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Artigo

transposição do rio São Francisco: A conta de luz de Cabrobó

A conta de energia da transposição (bombeamento), calculada pela tarifa industrial cobrada em Minas, chegará a R$ 1,12 bilhão anual. Quem pagará essa conta? Artigo de Vittorio Medioli, publicado pelo Jornal dos Amigos, 27 dezembro, 2007

Ficarei hoje nos números, estes que muitos ignoram. Dedico essa aridez contábil a Dora Krammer e a Elio Gaspari que ainda não formaram uma opinião sobre a Transposição do Rio São Francisco – a maior obra do governo Lula. Espero estimulá-los a vasculhar a Internet, a entrevistar técnicos, a prestar cuidados com d. Cappio, a não cair no engodo da revitalização – o álibi para ficar de braços cruzados. Tomem nota, se quiserem.

O projeto de transposição considera para o eixo Norte o bombeamento contínuo da vazão mínima de 26 metros cúbicos por segundo à altura de 165 metros. Justamente essa altura provoca um aumento exponencial da energia empregada, já que as bombas, além de empurrar para longe, precisarão segurar o peso da coluna d’água que se gera nos dutos. Será necessária uma potência contínua de cerca de 240 MW, suficiente para consumo residencial de um milhão de pessoas. Mas, quando o bombeamento alcançar a vazão máxima de 127 metros cúbicos, a potência exigida subirá para 1.180 MW – equivalente a 141% de toda a potência das usinas de Três Marias (396 MW) e Moxotó (440 MW) ou à necessidade residencial de 5 milhões de pessoas.

Para se chegar a esse resultado astronômico, foi levada em consideração, além da energia efetivamente gasta, aquela que se deixou de produzir abaixo de Sobradinho pela perda de vazão, sem contar que o segundo eixo deverá levantar as águas a 400m de altura (!).

Segundo estudo do ex-professor da Universidade Federal de Viçosa, Alberto Daker (referência nacional em irrigação), no caso do bombeamento médio anual chegar a 65 m3 por segundo se registrará um gasto/ perda de potência de 590 MW ou 149% da capacidade da usina de Três Marias.

A conta de energia da transposição, calculada pela tarifa industrial cobrada em Minas (R$ 220 por MWh, equivalente a 50% da tarifa residencial), chegará (R$ 220 x 590 MW x 24 horas = R$ 3.115.200 por dia) a um gasto mensal de (R$ 3.115.200 x 30 =) R$ 93.456.000 e anual (x 12) de R$ 1,12 bilhão.

Caso se optasse pelo bombeamento das águas de açudes, cisternas e poços o gasto não passaria de R$ 200 milhões.

Independentemente de quem pagará a conta bilionária (já que os pobres nordestinos nem de longe poderão arcá-la), é saber que existem aqüíferos no Nordeste suficientes para satisfazer o dobro da atual demanda para abastecimento público e irrigação. Mas essas reservas hídricas, inexplicavelmente, não são exploradas. Bota nisso o crônico desleixo, a desorganização, a incúria e a incompetência.

A opção pela transposição é a pior à disposição, porém a mais retumbante para políticos famélicos e demagogos, e a mais lucrativa para empreiteiras. Pior de tudo é o grave conflito que se instalará entre duas regiões paupérrimas, uma que não conseguirá ser atendida a contento e outra que será espoliada de seu único potencial de desenvolvimento: as águas do São Francisco (que já escasseiam).

artigo enviado por Telmo Heinen, colaborador do EcoDebate