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Artigo

Furacão em Içara/SC, artigo de Ana Echevenguá

[EcoDebate] O crescimento vertiginoso da miséria, da violência e da insegurança na cidade fortaleceu as políticas públicas de valorização do meio rural. No Brasil, mais de 80% do total de propriedades rurais do país pertencem a grupos familiares; e são responsáveis por cerca de 60% dos produtos aqui consumidos e por 37,8% do Valor Bruto da Produção Agropecuária. A agricultura familiar gera trabalho e renda local, reduz o êxodo rural, diversifica a atividade econômica e fomenta o desenvolvimento dos municípios (http://www.comciencia.br/reportagens/ppublicas/pp07.htm).

‘Se a agricultura familiar traz dinheiro aos cofres públicos, vamos protegê-la’, pensaram alguns vereadores do Município de Içara, no sul de Santa Catarina. Estou falando da “Capital Nacional do Mel” (20 mil colméias produzem 600 toneladas anuais de mel). Que produz também fumo e feijão (anualmente, 120 mil sacas deste nos 6 mil hectares cultivados).

E fizeram a Lei nº 2.019 de 08/06/2004 que criou uma APA – Área de Proteção Ambiental, “nas comunidades de Esperança, Espigão, Santa Cruz e adjacências” para “proteger o Meio Ambiente Municipal, preservando as nascentes de água de Olho D`agua, açudes e lençol freático que abastecem a região, a fauna e a floresta atlântica nativa, os Rios Esperança e Três Ribeirões, bem como assegurar a sustentabilidade econômica e o bem-estar físico e mental da população agrícola local” (art. 2º.).

Leram bem? Nesta APA tem até Mata Atlântica nativa!

Uma região, bela e fértil, intocada pela mineração e que é habitada por pequenos agricultores como o Nono, o Seu Antonio, seus filhos… plantam lá o que vai para nossa mesa. Ou seja, a preocupação com a sadia qualidade de vida da população agrícola local (que gera trabalho e renda para Içara) é tão gritante que trataram de assegurar o bem-estar físico e mental desta.

Para reforçar a proteção socioambiental, o art. 5º desta Lei foi taxativo: “Nesta área não poderá ser desenvolvida atividade industrial degradante, ficando os órgãos governamentais competentes, responsáveis pela fiscalização, controle e assistência técnica, a fim de que se cumpra o que determina esta lei” (http://www.icara.sc.gov.br/leismunicipais/)

Só entende o espírito desta Lei quem conhece os números da destruição provocada pelas empresas carboníferas (que exercem atividades industriais degradantes) no sul de SC. São catastróficos: 6,2 mil hectares de área degradada e 86% dos recursos hídricos comprometidos. E, até hoje, ninguém demonstrou como isso afeta a sadia qualidade de vida da população, com dados e análise à luz do conhecimento científico.

Mas a Câmara de Vereadores de Içara foi seduzida pelo ‘canto da sereia do lobby do carvão’. No final do mesmo ano da edição da Lei da Apa, ou seja, em 28/12/2004 (época em que todos estão às voltas com o Papai Noel) alterou o artigo 5º da Lei da APA, deixando-o assim redigido: “Art. 5º Nesta área não poderão ser desenvolvidas atividades industriais degradantes que não tenham sido precedidas de licenciamento ambiental…” (http://www.icara.sc.gov.br/leismunicipais/).

Perceberam a sutil mudança? Retirando a proibição, a Câmara – e o Prefeito – permitiram que empresas com atividades industriais degradantes explorem a APA.

Na prática, do que estamos falando? Da vitória do carvão sobre o mel, o feijão… Da implantação de uma mina na comunidade de Santa Cruz, para extração de carvão mineral na APA. O nome da dona da mina é bem sugestivo: Rio Deserto. Será que assim ficarão todos os rios e córregos daquela região? Desertos… mortos?

Pergunto ainda: quem elegeu esta Câmara que se rendeu ao desenvolvimento insustentável? Que vai acabar com a agricultura familiar do município?

O içarense tem que guardar, no arquivo dos vilões na memória, o nome de cada vereador e do Prefeito que assinaram esta Lei. E contar isso p’ros seus filhos, netos…

Os representantes do Ministério Público de Santa Catarina tentaram reverter a situação, atacando a famigerada Lei com uma ADIN – ação direta de inconstitucionalidade. Para eles, a submissão absoluta da política ambiental aos interesses do mercado implica riscos e danos irreversíveis ao ecossistema da região.

Afinal, todo mundo sabe que a atividade mineraria em Santa Catarina é predatória, destrutiva e letal. Com o dinheiro desta destruição, os “Senhores do Carvão” contam, hoje, com 7 deputados estaduais e 2 federais e um número incontável de prefeitos e vereadores naquela região. Como nenhum destes eleitos se preocupa em defender o meio ambiente, o que temos? Fiscalização zero, punição zero, proliferação de normas inconstitucionais e ilegais, destruição de direitos adquiridos…

Infelizmente, o Tribunal de Justiça disse não à ADIN: julgou, por 28 votos contra 13, que o novo artigo 5º da Lei Municipal 2.086/04 é perfeito.

Com esta decisão, a Rio Deserto pode começar a instalação da mina para extrair o carvão porque já tem a licença em mãos. Claro que licenciamento não é empecilho p’ros “Senhores do Carvão”! Em Santa Catarina, os órgãos licenciadores são dirigidos por pessoas indicadas por forças políticas; são cargos de confiança do poder político-econômico. Fui informada pelo grande ambientalista Gilmar Axé que o filho do presidente do SIESESC (Sindicato das Empresas do Carvão) é um dos diretores do órgão licenciador estadual – a FATMA,

Se o Tribunal de Justiça soubesse da irresponsabilidade que reina nos órgãos ditos responsáveis; se soubessem como ocorre o licenciamento ambiental, entenderiam que, aqui, nem Constituição nem Lei protegem o meio ambiente e a sadia qualidade de vida das pessoas. Se eles saíssem de suas salas confortáveis e vistoriassem a mórbida paisagem lunar deixada pela atividade minerária em Criciúma, Forquilhinha, Siderópolis, … e a comparassem com as terras agricultáveis de Içara, não teriam tomado decisão tão injusta…

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, e-mail: ana@ecoeacao.com.br