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Artigo

Agrotóxicos e recursos hídricos, artigo de Rômulo Penna Scorza Júnior

Uma das maneiras de avaliar o impacto do uso de agrotóxicos nos recursos hídricos consiste no monitoramento de seus resíduos de forma contínua

[Estado de Minas] A agricultura praticada em nosso país ainda tem uma forte dependência da utilização de agrotóxicos, os quais têm a finalidade de controlar pragas, doenças e plantas daninhas, garantindo patamares mais elevados de produtividade e, conseqüentemente, maior retorno econômico da atividade agrícola. No entanto, os agrotóxicos podem ser altamente tóxicos aos diversos organismos que não são o alvo, incluindo os seres humanos.

Os agrotóxicos são aplicados diretamente nas plantas ou no solo. Estudos têm mostrado que mesmo aqueles aplicados diretamente nas plantas têm como destino final o solo, sendo lavados das folhas pela ação da chuva ou da água de irrigação. Depois de chegarem ao solo, os produtos infiltram até nas camadas mais profundas, podendo atingir o lençol freático (reserva de água subterrânea). Esse tipo de transporte dos agrotóxicos denomina-se lixiviação. Outro tipo importante de transporte é quando este ocorre na superfície do solo, juntamente com a água das enxurradas, sendo denominado escoamento superficial.

Esses dois tipos de transporte podem levar à contaminação dos recursos hídricos por resíduos de agrotóxicos. A lixiviação é a principal forma de contaminação das águas subterrâneas enquanto o escoamento superficial tem papel fundamental na contaminação das águas superficiais (rios, lagos, córregos e açudes). O uso de agrotóxicos sem afetar a qualidade dos recursos hídricos é um grande desafio, ainda mais quando se tem escassez de água potável. Importante mencionar que 97% da água de nosso planeta está nos oceanos, ou seja, é salgada. Portanto, restam apenas 3% com potencial de uso pelos seres humanos, dos quais aproximadamente 2% está armazenado sob a forma de gelo nas geleiras. Enfim, apenas 1% da água em nosso planeta está disponível para consumo humano pelas reservas subterrâneas ou superficiais. O Brasil tem 12% de toda água doce superficial disponível no mundo, conferindo-lhe uma posição de destaque quanto à disponibilidade de recursos hídricos.

Embora esta disponibilidade seja uma das maiores do mundo, há necessidade de garantir sua qualidade para as gerações atuais e futuras. Infelizmente, a agricultura pode ter influência negativa na qualidade dos recursos hídricos, conforme os processos descritos acima. Essa influência negativa ocorre, principalmente, devido à utilização excessiva e sem os cuidados adequados. Dessa forma, é preciso que haja conhecimento da qualidade dos mananciais especialmente em regiões sob influência da agricultura. Diante disso, uma das maneiras de avaliar o impacto do uso de agrotóxicos nos recursos hídricos consiste no monitoramento de seus resíduos de forma contínua.

Esse monitoramento consiste em coletas de amostras de água em locais e épocas estratégicas (por exemplo, em poços ou córregos nos dias subseqüentes às aplicações dos agrotóxicos e depois de chuvas intensas). Com possíveis detecções do aparecimento dos resíduos de agrotóxicos nas reservas de água subterrânea e superficiais, medidas devem ser tomadas para evitar agravamento do problema.

Infelizmente, medidas remediadoras, como remoção dos resíduos de agrotóxicos em reservas de água subterrâneas, são muito caras e, em alguns casos, pouco eficientes.

Para identificação e quantificação dos resíduos de agrotóxicos em amostras de água provenientes de reservas subterrâneas ou superficiais, utilizam-se equipamentos laboratoriais modernos, reagentes de alta pureza e pessoal qualificado. Isso torna o custo da análise de resíduos de agrotóxicos bastante elevado. Além disso, as concentrações dos resíduos nas amostras podem ser bem pequenas, tornando o processo de quantificação bastante minucioso e trabalhoso.

Diante dessa preocupação em avaliar o impacto do uso de agrotóxicos nos recursos hídricos, a Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados (MS), tem desenvolvido projetos para responder questões relacionadas ao comportamento ambiental desses produtos. Nesses projetos são desenvolvidos estudos relacionados à lixiviação de agrotóxicos em vários solos do estado, procurando gerar informação sobre o potencial de contaminação das águas subterrâneas. Busca-se também avaliar algumas ferramentas computacionais para prever os riscos de contaminação das reservas subterrâneas e superficiais.

São programas de computador que simulam o comportamento dos agrotóxicos no campo.

Esses projetos têm recebido apoio financeiro dos mais diversos órgãos de fomento nacionais e internacionais, como Embrapa, Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) e a International Foundation for Science (IFS). A Embrapa Agropecuária Oeste está em fase final de estruturação de um laboratório para análise de resíduos de agrotóxicos. Com isso, pretende implementar trabalhos de monitoramento de agrotóxicos em água e solos do Mato Grosso do Sul, procurando identificar os impactos do seu uso na agricultura.

Rômulo Penna Scorza Júnior, Pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados (MS)

Artigo originalmente publicado pelo Estado de Minas, 21/01/2008