EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Cana de Açucar: a história se repete como farsa, artigo de Mayron Régis

[EcoDebate] “A História se repete como farsa”. Com essa frase, escrita em o “18 Brumário de Napoleão Bonaparte”, sobre o golpe militar desferido por Napoleão 3º em 1851, contra o parlamento francês, Karl Marx rubrica com sua ironia o entrechoque na burguesia francesa que rasga o seu projeto de modernidade histórico-política e reveste a si e a seu mundo de prodigalidades consumistas, logo após os levantes populares de 1848 e a repressão política aos operários que se seguiu, como se o mundo dos materiais forjados no calor segurasse o escorrer da sua história pelo ralo – estabilize-se, então, uma história da relação do mundo orgânico com o mundo inorgânico que condiz, perfeitamente, com a História do mundo moderno, pois em nenhum outro momento uma relação encantou tanto a humanidade – para Walter Benjamin, filósofo alemão, o individuo burguês depositava sobre os novos materiais de construção, caso do ferro, uma afetividade que antes ele compartilhava, contudo esta afetividade vem contaminada de desejo de posse – “eu sou afetuoso desde que algo ou alguém me pertença ou desde que receba algo em troca”. As duas – História e farsa – andam juntas a incontáveis anos, embora a História se desvencilhasse da outra quando preciso.

O desmantelo a que se referiu Karl Marx surge quando o que pode ser comprovado pela narração histórica vacila e enfatiza-se, justamente, nas narrativas subseqüentes o episódico, sem que o conjunto esteja ordenado satisfatoriamente. Na eleição de Luis Bonaparte para presidente e em sua aclamação para imperador, os franceses queriam o tio dele de volta com suas glórias militares e como Napoleão Bonaparte morrera havia muito, só restava seu sobrinho para ocupar a vacância. O maior feito de Napoleão III foi desembrulhar a cidade de Paris, famosa por suas revoltas e por suas barricadas, para a modernidade estetizante dos novos materiais de construção – torre Eiffel – e para o capitalismo financeiro do final do século XIX e começo do século XX.

Para o novo mundo que se avizinhava, um mundo de descobertas científicas, transportes de massas e meios de comunicação infalíveis, as cidades deveriam se remodelar, ou seja, tanger o passado ou a miséria ou a fome ou a violência para longe do visual modernista das avenidas espaçosas de Paris. O verbo remodelar é a palavra-chave do capitalismo, principalmente, porque envolve o que este sistema econômico-social mobiliza de mais oportuno que é a imagem – “Uma imagem vale mais que mil palavras”. Como a História se estruturou, em primeiro lugar, em torno da oralidade e depois em torno da escrita, perguntaríamos o seguinte: dá para relatar uma História que não seja por palavras, apenas com imagens, ou dá para relatar uma História escorando o seu discurso sobre imagens? Sociabilizados pelos meios de comunicação de massa, ficamos tentados a relatar uma História desgovernada, sem pé e nem cabeça; uma História cerceada pela velocidade dos acontecimentos; e uma História que viva de novidades e que esqueça da tradição.

No âmbito da discussão sobre os agrocombustíveis e sua sustentabilidade sócio-ambiental, botaram pra escanteio uma História que universaliza o conhecimento para privilegiar o confete e a serpentina das declarações mascaradas. A verdade é que a cultura política brasileira vive mais e mais de mascaramentos, quer dizer, poucos se atrevem a separar o que é real e o que é ilusório. Quando o presidente Luis Inácio Lula da Silva carimba os empresários do setor sucro-alcooleiro de heróis, esse carimbo adoça uma farsa, pois, historicamente, o setor sucro-alcooleiro representa destruição da Mata Atlântica, a escravidão de nações indígenas e africanas, o latifúndio em suas práticas insustentáveis de uso das melhores terras do Brasil e o esbanjamento de dinheiro público. E o setor não mudaria nesse começo do século XXI? Algumas declarações de empresários do setor provariam que a mudança é possível, contudo projetos recauchutados no leste maranhense, mais propriamente em Caxias e em Aldeias Altas, retraem essas expectativas. Comunidades de posseiros denunciam ameaças veladas de “seguranças” das empresas TG Agroindustrial e Comvap para que se retirem de áreas que ou estão em litígio ou foram compradas de forma irregular. Verifica-se também o barramento de vários afluentes do rio Itapecuru para irrigar os canaviais da empresa TG no município de Aldeias Altas.

Mayron Régis, jornalista Fórum Carajás

Esse texto faz parte do projeto Esse texto faz parte do projeto Desintoxicando os excessos do etanol: uma proposta de investigação da dinâmica e dos efeitos da propagação da cana de açúcar na região do Projeto Grande Carajás, projeto do STTR de Loreto, financiado pelo Centro de Apoio Sócio-Ambiental (CASA).

Fórum Online – Publicação da Secretaria Executiva do Fórum Carajás