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Dez conquistas de Dom Frei Luis Flávio Cappio, segundo frei Gilvander

[EcoDebate] De longe e de perto, tivemos a alegria e a responsabilidade de participar da luta de Dom Cappio que encabeçou a luta do povo em prol do rio São Francisco. Na missa do dia 21/12/2007, em frente à capela de São Francisco, em Sobradinho/BA, na “Carta aos irmãos e irmãs do São Francisco, do Nordeste e do Brasil” – após 24 dias de jejum e oração – Dom Cappio suspendeu o jejum e decidiu adotar outras estratégias. Tivemos, então, a oportunidade de lembrar 10 conquistas de seu valioso testemunho, enquanto palavras e atitudes proféticas de frei Luis estão sendo ignoradas por autoridades que se fazem surdas à voz do povo.

Na capela de São Francisco, na cidade de Sobradinho, graças ao rio São Francisco, irrompeu um aspecto importante do sentido do NATAL de 2007 para o Brasil. Os 24 dias de jejum e oração de dom Cappio revelaram o crescente compromisso de milhões de brasileiros pela preservação do Rio São Francisco. Por outro lado, desmascararam a ignorância e a omissão de muitos cidadãos bem como a arrogância do Governo e o cinismo de instituições.

1) O gesto de Dom Cappio mostrou que os quatro poderes – midiático, executivo, legislativo e judiciário – continuam de joelhos diante do poder econômico nacional e internacional. Evidenciou-se a verdade sobre a malfadada Transposição.

2) O mesmo revelou que o Governo do presidente Inácio da Silva se revestiu de autoritarismo, arrogância e prepotência na corrupção. Politicamente, não se legitima a transposição do Velho Chico. Tanto isto é verdade que o povo e os movimentos populares se levantam para defender as águas como bem comum, não aceitando sua mercantilização, cujo primeiro resultado será o hidronegócio.

3) Dom Cappio reforçou a Via Campesina, os movimentos populares e lideranças sociais, setores religiosos e a consciência cidadã a fim de prosseguirem na luta ecológica, ligada às lutas contra injustiças sociais, políticas e econômicas.

4) Frei Luis irrompeu como uma forte liderança do Brasil atual. Será como uma “espada de Dâmocles”[1] levantada sobre a cabeça dos quatro poderes, das Instituições, dos cidadãos, cúmplices do crime e acomodados. A voz e o testemunho de frei Luis valorizaram o amor pela causa dos pobres.

5) O gesto profético de Dom Cappio curou a cegueira de milhões de pessoas. Usou jejum e oração, instrumento que desmonta a mentira; mobilizou a CNBB, a Igreja Católica, os cristãos, boa parte de seu clero e dos religiosos.

6) Nas mentes e corações de milhares de pessoas despertou indignação e as informou com a verdade sobre a insana, ineficiente e faraônica Transposição do rio São Francisco e sobre as mentiras que emanam da Praça dos Três Poderes em Brasília.

7) Internacionalmente, a repercussão gerou bons frutos. A Comissão Pastoral da Terra, a Via Campesina, Pastorais Sociais e parte dos movimentos populares não mediram esforços na luta ao lado de Dom Cappio. E saíram fortalecidos.

8) A maior conquista é Dom Cappio vivo entre nós. Mais do que nunca será, daqui pra frente, um grande profeta no meio do povo para encorajar a luta dos pequenos para denunciar arbitrariedades e desumanidades dos quatro poderes que, travestidos de Estado de Direito, insistem em imperar sobre os pobres e sobre o ambiente natural.

9) O gesto profético de Dom Luiz sacudiu a Igreja, o Governo e pessoas de tantas instituições. A força cristalina de seu testemunho de profeta toca feridas profundas, encobertas por discursos fáceis, palavras jogadas ao vento.

10) Agora, Dom Cappio retoma uma modalidade de luta assentada sobre a fina flor da tradição cristã: jejum e oração. Resgata no coração de muitos militantes uma espiritualidade nova. Jejuar e orar continuam sendo expressão da resistência contra os faraós de hoje.

Enfim, as reflexões oriundas do testemunho de Dom Cappio farão borbulhar o Espírito para suscitar e dinamizar muitas outras lições como testemunho de autêntica cidadania.

Frei Gilvander Moreira, Frei Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBs, SAB, CEBI e Via Campesina, colaborador e articulista do EcoDebate. E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

Belo Horizonte/MG, natal de 2007.

[1] O poderoso Rei de Siracusa, a mais rica cidade da Sicília, Dionísio (432-367 a.C.), vivia em um luxuoso palácio rodeado por guardas e empregados prontos a atender a todas as suas ordens e satisfazer todos os seus desejos. Ele comandava o império com poderes absolutos. Sua palavra era lei – uma ordem a ser cumprida sem questionamento. Acontece que, um de seus melhores amigos, Dâmocles, vivia afirmando que ele, como tinha o destino do povo em suas mãos, era o homem mais feliz da terra. Cansado de tanto ouvir a mesma conversa, desafiou seu súdito a vivenciar, por um único dia, todas as regalias de um reinado invejável. Aceita a proposta, Dâmocles colocou as vestes reais, recebeu o cetro e a coroa de ouro e foi apresentado a todos como o novo monarca. Para consolidar sua autoridade, o novo rei ordenou a preparação de um grande banquete, com a presença dos mais ilustres convidados. Assim foi feito. Durante a belíssima festa, Dâmocles foi saborear o vinho da mais antiga safra existente na adega, levou o copo aos lábios, inclinou a cabeça para trás e, como se tivesse visto um fantasma, empalideceu. Ele viu uma brilhante e pontiaguda espada direcionada para a sua testa, segura apenas por um fio de crina de cavalo. Ninguém poderia vê-la, somente quem estivesse sentado no trono real. Enquanto ele tremia de medo, o verdadeiro rei gargalhava à sua frente. Daí, a expressão “espada de Dâmocles”.