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Desmatar para plantar biocombustível agrava o efeito estufa

De acordo com o estudo, o CO2 emitido na destruição da vegetação original gera uma ‘dívida de carbono’. Por Carlos Orsi, da Agência Estado com agências internacionais, quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008, 17:02

SÃO PAULO – Transformar ecossistemas nativos em terra para o plantio de biocombustíveis causa emissões de carbono que agravam o mesmo aquecimento global que a atividade deveria reduzir, de acordo com estudo patrocinado pela Fundação Nacional de Ciências dos EUA e realizado pela ONG Nature Conservancy e pela Universidade de Minnesota.

Segundo o trabalho, publicado na revista Science e disponibilizado no website da Nature Conservancy, o carbono liberado na atmosfera com a destruição de florestas tropicais, pântanos, cerrados e pradarias para o plantio de matéria-prima para biocombustível supera o benefício que o uso do biocombustível traria.

“Se os biocombustíveis vão ajudar a mitigar a mudança climática global”, diz o texto publicado na Science, “nossos resultados sugerem que terão de ser produzidos com pouca redução do estoque de carbono orgânico nos solos e na vegetação” dos ecossistemas preexistentes.

As conversões de uso da terra para o plantio de milho ou cana-de-açúcar (fontes de álcool etanol) e dendê ou soja (biodiesel) liberam de 17 a 240 mais gás carbônico que as emissões que seriam evitadas, anualmente, pela substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis, dizem os pesquisadores, que levaram em consideração não apenas o carbono liberado pelo fogo no primeiro momento de limpeza do terreno, mas também a liberação lenta que ocorre com a decomposição da matéria orgânica por microorganismos.

De acordo com o estudo, o CO2 emitido na destruição da vegetação original gera uma “dívida de carbono” que precisa ser saldada antes que se possa afirmar que os biocombustíveis estão ajudando a combater o efeito estufa.

A conversão de pântanos para a plantação de dendê na Indonésia gera a maior dívida de carbono, uma que precisaria de 423 anos para ser paga. O segundo pior caso é o da produção de soja na Amazônia, que só passaria a gerar biodiesel “grátis” depois de 319 anos.

Já a conversão do cerrado brasileiro em lavouras de cana, para produção de etanol, criaria uma dívida que só seria paga em 17 anos; a conversão do cerrado em soja criaria um excesso de carbono que só seria abatido da atmosfera em 37 anos.

O estudo analisou também o resultado da conversão das pradarias dos EUA em campos de milho, chegando a uma dívida que só estaria paga após 93 anos. O único cenário que não gerou dívida alguma foi o de conversão de terras usadas, nos EUA, para a produção de alimentos em fontes de etanol de biomassa – feito com capim.

De acordo com um dos autores do trabalho, o economista Stephen Polasky, “os proprietários da terra são pagos para produzir óleo de dendê e outros produtos, mas não para administrar as emissões de carbono”. Segundo ele, “isso cria incentivos para a limpeza excessiva do solo e pode gerar grandes aumentos das emissões de carbono”.

De acordo com o principal autor do estudo, o pesquisador Joe Fargione, da Nature Conservancy, “esta pesquisa examina a conversão do solo para os biocombustíveis e pergunta se isso vale a pena. Surpreendentemente, a resposta é não”.

Fargione argumenta que toda produção agrícola de combustível causa algum tipo de destruição, direta ou indireta, de hábitat. “A agricultura global já está produzindo comida para seis bilhões de pessoas”, pondera. “Produzir biocombustíveis baseados em alimentos vai exigir que mais terra seja convertida em agricultura”.

Uma solução sugerida no texto elaborado pelos cientistas é o uso de terras agrícolas degradadas ou abandonadas para o cultivo de espécies nativas perenes, como variedades de capim e leguminosas, que seriam usadas na produção de biocombustível.

Entrevista com um dos autores do estudo (em inglês) (clique aqui)