitos em países em desenvolvimento que redundem em reduções das emissões. Esse mecanismo leva também à transferência de tecnologia. Os resultados até agora têm sido modestos em termos de reduções de emissões.

O Protocolo de Kyoto, na realidade, foi uma tentativa de criar uma “governança internacional” para a redução das emissões, a exemplo do que foi feito – com sucesso – no Protocolo de Montreal para reduzir e até eliminar o uso de gases que destroem a camada de ozônio, que nos protege da radiação solar.

Essa tentativa não teve muito sucesso devido à oposição dos Estados Unidos, que se têm recusado a aceitar regras de “governança internacional” em geral e têm argumentado que cabe a cada país fazer a sua parte – estratégia esta que fracassou, não só porque suas emissões aumentaram muito desde 1997, como também aumentaram as da China, que são hoje comparáveis às dos Estados Unidos.

Após a Conferência de Bali, o jogo recomeçou com regras melhores. Cada país terá de dizer o que pretende fazer, apresentar uma proposta preliminar até dezembro deste ano de 2008 e uma proposta formal a ser negociada e adotada até dezembro de 2009, quando ocorrerá a 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima, em Copenhague (Dinamarca).

Os co-presidentes do grupo de trabalho que conduzirá as negociações até 2009 já foram escolhidos e o diplomata brasileiro Luiz Alberto Figueiredo Machado é um deles – o outro é o ex-secretário da Convenção do Clima Michael Zammit Cutajar, de Malta.

Não ficou claro o que esperar dessa negociação, mas a experiência mostra que sem a adoção de um teto para as emissões e um calendário para atingir esse teto – isto é, metas para a redução das emissões – não haverá a possibilidade de troca de emissões, o que levaria a resultados desapontadores.

Abre-se, portanto, uma oportunidade para a apresentação em cada país de idéias criativas que levem à redução das emissões e acabem com as desculpas usadas até agora pelos Estados Unidos e pelos principais países em desenvolvimento (China, Índia, Brasil, México, África do Sul), que até agora se refugiaram no argumento de que “eu não faço porque você não faz”.

O Brasil, como co-presidente do grupo de negociações, tem agora não só a responsabilidade, mas também a grande oportunidade de apresentar propostas viáveis e criativas, e se espera que o governo federal se mova rapidamente nesse sentido.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 17/03/2008