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Pesquisa: Entre os mais ricos, tortura é aceita por 42%; nos mais pobres, por 19%

No Rio, apenas 21 presos por maus-tratos; em Pernambuco há corporativismo

RIO e RECIFE. A diferença de classe social marca fortemente a posição dos brasileiros em relação ao uso de tortura para obter informações de suspeitos. Enquanto entre as pessoas com renda superior a cinco salários mínimos o índice chega a 42% de aprovação, entre os que ganha até um salário mínimo, o percentual não passa de 19%. Entre os que têm curso superior, o índice é alto: 40%, de acordo com os dados da pesquisa Nova S/B Ibope. No geral da população, 26% aprovam a tortura. O Globo, 09/03/2008.

O resultado da pesquisa surpreendeu o advogado João Tancredo, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Segundo ele, os números são reflexo do desespero em que se encontra a população devido aos fracassos das políticas de segurança pública nos últimos anos. Mas, para ele, o pensamento é um equívoco.

— Quando o policial faz o que recomenda a pesquisa, ele abandona a investigação técnica.

Quando chega na Justiça, o criminoso é solto porque confessou sob tortura — lembra Tancredo que fala de outro equívoco dos mais ricos e instruídos.

— Quando você dá autorização para fazer com um, o policial faz com todos.

O músico Ronaldo Bakker defende a prática de tortura contra criminosos para obter informações. Segundo ele, numa situação como um seqüestro de um parente, ninguém vai condenar que um policial torture para obter a informação de onde é o cativeiro.

— É muita ingenuidade achar que, naquela época dos seqüestros, a polícia descobriu tudo com investigação.

Mas, infelizmente, sei que acontecem injustiças em muitos casos — diz Ronaldo.

A aceitação da tortura pode estar relacionada à baixa punição para estes crimes. Desde 1997, quando foi criada a Lei 9.455 para punir a prática de tortura, apenas 140 processos foram abertos na Justiça do Rio para responsabilizar torturadores, sendo que menos da metade é contra agentes públicos. O baixo número se reflete nas cadeias.

Em julho de 2007, apenas 21 pessoas cumpriam pena por tortura no Rio. O número é menor que os presos por crimes contra a administração pública, 29 na época.

Os números são do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, obtidos pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Segundo ele, a tortura nas prisões em todo o país é uma rotina e não apenas um desvio de conduta dos agentes, mas uma prática do Estado: — A tortura é a forma como o Estado controla suas prisões.

No relatório feito em 2001 sobre prisões, a ONU escreveu isso.

Advogado: população defende tortura por desespero X, de 34 anos, ficou preso por 11 anos e está em livramento condicional. Ele conta que passou por quase todas as prisões do Rio e garante que, em todas elas, a prática de tortura é natural.

— Você usa caneta para escrever porque alguém usou antes.

Os agentes usam a tortura para lidar com os presos porque ensinam a ele assim. A primeira coisa que acontece a alguém que chega na cadeia é apanhar.

Em Pernambuco, a impunidade é apontada como incentivadora da tortura por agentes do estado. Segundo o Centro Dom Helder Câmara de Direitos Humanos (Chendec), o corporativismo policial dificulta punições.

Mesmo diante das evidências, normalmente os responsáveis são indiciados por “dolo eventual” ou “homicídio culposo”, o que atenua as punições.

Em 2006, 13 policiais militares foram acusados de aplicar maus-tratos e jogar 14 jovens no rio Capibaribe, dois dos quais morreram. Uma das testemunhas foi executada no dia que prestaria depoimento. Segundo o Chendec, nenhum dos acusados foi indiciado por crime de tortura. Os promotores tiveram que modificar a denúncia e na Justiça ela foi novamente modificada.

Quatro policiais foram presos depois de condenados pela Justiça por homicídio doloso. Todos aguardam julgamento de recurso em liberdade.

Ministro elogia resultados

BRASÍLIA. Para o secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, o resultado da pesquisa não foi dos piores.

Ele disse que temia percentuais maiores em consultas à população sobre temas como uso de tortura como método de investigação.

Vannuchi afirmou que o resultado mostra que as pessoas consideram ser mais politicamente corretas do que realmente são no dia-a-dia.

— Confesso meu temor que encontraria número maior de pessoas admitindo a hipótese do uso da tortura na investigação policial. Os 26% detectados pela pesquisa são preocupantes, sim. O ideal é que seja 0%. Mas o resultado não deixa de ser tranquilizador para nós que atuamos na ponta dos direitos humanos — disse Paulo Vannuchi.

O ministro acredita que esse número poderá ser reduzido com o tempo, com a divulgação cada vez maior nos meios de comunicação de violações de direitos humanos e a disseminação que a tortura é um crime hediondo e imprescritível.