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Somente 41% do pampa gaúcho está preservado, revela mapeamento do Bioma. Entrevista especial com Heinrich Hasenack

O mapeamento da cobertura vegetal do Bioma Pampa revelou que 41% do local está preservado. Para continuar com esse percentual positivo, o professor Heinrich Hasenack, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), garante que só existem dois caminhos: um “é identificar áreas bem conservadas de diferentes fisionomias no Bioma e transformar o que for possível em unidades de conservação”, e outro “é definir, para estes 41% com cobertura natural, um tipo de uso que não remova esta cobertura, permitindo simultaneamente a atividade econômica e a conservação”.

Coordenador do mapeamento realizado entre 2004 e 2006, Hasenack lembra, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que todo tipo de cultura introduzido na região traz como “conseqüência a remoção da vegetação natural”. No passado, o arroz, a soja e o milho contribuíram para a devastação do Bioma, e, atualmente “a silvicultura é a atividade que mais converte o campo nativo”, avalia. As árvores responsáveis pela produção de celulose, no entanto, têm o “incoveniente adicional de que estarão substituindo uma cobertura original campestre por um cultivo arbóreo”, considera.

Heinrich Hasenack é graduado em Geografia e mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é docente da mesma universidade.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor realizou estudos no pampa gaúcho entre 2004 e 2006. Qual é a sua avaliação do local? Algum resultado lhe surpreendeu?

Heinrich Hasenack – Eu coordenei o trabalho de mapeamento da cobertura vegetal do Bioma Pampa, o qual contou com uma equipe de profissionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Participaram do processo pesquisadores do Centro de Ecologia, Departamento de Botânica e Centro de Sensoriamento Remoto e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) (de Clima Temperado, de Pelotas, e Pecuária Sul, de Bagé). Faz parte de um projeto maior do Ministério do Meio Ambiente, cujo objetivo foi o Mapeamento da cobertura vegetal dos biomas brasileiros e para o qual foi lançado um Edital. De fato, havia a expectativa de que as formações campestres estariam melhor conservadas do que as formações florestais, embora não tivéssemos uma idéia de valores.

IHU On-Line – Como tem se dado a interação entre flora-fauna-solo-clima no bioma?

Heinrich Hasenack – Esta é uma pergunta complexa, já que o objetivo foi o mapeamento da vegetação, portanto com caráter mais fisionômico e menos florístico. O mapeamento, entretanto, oferece elementos que podem contribuir para estudos sobre essas interações. É provável que regiões com temperaturas mais amenas e com menor precipitação apresentem uma riqueza de espécies vegetais menor. O mesmo é válido para solos pouco desenvolvidos. Embora inúmeras espécies da fauna usem áreas campestres e florestais, a composição da fauna em ambientes campestres é, provavelmente, diferente daquela observada em ambientes florestais.

IHU On-Line – Cerca de 40% da cobertura vegetal do Bioma Pampa está conservada. Que atitudes devem ser tomadas para preservar esse percentual nos próximos anos?

Heinrich Hasenack – Há duas formas. Uma é identificar áreas bem conservadas de diferentes fisionomias no Bioma e transformar o que for possível em unidades de conservação. A segunda alternativa é definir, para estes 40% com cobertura natural, um tipo de uso que não remova esta cobertura, permitindo simultaneamente a atividade econômica e a conservação.

IHU On-Line – Esse percentual de preservação é suficiente?

Heinrich Hasenack – Sim, desde que as unidades de conservação sejam implementadas de fato e não apenas no papel e que a atividade econômica seja de fato sustentável, isto é, que a atividade pecuária, por exemplo, tenha uma lotação que garanta a diversidade de espécies nativas do campo, a proteção do solo e a convivência com espécies da fauna nativa.

IHU On-Line – Que fatores contribuíram para a devastação de mais da metade do pampa gaúcho? A introdução da silvicultura na região agravará os percentuais destacados pelo mapeamento?

Heinrich Hasenack – Toda a atividade agrícola, tanto com culturas anuais, como com cultivos permanentes teve como conseqüência a remoção da vegetação natural. No passado, o arroz foi a cultura que praticamente eliminou os campos úmidos e banhados do Bioma, mais recentemente, de acordo com os preços no mercado internacional, a soja e o milho têm sido cultivados em áreas pretéritas de campo. Esta atividade comprometeu especialmente os campos das Missões e do Planalto Médio. Hoje, estes cultivos já atingem áreas na Campanha também. Atualmente, a silvicultura é a atividade que mais converte o campo nativo. O avanço de qualquer destas atividades representa risco à cobertura natural. A silvicultura tem o incoveniente adicional de que estará substituindo uma cobertura original campestre por um cultivo arbóreo. Na Serra do Sudeste, onde parte da cobertura original foi florestal, isto é compreensível, já na Campanha, eu não diria o mesmo.

IHU On-Line – Segundo o mapeamento, os ecologistas não demonstram preocupação com as diversas espécies cultivadas na região, mas sim a adoção de práticas de produção que são inadequadas à realidade ambiental do bioma. É possível realizar técnicas de manejo em que as diversas culturas possam conviver de maneira adequada com a realidade do pampa gaúcho, mantendo, ao mesmo tempo, a vitalidade do ecossistema?

Heinrich Hasenack – Há espaço para a produção e para a conservação. É necessário, com base nas informações que temos, estabelecer quais são as melhores áreas para produzir e para conservar. Existem áreas boas tanto para produção quanto para conservação. Para estas áreas, devemos ter o bom senso de estabelecer limites para uma e outra.

IHU On-Line – A partir desse mapeamento realizado no pampa, serão criados programas estaduais que visem o uso sustentável da biodiversidade da região?

Heinrich Hasenack – O objetivo que o Ministério do Meio Ambiente teve ao lançar o edital de mapeamento da cobertura vegetal dos Biomas Brasileiros foi de ter dados mais recentes sobre o estado de conservação da vegetação, já que o último levantamento havia sido realizado pelo Projeto Radambrasil, na década de 1970. Este dado é mais um elemento que se espera venha a ser utilizado em todos os níveis para o planejamento e para a gestão do território.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 18/01/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]