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Artigo

Esperança sobre a mudança de clima, artigo de Jeffrey D. Sachs

Mensagem positiva é que 190 países chegaram a consenso em torno de plano sensato e ciência e tecnologia nos dão esperanças de realizá-lo

[Valor Econômico] O mundo deu um importante passo rumo ao controle das mudanças climáticas ao aceitar o Plano de Ação de Bali, durante as negociações mundiais, neste mês, na Indonésia. O plano pode não valer muita coisa, uma vez que, basicamente, criou um compromisso mundial de realizar mais conversações, não tendo estipulado ações específicas, mas estou otimista por três razões.

Em primeiro lugar, o mundo mostrou-se suficientemente unido para obrigar os EUA a colocarem um ponto final em sua intransigência. Em segundo lugar, o roteiro firmado evidencia um sensato equilíbrio de considerações. E, em terceiro lugar, são possíveis soluções realistas que permitirão ao mundo combinar desenvolvimento econômico e controle da produção de gases causadores do efeito estufa gases.

O primeiro passo em Bali foi romper o impasse que prejudicou a reação mundial contra as mudanças climáticas desde a assinatura do Protocolo de Kyoto, uma década atrás. Desta vez, o mundo unido chegou a vaiar a principal negociadora americana até que revertesse sua posição e aceitasse assinar o Plano de Ação de Bali.

Analogamente, a indisposição de importantes países em desenvolvimento, como China e Índia, de aderir a um plano, também parece estar chegando ao fim, embora reste considerável carga de trabalho para as elaboração de um acordo mundial capaz de conquistar apoio de países ricos e pobres.

Isso exige o balanceamento de muitas preocupações. Primeiro, precisamos estabilizar a produção de gases-estufa para evitar perigosa interferência humana no sistema climático, sendo esse o principal objetivo da Convenção Balizadora sobre Mudanças Climáticas da ONU, de 1992, tratado mundial sob o qual desenvolveram-se as negociações em Bali.

Segundo, precisamos fazer isso ao mesmo tempo em que deixamos espaço para continuado e rápido desenvolvimento econômico e redução de pobreza. Os países pobres não aceitam, e não aceitarão, um sistema de controle climático que os condene a permanecer pobres. Terceiro, precisamos ajudar os países a adaptarem-se às mudanças climáticas que já em curso e que serão mais intensas no futuro.

O Plano de Ação de Bali aborda todas as três preocupações. O ponto principal do plano é estabelecer um Grupo de Trabalho Informal para formular um detalhado acordo mundial até 2009 que estipulará compromissos “mensuráveis, reportáveis e verificações” para reduzir as emissões de gases estufa.

Esses compromissos deverão assumidos no contexto de “desenvolvimento sustentável”, ou seja, reconhecendo que “desenvolvimento econômico e social e redução de pobreza são prioridades mundiais”. O plano também prevê a transferência de conhecimento para capacitar os países pobres a adotarem tecnologias ambientalmente sensatas.

A grande incógnita, naturalmente, é se a estabilização da produção de gases estufa, persistência do desenvolvimento econômico e adaptação às mudanças climáticas podem ser alcançadas simultaneamente. Não com nossas atuais tecnologias, mas, se desenvolvermos e adotarmos rapidamente novas tecnologias que estão ao alcance de nosso conhecimento científico, então sim.

O desafio mais importante é reduzir e, ao cabo de algum tempo, quase eliminar as emissões de dióxido de carbono da queima de combustíveis fósseis como petróleo, gás natural e carvão. Esses combustíveis estão no cerne da moderna economia mundial, suprindo aproximadamente 80% da energia comercial mundial. Essas emissões podem ser eliminadas migrando para formas renováveis de energia ou reduzindo as emissões de combustíveis fósseis.

A percepção fundamental é de que aproximadamente 75% de nosso uso de combustíveis fósseis corresponde a um pequeno número de fins: produzir eletricidade e calor em usinas geradoras de eletricidade, mover automóveis, aquecer edifícios e prover energia a um pequeno número de indústrias, como refinarias, usinas petroquímicas, fábricas de cimento e siderurgia. Precisamos de novas tecnologias ambientalmente sensatas em cada um desses setores.

Por exemplo, usinas de eletricidade podem adotar a energia solar ou capturar e descartar com segurança o dióxido de carbono que produzem devido ao uso de combustíveis fósseis – e o mesmo podem fazer grandes fábricas.

Automóveis podem ser projetados para rodar mais mediante o emprego de tecnologia híbrida, combinando energia elétrica de baterias e energia da gasolina. Edifícios podem reduzir suas necessidades de aquecimento mediante isolação aperfeiçoada ou migrando do uso de óleo em aquecimento para o emprego de eletricidade produzida por tecnologia limpa.

Segundo as melhores estimativas econômicas e de engenharia, se cada setor econômico chave desenvolver e adotar tecnologias ambientalmente saudáveis nas próximas décadas, o mundo poderá reduzir enormemente as emissões de carbono, a um custo inferior a 1% da renda mundial anual, evitando, assim, danos de longo prazo muito mais dispendiosos.

Em outras palavras, o mundo pode combinar crescimento econômico com redução das emissões de dióxido de carbono. E os países ricos terão condições de arcar com os custos da ajuda para que os países pobres empreguem as novas e mais limpas tecnologias.

Para obtermos um acordo até 2009, precisamos deixar para trás as atuais generalidades, através das quais países ricos e países pobres discutem sobre a quem deveria ser atribuída a culpa pelas mudanças climáticas e quem deveria arcar com os custos. Precisaremos de um verdadeiro “business plan” mundial que detalhe como as novas tecnologias serão desenvolvidas, testadas e adotadas em regime acelerado em todo o mundo.

Precisamos assegurar que todos os países adotem uma estratégia verificável para tecnologias não agressivas ao meio ambiente e que os países ricos concretizem as promessas do Plano de Ação de Bali, de proporcionar “incentivos financeiros e de outros tipos” para permitir que os países pobres adotem as novas tecnologias.

Com tantas crises afligindo nosso mundo, há talvez descrédito de que mais uma conferência mundial fez pouco mais do que prometer continuar negociando. Mas vejamos, em vez disso, a mensagem positiva: 190 países chegaram a um consenso em torno de um plano sensato, e nossas ciência e tecnologia nos dão esperanças realistas de concretizá-lo.

Há considerável e difícil trabalho à frente, mas a situação é melhor, em conseqüência das deliberações em Bali. Agora é hora de arregaçar as mangas e viabilizar o que prometemos.

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra na Universidade Colúmbia. É também assessor especial do secretário-geral da ONU para as Metas de Desenvolvimento do Milênio. Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org.

Artigo originalmente publicado no Valor Econômico, 26/12/2007