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Carnívoros influenciam a composição vegetal de um ecossistema e o processamento da energia solar na Terra

Dialética do predador – Imagine um planeta com apenas duas espécies de animais e várias de vegetais, no qual leões comem zebras que comem gramas e ervas. Se não fosse pelos leões comendo as zebras, elas acabariam com os vegetais e transformariam o hipotético planeta em um deserto. Esse importante papel dos carnívoros na cadeia alimentar foi sugerido faz já meio século por biólogos especialistas em ecologia. Por Ricardo Bonalume Neto, Folha de S.Paulo, 17/02/2008.

“Eles argumentaram que o herbivorismo deveria reduzir o mundo verde a um lugar estéril se não fosse pelo carnivorismo”, lembra o ecólogo Shahid Naeem, da Universidade Columbia, de Nova York, se referindo aos autores da tese – N. G. Hairston, F.E. Smith e L.B. Slobodkin- divulgada em um clássico estudo em 1960.

O planeta é verde porque plantas e algas usam a energia do Sol para transformar matéria inorgânica em orgânica -a vida baseada no elemento químico carbono. Essa é a produtividade dita “primária”.

“Por que a Terra é verde, ou o que governa a produtividade primária, é uma das questões mais básicas, mas surpreendentemente complexas, na pesquisa ecológica”, escreveu Naeem em artigo na última edição da revista “Science” no qual comenta um estudo que aumentou ainda mais a complexidade do tema.

O trabalho mostrou agora um detalhe importante: o modo como o predador age também afeta o quão verde pode ser um ambiente.

Correr ou ficar

Voltando ao hipotético planeta, seria como se o tipo de vegetação dominante estivesse ligado ao modo como os leões fazem a caçada -vagando em busca de presas, ou ficando parados para fazer emboscadas.

Na falta de um planeta tomado só por savana africana, a pesquisa de Oswald Schmitz, da Universidade Yale, foi feita em um campo gramado perto do campus, em Connecticut. E no lugar de leões e zebras, aranhas e gafanhotos.

“As espécies têm mais chance de ter efeitos fortes em ecossistemas quando elas alteram fatores que regulam funções-chave do ecossistema, como a produção, a decomposição, e a mineralização do nitrogênio”, diz Schmitz.

O efeito é direto quando um herbívoro escolhe qual planta vai comer; é indireto se o predador alterar o modo como os herbívoros afetam a composição da vegetação.

Do geral ao particular

O experimento de Schmitz durou três anos. Ele fechou pequenos lotes circulares de dois metros quadrados e colocou nesses cercados a presa -gafanhotos herbívoros da espécie Melanopuls femurrubrum- e o predador, nas densidades médias encontradas na natureza (duas aranhas e cinco gafanhotos por metro quadrado).

O detalhe importante foi usar duas espécies diferentes de aranhas que capturam a presa de maneira diferente. A aranha Pisaurina mira é do tipo senta-e-espera, que faz uma teia em lugares altos e embosca a presa. Já a da espécie Phidippus rimator perambula ativamente em busca da comida por todo o ambiente.

“Predadores de emboscada do tipo senta-e-espera causam reações de comportamento na sua presa porque ela reage fortemente a dicas persistentes da presença do predador”, diz Schmitz. Em outras palavras, se você é um gafanhoto que quase trombou numa teia na parte mais alta da gaiola, convém ficar esperto e passar a comer mais perto do chão.

Já um predador sempre em movimento não dá nenhuma dica de como ser evitado.

Os resultados em termos de ambiente foram inesperados. “As aranhas ativamente caçadoras reduziram a diversidade de espécies de plantas mas aumentaram a produção primária acima do solo e o ritmo de mineralização do nitrogênio, enquanto as aranhas de emboscada senta-e-espera tiveram o efeito oposto”, escreveu Schmitz na “Science”.

A presença de um predador ativo fez o lote circular apresentar uma redução de 14% na diversidade de plantas, 33% de aumento na mineralização de nitrogênio e -“mais importante”, como lembra o comentário de Naeem- 168% de aumento na produtividade primária.

Toma-lá-dá-cá

O mecanismo por trás dessas diferenças de composição de plantas é uma escolha tipo toma-lá-dá-cá que os gafanhotos devem fazer entre se alimentar de gramas e procurar refúgio ou se alimentar da erva que é a planta dominante no habitat.

Claro, os sistemas naturais costumam ser mais complexos do que os gramados de Connecticut, contendo mais espécies de presas e predadores. Mas a pesquisa de Schmitz mostra como a perda de predadores nos níveis mais altos da cadeia pode afetar o resto das espécies, seja na sua abundância, seja na sua diversidade.

Como lembra Naeem, a produção primária é o “sistema de injeção de combustível” do planeta Terra. Quase um quarto dessa “fixação de carbono” é apropriada pelos seres humanos na forma de comida, biocombustíveis e material de construção.

É isso que permite existirem 6,7 bilhões de pessoas vivendo em uma atmosfera de 21% de oxigênio na qual outros gases regulam um efeito-estufa que permite surgir uma temperatura adequada a toda essa biodiversidade.