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Artigo

UHE Tijuco Alto: O Governo Democrático e Popular cumpre a cartilha do Grupo Votorantim, artigo de André Murtinho Ribeiro Chaves

Nem o oligarca Sarney, nem o caçador de marajás Collor, nem o seu substituto Itamar, nem mesmo o grande privatizador FHC… Destes poderíamos esperar concessões e conchavos junto aos maiores empresários do país, vide as suas origens políticas comprometidas com os interesses dos endinheirados. Mas quem está concedendo a Licença Prévia (LP) da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, empreendimento da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) do Grupo Votorantim, 20 anos após uma grande resistência no Vale do Ribeira (PR-SP), não é nenhum destes presidentes…

Quem pode ficar para sempre como aquele que finalmente cedeu ao poder econômico do – provavelmente – homem mais rico do país – Antônio Ermírio de Moraes – é Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente operário, o presidente eleito que carrega o rótulo de defensor dos pobres e do meio ambiente. O mesmo presidente que no debate ocorrido na TV Bandeirantes durante a corrida presidencial de 2006, declarou perante o Brasil que não iria deixar que o Antônio Ermírio construísse a barragem no Vale do Ribeira. Mas no último dia 26 de Fevereiro, foi publicado um parecer técnico conclusivo dos analistas ambientais do IBAMA1 sobre a questão, colocando que a barragem trará mais impactos positivos do que negativos, deixando a decisão sobre a LP a mercê do diretor de licenciamento2 do IBAMA.

O processo de licenciamento de Tijuco Alto é repleto de imoralidades e recheado de irregularidades nos mais diversos níveis. A começar pelo próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA), no qual a consultoria contratada foi a CNEC Engenharia, empresa do grupo Camargo Corrêa, que vem sendo parceira da CBA em outros empreendimentos Brasil afora. Será que a CNEC faria um estudo idôneo, imparcial? Certamente que não. Curiosidade: a Camargo Corrêa é uma das participantes do Consórcio Via Amarela e uma das responsáveis pelo buraco do metrô em São Paulo. Outro consórcio – Enercan – formado pelo Banco Bradesco, Votorantim e Camargo Corrêa foi responsável pela rachadura de uma barragem em 2006 no município de Campos Novos (SC). Relações incestuosas, incompetência, perigo… Dá para confiar na CNEC e na CBA?

Outro desrespeito, agora do próprio IBAMA foi desconsideração da opinião pública pelos poucos funcionários que furaram a greve (ou foram obrigados a trabalhar) durante as cinco audiências públicas ocorridas no mês de julho de 2007, nos municípios de Cerro Azul, Adrianópolis (PR), Ribeira, Eldorado e Registro (SP). Nestas audiências, tanto as comunidades como as entidades que atuam na região, colocaram diversos questionamentos técnicos, lógicos e sociais, colocando ainda o desejo da população de ter o Ribeira livre de barragens. Boa parte destes questionamentos não foram respondidos e quando isto ocorria, as respostas eram insatisfatórias (solicitem o vídeo ao IBAMA). As manifestações da população contrárias à barragem, espontâneas, silenciaram aquelas manifestações favoráveis, pagas em dinheiro, como mostram entrevistas feitas em Ribeira (SP).

Também ainda não foram atendidas as solicitações de novas audiências em mais quatro locais: Cananéia, Iguape, São Paulo e Curitiba. De acordo com a legislação do próprio IBAMA, qualquer entidade civil ou mesmo assinatura de pelo menos 50 pessoas são suficientes para que ocorra audiência em qualquer lugar do Brasil. Ao ser questionado sobre isto durante as audiências já ocorridas, o diretor de licenciamento2 (diga-se de passagem, altamente tendencioso nas suas falas, sempre a favor do empreendedor) respondia que se fosse seguir a própria lei do IBAMA, mesmo uma cidade da Amazônia que pedisse teria que ser contemplada…

Vejam bem, ninguém estava falando de cidades fora da região, e sim de cidades dentro da Bacia Hidrográfica do Ribeira de Iguape ou de metrópoles ao seu redor, grandes cidades que tem interesse e preocupação com um ecossistema tão ameaçado como a Mata Atlântica e com a qualidade da sua água. No caso de Iguape e Cananéia, inseridas na Bacia, estudos do Instituto de Pesca, organização reconhecida pelo sua seriedade e pela qualidade de seus pesquisadores, mostram que pequenas variações na salinidade (que virá no período do enchimento do reservatório ou mesmo da contenção de água em períodos de seca) podem afetar seriamente a atividade pesqueira mais importante da região do Lagamar, a pesca da manjuba, da qual dependem diretamente 2.500 famílias e indiretamente mais 1.500.

Após as audiências e às pressas, a CNEC Engenharia realizou um “estudo” questionando anos e anos de dados do Instituto de Pesca… só que nos documentos do IBAMA ninguém cita a fonte deste estudo relâmpago… Além das influências diretas nos seres vivos, a real possibilidade de mudança de pH da água na altura do barramento, pode liberar o chumbo adormecido no fundo do rio, o qual certamente ficará retido no Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, Patrimônio Natural da Humanidade, título concedido pela UNESCO.

Não bastasse a necessidade legal da ocorrência de pelo menos mais uma audiência no baixo Vale do Ribeira, a concessão da LP, se ocorrer, terá sido feita por analistas ambientais do IBAMA1 , dos quais nenhum esteve presente nas audiências públicas, devido à greve do IBAMA entre maio e julho do ano passado. E quem esteve presente não acompanhava o processo de licenciamento, nem havia lido o EIA, não podendo responder diversos questionamentos feitos pela população e pelas organizações da sociedade civil (peçam o vídeo e vejam!). Resumindo, as audiências públicas ocorreram num período de greve da agência ambiental. Isto é legal? É legítimo? Que moral tem um órgão que coloca pessoas que não acompanham o processo para ouvir a população e responder os seus questionamentos?

Um ponto tão importante quanto os outros citados acima, diz respeito aos interesses envolvidos nesta concessão e a destinação desta energia. A indústria da Companhia Brasileira de Alumínio não fica no Vale do Ribeira, e sim na região de Sorocaba, cujo o nome do município, acreditem… é Alumínio (antigo distrito de Mairinque). Lá a CBA tem uma fábrica eletrointensiva – precisa de muita energia elétrica para relativamente pouca produção de alumínio primário e transformado – placas de alumínio, entre outros. Este alumínio é destinado princialmente para exportação. A Barragem de Tijuco Alto, portanto, é para exportar energia barata do Vale do Ribeira para o mundo. E a população do Vale, o que ganhará com isto?

Na região, muitos ainda acreditam que a barragem trará energia para iluminar as suas casas. E que o empreendimento trará empregos – alternativa falsa, pois 1.400 empregos seriam temporários – mão-de-obra barata e transitória – e 60 empregos fixos – mão de obra altamente especializada e importada. Outros ainda crêem que a barragem trará empregos na área do turismo, o que fica impossibilitado pois a propriedade da CBA é privada e como ensinam outras represas desta empresa, ninguém entra. E muitos acreditam que o represamento controlará as cheias do Ribeira – enchentes estas causadas principalmente pela ausência de mata ciliar causada pelo desmatamento, pelas monoculturas de banana e pinus, e pelos pastos que retiram boa parte desta floresta essencial na contenção de cheias. Não se explica de forma satisfatória como se daria este controle… Algo pouco falado pela CNEC é sobre a segurança da barragem, que seria construída sobre solo cárstico (calcáreo) e granítico, cujas fissuras e poros fariam infiltrar muita água nas grutas. O peso da água poderia ceder o solo e desestabilizar a barragem. Será que não foi isto que aconteceu em Santa Catarina?

Não bastasse a manipulação feita junto à população pela CBA, pelos prefeitos, pelo Deputado Estadual Samuel Moreira e pela maioria dos bananicultores da região, o Governo Federal tem facilitado de maneira nunca antes vista na história do Brasil, este processo de licenciamento. Nisto, tem participação efetiva até a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, ao ceder às pressões do PAC – Plano de Aceleração de Crescimento e desmembrar o IBAMA em dois institutos (causa daquela greve), deixando o novo IBAMA apenas com a fiscalização e o licenciamento e o novíssimo Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apenas com a gestão de Unidades de Conservação. Esta divisão colocou todo o processo de licenciamento a cargo dos chamados técnicos, que têm uma visão predominantemente da engenharia, o que leva a crer que todo os licenciamentos a partir de agora serão concedidos, desde que seja possível colocar muito concreto de maneira segura (segundo a visão dos consultores). Esta nova e triste perspectiva se deve ao enfraquecimento do Núcleo de Educação Ambiental e ao distanciamento dos conservacionistas, agora no ICMBio.

Além desta divisão sem consulta nenhuma à população, durante as históricas audiências de julho de 2007 e em todas elas, havia uma representante do Ministério de Minas e Energia colocando sempre o governo como parceiro do empreendedor e atuando de maneira incisiva sempre ao lado da CBA/CNEC. Em alguns momentos, integrantes da CNEC Engenharia – empresa de consultoria – consultavam o MME. Existem diversas fotos que mostram os conchavos Governo-CNEC-CBA durante as audiências.

Mesmo com tudo isto – e muito mais ocorrências que não caberão nestas linhas – os analistas do IBAMA dão um parecer favorável ao empreendimento, ignorando inclusive questionamentos e recomendações do Ministério Público Estadual e Federal, que pedem, por exemplo, mais uma audiência pública no município de Cananéia. Um empreendimento impossível do ponto de vista técnico-científico-social torna-se agora provável em virtude do poder econômico de uma pessoa. Entretanto e diante de tanta força, ainda podemos muda esta história. Isto depende do poder de mobilização de todos que não concordam com esta injustiça. Diante da indignação dos últimos dias, a população do Vale do Ribeira certamente vai continuar resistindo.

nota:

Quem deu o parecer?
1 Adriano Rafael Arrepia de Queiroz, Aline Fonseca Carvalho, Fabíola Schupcheki Cleto, Frederico Miranda de Queiroz, Gina Luísa Boemer, Lilian Maria Menezes Lima, Liliana Pimentel, Vera Lúcia Silva Abreu.

Quem dará a Licença Prévia?
2 Válter Muchagata

PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
André Murtinho Ribeiro Chaves, Educador Popular e Ecólogo – Coletivo Educador do Lagamar Cananéia – Vale do Ribeira – São Paulo

Artigo originalmente publicado pela Conlutas – Coordenação Nacional de Lutas