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Notícia

SP usa menos da metade de verba para reforma agrária

Estado presta contas da utilização de R$ 26,2 milhões dos R$ 57,4 mi recebidos da União. Órgão do governo tucano diz ter usado verba maior para comprar fazendas e que prestação de contas ao Incra está desatualizada. Por Cristiano Machado, da Folha de S. Paulo, 06/02/2008.

O Estado de São Paulo usou, nos últimos cinco anos, menos da metade da verba repassada pelo governo federal para compra de áreas consideradas devolutas (públicas, com suspeita de apropriação ilegal no século passado) no Pontal do Paranapanema (oeste do Estado).

A compra das áreas é uma das principais formas de criar novos assentamentos e reduzir o conflito agrário na região, palco de 223 (48,2%) das 462 invasões de terra ocorridas no Estado de janeiro de 2003 a outubro de 2007, segundo levantamento do Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo).

Cruzamento de dados do órgão estadual e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) aponta que, nos quatro anos do segundo mandato de Geraldo Alckmin (2003-2006) e no primeiro ano do também tucano José Serra (2007), o governo paulista prestou contas da utilização de somente R$ 26,2 milhões dos R$ 57,4 milhões repassados pela União em duas parcelas (2003 e 2006). O número corresponde a 45,6% da verba. Isso significa que o Itesp deixou de usar R$ 31,2 milhões repassados.

Por meio da assessoria de imprensa, o Itesp afirmou ter empenhado na aquisição de fazendas um valor superior: R$ 34,4 milhões, ou 59,9% do total da verba anunciada pelo Incra. Segundo o instituto, os R$ 8,2 milhões que não aparecem na prestação de contas ao Incra foram gastos na compra de duas fazendas, mas, de acordo com a assessoria, essa informação ainda não foi repassada ao órgão do governo federal.

Assentamentos
Os dados declarados mostram que, com a verba, o Estado fechou acordos para compra de nove fazendas no Pontal, um total de 7.966,85 hectares, o suficiente para assentar 479 famílias -hoje há na região 3.774 famílias cadastradas à espera de um lote de terra.

Das nove fazendas adquiridas com dinheiro do convênio, apenas duas se transformaram em assentamento. Outras cinco permaneciam invadidas por movimentos sociais até o início da semana passada.

Em quatro delas, visitadas pela Folha, os sem-terra usavam, sem autorização, a estrutura (pasto, água e luz) e até decidiram lotear um dos imóveis e tombar a terra para plantio de milho, mandioca e feijão.

Planilhas de áreas compradas com dinheiro do convênio obtidas pela reportagem mostram que, nos dois primeiros anos de validade do convênio, o Estado gastou R$ 16,3 milhões dos R$ 29,4 milhões do acordo para a compra de cinco áreas.

Já em 2005, o Itesp não fez nenhuma aquisição de terras. Com isso, segundo o Incra, “houve redução nos repasses seguintes”. Entre 2006 e 2007, com a assinatura do aditivo de R$ 28 milhões, foram adquiridas quatro áreas. O Itesp prestou contas de só duas delas.

O Incra disse que a “intenção era que outros aditivos fossem sendo acordados a cada ano”. Apesar de não ter sido utilizado todo o montante, Incra e Itesp firmaram em dezembro passado novo termo aditivo prevendo R$ 25 milhões para 2008.

O diretor-executivo do Itesp, Gustavo Ungaro, afirmou que não vai comentar os números por não ter “os dados em mãos”. Mas confirmou que há dificuldades para arrecadação de terras. “O Estado encontra limitações, dificuldades por depender de acordos para pôr fim a disputas judiciais com os fazendeiros”, declarou.

Para sem-terra e ruralistas, isso é “desculpa”. “É a demonstração clara de que o governo tucano em São Paulo tem o compromisso com a oligarquia, o latifúndio, o agronegócio”, diz José Rainha Jr., que, mesmo afastado da direção do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), domina a maior parte dos acampamentos de sem-terra do Pontal.

Já o presidente nacional da UDR (União Democrática Ruralista), Luiz Antônio Nabhan Garcia, criticou o argumento do diretor do Itesp. “Vende a terra quem quer. Vivemos numa democracia e ninguém é obrigado a vender a sua propriedade goela abaixo pelo preço que o Incra, o Estado quer.”