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Evasão escolar cresce entre beneficiados do Bolsa-Família. Abandono de estudo aumenta na maioria das 200 cidades dependentes do programa

LAGOA DOS GATOS (PE) – O mais importante programa social do governo Lula, o Bolsa-Família, atende hoje quase um quarto da população do País (45,8 milhões), mas não está conseguindo cumprir um de seus principais objetivos: fazer com que as crianças completem ao menos os oito anos do ensino fundamental. Cruzamento de informações feito pelo Estado, com dados dos Ministérios do Desenvolvimento Social e da Educação, revela que nos 200 municípios onde há mais famílias dependentes do Bolsa-Família a evasão escolar, contando os abandonos da 1ª a 8ª séries, cresceu entre 2002 e 2005. Em alguns casos, o número de crianças que deixam a escola mais do que dobrou. Em todas as cidades mais da metade é atendida pelo programa. Por Lisandra Paraguassú, de O Estado de S. Paulo, in Estadao.com.br, sábado, 8 de março de 2008, 17:45 | Online.

Confira os números do levantamento

O abandono escolar cresceu em 45,5% dos municípios (91) com mais atendimentos do Bolsa-Família. Em outros 18,5% (37 cidades) não houve piora ou melhora significativas – a variação foi de menos de 1 ponto porcentual para mais ou para menos. Juntos, a piora do abandono e a manutenção da péssima realidade escolar somam 64%. O ano de 2002 foi o último antes do início do Bolsa-Família, e 2005, o último com dados oficiais disponíveis.

Os 200 municípios expõem também um fenômeno político: uma melhora sensível no desempenho do candidato Luiz Inácio Lula da Silva entre os segundos turnos de 2002 e de 2006. Da eleição para a reeleição, o presidente aumentou os votos em todas as cidades com mais população atendida pelo Bolsa-Família, registrando, em alguns casos, votações fenomenais: os 3.408 votos de Araioses (MA), em 2002, por exemplo, viraram 12.958 votos na campanha da reeleição; os 2.996 votos de Girau do Ponciano (AL) subiram para 12.550 votos.

Acauã, uma das cidades-símbolo do programa Fome Zero, visitada por ministros no primeiro ano do governo Lula, tem 71,6% de suas famílias no Bolsa-Família. O abandono escolar subiu de 4,4% para 12%. Em 13 cidades, o índice passou de 20% de estudantes largando a escola, um número considerado assustador pelo próprio Ministério da Educação. Em Lagoa dos Gatos (PE), uma das cidades visitadas pela reportagem do Estado, o abandono passou de 8% para 17,6% em apenas três anos.

Explicações

O que aconteceu nessas cidades? Nem mesmo o governo consegue dizer exatamente. Mas uma das razões é clara: as famílias obrigam as crianças a ficar no programa até os 15 anos, quando ainda são beneficiadas. A partir dessa idade, muitas vezes é mais interessante ter o filho trabalhando.

O Bolsa-Família paga R$ 58 e mais R$ 18 por filho entre 0 e 15 anos para famílias com renda per capita de até R$ 60, desde que eles estejam na escola e haja acompanhamento de saúde para os menores de 6 anos. Depois que o filho completa 15 anos, automaticamente a família deixa de receber a parcela referente àquela criança e a renda diminui. “Quantas vezes não ouvimos de professores ‘aquela criança só está aqui por conta do Bolsa-Família’”, diz a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Almeida e Silva. “E é para isso que o programa serve. Ele estar dentro da escola já é uma grande garantia. O problema da evasão não se resolve somente com a escola. É preciso uma malha de ações sociais.” As causas da evasão, lembra, são várias e mais fortes entre os meninos mais velhos: ter de trabalhar, tomar conta de irmãos ou avós, repetência contínua, falta de transporte, entre outras.

Manter as crianças na escola até garantir pelo menos que concluam a 8ª série do ensino fundamental é uma das metas do Bolsa-Família. Seria uma forma de fazer a população mais pobre ter escolaridade melhor e um futuro menos incerto. Ao estabelecer 15 anos como limite para o pagamento, o programa deixa para trás boa parte dos meninos e meninas mais atrasados – na média, os estudantes pobres estão três anos abaixo da série em que deveriam estar.

No dia-a-dia das escolas, é essa a realidade que professores encontram. “Os meninos pequenos ficam na escola. Nos períodos da manhã e da tarde a evasão é baixíssima. Mas a partir dos 15 anos eles mudam para o turno da noite e acabam não voltando mais. Não têm estímulo para estudar”, conta Juliana do Nascimento, diretora da Escola Municipal Cordeiro Filho, em Lagoa dos Gatos.

Maria Luciene de Oliveira, diretora da Escola Estadual Ezequiel Bertino de Almeida, na cidade vizinha de Cupira (PE), tem a mesma experiência. “Não são as crianças pequenas, mas a partir da 5ª série. No período noturno, no ano passado, havia uma turma com 35 alunos, mas que, às vezes, tinha dois ou três alunos em sala de aula”, lembra. A escola ainda enfrenta outra dificuldade: a insistência dos pais em matricular filhos a partir dos 14 anos no noturno, apesar de a lei só permitir a partir dos 15 anos. “Alguns chegam a ameaçar tirar o filho da escola porque eles têm de trabalhar”, diz Maria Luciene.

Os dados nacionais confirmam a experiência das professoras. Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 5% das crianças de 7 a 14 anos abandonam a escola. Entre 15 e 17 anos, essa evasão sobe para quase 20%. São quase 2 milhões de jovens que ficam sem escola, sem trabalho e sem futuro.

‘Abandono é um problema’, reconhece secretária

A realidade dos jovens de famílias pobres que deixam a escola depois de perderem o Bolsa-Família não é desconhecida do governo federal. Apesar de questionar o cruzamento feito pelo Estado, alegando “não conhecer” os dados, a secretária de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, confirma que o abandono é um problema, a ponto de o ministério ter decidido estender a bolsa para jovens até 17 anos, incluindo a possibilidade de a família receber por mais dois filhos nessa faixa etária.

“A gente sabe que é um problema, especialmente a partir dos 15 anos. Se esse não fosse um problema para o País, não haveria todo um programa voltado para a juventude”, afirmou. “Mas não vejo relação entre o Bolsa Família e o aumento do abandono escolar”, acrescentou a secretária.

Ao contrário, garante Rosani, um estudo ainda inédito do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) mostra que, na faixa etária atendida, a taxa de freqüência escolar seria 3,6% acima dos demais alunos. No Nordeste chegaria a ser 7,1% além dos alunos fora do programa. A evasão escolar seria até 2,1 pontos porcentuais menor com o Bolsa Família do que entre crianças pobres que não estão no programa. O estudo, no entanto, levou em conta apenas a faixa etária de 7 a 14 anos atendida pelo programa. Não considerou o que acontece após essa idade.

Outro levantamento, feito pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Social, dá uma idéia do caminho percorrido pelos jovens pobres. O gráfico apresentado ao Estado mostra que a maioria das crianças pobres entra na escola mais tarde, em torno dos 8 anos, e começa a sair em torno dos 14. Aos 17, quando o normal seria estarem terminando o ensino médio, menos da metade ainda está estudando. “Por isso a nossa proposta de ampliação da idade”, explica.

Este mês, o Bolsa-Família passará a pagar para que as famílias também mantenham os filhos nas escolas até os 17 anos. Cada família com um filho de 16 ou 17 anos receberá mais R$ 30 por adolescente que estiver estudando, num limite de dois. Com isso, o pagamento máximo para cada família, que hoje é de R$ 112, passará a ser de R$ 172. A estimativa é de que há 1,75 milhão de jovens nessa faixa etária em famílias atendidas pelo programa.