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desmatamento na Amazônia: Lula desautoriza Marina

Para presidente dados sobre desmatamento não são alarmantes; ministra contesta – O presidente Lula desautorizou ontem a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sobre as causas do aumento do desmatamento na Amazônia, e deixou claro que não considera alarmantes os dados do Inpe. Mas após sobrevoar áreas devastadas em Mato Grosso, Marina negou que tenha feito alarde exagerado e manteve suas acusações a produtores de soja e pecuaristas. Por Bernardo Mello Franco, Ilimar Franco e Soraya Aggege, O Globo, 31/01/2008.

Pela primeira vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem uma advertência pública à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que, para ele, teria exagerado ao divulgar números sobre a alta do desmatamento na Amazônia. Sem citar o nome da ministra, Lula deixou claro que não considera alarmantes os dados registrados por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto e dezembro de 2007, e divulgados semana passada por Marina. Ele também desautorizou declarações da ministra a respeito das causas do desmatamento. Horas depois, ao voltar de um sobrevôo sobre áreas desmatadas em Mato Grosso, Marina negou que tenha feito alarde sobre os dados, e manteve sua versão sobre os responsáveis pela devastação.

– O que aconteceu… não sou comunicador, posso estar errado, mas você vai ao médico detectar que está com um tumorzinho aqui e, em vez de fazer biópsia e saber como vai tratar, você já sai dizendo que estava com câncer – comparou Lula, durante almoço no Ministério das Relações Exteriores.

Semana passada, Marina atribuiu a responsabilidade pelo desmatamento aos grandes agricultores e pecuaristas, que teriam sido motivados pelo aumento do preço das commodities. A declaração opôs Marina ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR). O governador, dono de fazendas na região onde foi detectado desmatamento, contestou publicamente os dados do Inpe. Ontem, Lula chamou Maggi de parceiro e disse que as críticas dele à ministra e aos dados devem ser levadas em consideração.

– A gente não pode culpar soja, feijão, gado, sem-terra; não pode culpar ninguém antes de investigar o que aconteceu. Por fotografia, você tem apenas a imagem. Não tem o que aconteceu – afirmou Lula. – O governador tem sido parceiro nosso, o Maggi. E ele tem discordância com os números, de que foi a soja.

Lula manda ONGs plantarem árvores

Lula atacou ainda as organizações não-governamentais de proteção ao meio ambiente, que protestaram contra a alta no desmatamento. O presidente insinuou que ONGs estrangeiras não devem opinar sobre os assuntos da Amazônia.

– Eu topo brigar com estas ONGs por causa disso. Vão plantar árvore no país deles – desafiou.

Após sobrevoar áreas desmatadas em Marcelândia (MT), um dos municípios que registraram a maior destruição na floresta no semestre passado, Marina contestou as críticas do presidente. Ela disse, inicialmente, que não tinha ouvido as declarações de Lula, mas depois reafirmou que os dados do Inpe são confiáveis e que a situação da Amazônia é emergencial:

– Não se trata de alarde. Trabalhamos com informações do sistema de detecção de desmatamento em tempo real, que foi criado exatamente para nos orientar na fiscalização. Da parte do governo federal, não há nenhum tipo de dúvida. Nós temos a convicção de que é preciso agir com urgência.

A ministra ressaltou que os dados não revelam derrubadas esporádicas, e sim o que chamou de disputa de agentes econômicos para explorar recursos naturais da floresta com fins lucrativos. Marina reafirmou a convicção de que a produção de soja e carne está na origem do desmatamento:

– Continuo não acreditando em coincidências. São regiões de dinâmica econômica significativa, de atividade agropecuária e de exploração irregular de madeira. Não se está fazendo uma acusação generalizada, mas é inegável que existem pessoas desses segmentos promovendo práticas ilegais.

Ela disse que não está fazendo acusação generalizada, mas desafiou os críticos a esperarem os resultados da força-tarefa na região.

– Se alguém quer que a ministra do Meio Ambiente diga se é fulano ou beltrano, na hora em que nós aplicarmos as multas, é só verificar quem serão os multados – afirmou a ministra.

À noite, em São Paulo, Lula voltou a falar do assunto. Disse que o aumento do desmatamento na Amazônia é preocupante, mas o comparou apenas a uma coceira que, pelo incômodo, faz supor que se trata de uma doença grave. Segundo afirmou, ainda é possível conter o desmatamento.

– Acho que (o desmatamento na Amazônia) é preocupante. É como se você tivesse uma coceira e achasse que é uma doença mais grave. Por enquanto, nós temos todas as condições de controlar, de saber quem são as pessoas.

Lula disse, porém, que o governo não pode ser condescendente, e usará a lei para punir quem desmata ilegalmente, além de dificultar financiamentos em bancos públicos. Ele admitiu que pode faltar estrutura para a fiscalização do Ibama e avaliou que poderão ser construídas parceiras com governadores, prefeitos e, principalmente, com a sociedade civil. Lula acrescentou que convocará governadores e prefeitos da região:

– Se a pessoa fez desmatamento ilegal, vamos ter que entrar na Justiça, dificultar-lhe financiamentos nos bancos públicos. Com gente séria a gente trata com seriedade. E quando alguém tenta fazer atos equivocados, hostilidades, temos que usar a lei contra essa gente. Não podemos ser condescendentes.

Segundo Lula, o ministro Stephanes diz que para manter a produção não é necessário mais derrubar “nem um pé de árvore”:

– Há terra já degradada que dá para plantar quanta soja a gente quiser ou quanto gado quisermos.

Perguntado sobre denúncias de que falta estrutura para a fiscalização do desmatamento na Amazônia, o presidente avaliou:

– É bem possível (que falte estrutura). Acho que não cabe só ao Ibama fiscalizar. É importante que a gente construa parcerias com prefeitos, governadores e, sobretudo, com a sociedade civil. Já fizemos concursos para o Ibama, criamos o Instituto Chico Mendes. Agora, quando alguém combater o crime, meu caro, precisamos é cuidar do bandido.

O presidente apresentou a sua versão sobre um eventual pedido de rechecagem dos dados do Inpe sobre o desmatamento. Segundo ele, não se trata de uma rechecagem. Pelo alerta do Inpe, foram desmatados 3.250 km em um trimestre. Lula demonstrou acreditar que o crescimento só foi constatado porque houve uma comparação com uma época em que houve uma redução no desmatamento. Mas não criticou a análise do Inpe.

– Vou dizer o que acho que aconteceu: nós vínhamos há três anos consecutivos mostrando que era possível diminuir o desmatamento na Amazônia. O Inpe, que é o maior instituto de pesquisas da América Latina e de muita seriedade, publica um estudo a cada trimestre. E o que aconteceu é que o Inpe comparou o último semestre de 2007 com o penúltimo de 2006. Como em 2006 tinha caído muito, 2007 apresentou acréscimo no desmatamento. E isso é muito ruim- disse.

O ministros da Justiça, Tarso Genro, que também foi ao Mato Grosso, tentou pôr panos quentes na polêmica sobre os culpados pelo desmatamento:

– Há o manejo ilegal da madeira, a área começa a sofrer uma degradação. Num segundo momento, já se pensa em colocar boi no pasto. Num terceiro, já se pensa na soja. Nem sempre são as mesmas pessoas. Há uma sucessão de atos ilegais, criminosos, que levam à devastação.