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Balanço anual da Vale em 2007, por Nelson Batista Tembra

[EcoDebate] Ao dar a informação no almoço de balanço anual da Vale com jornalistas de todo o país e correspondentes estrangeiros, no último dia 7 de dezembro, Roger Agnelli avançou substancialmente no discurso em relação ao do ano passado, e acabou fazendo uma crítica contundente aos governos do PSDB. Devemos concordar com Agnelli, pelo menos parcialmente. São muitas as reportagens veiculadas na imprensa, notadamente em “O Liberal”, que poderiam servir de base para considerar procedente a afirmação sobre a “politização na relação do governo anterior com a empresa”.

No primeiro semestre de 2003, por exemplo, a Vale anunciou que investiria no Projeto Bauxita, no Pará, empreendimento que viria a gerar cerca de 2.500 empregos em Paragominas, na fase inicial. Segundo o relatório de impacto ambiental produzido, em relação à alteração do cotidiano das populações, iniciado o processo de implantação, esta poderia se fazer presente nas localidades e municípios da região com um maior número de pessoas, em particular indivíduos masculinos. A circulação e permanência dos mesmos poderiam afetar o cotidiano da vida das populações locais. Contextos sociais similares têm tido como manifestação associadas a este quadro o aumento da violência e da prostituição, com conseqüentes doenças infecto-contagiosas e sexualmente transmissíveis.

Como observadores, não endossamos ações que pudessem ou possam implicar a utilização do licenciamento ambiental como simples “moeda de troca” para a obtenção de compensações, nem entendemos ser essa a intenção do atual governo. Como exemplo do passado recente, citamos a demora na liberação do licenciamento ambiental para o projeto de extração de bauxita da Companhia Vale do Rio Doce em Paragominas, como simples represália do governo anterior à implantação do pólo siderúrgico que a empresa levaria para o Maranhão, conforme foi amplamente divulgado na imprensa.

Gostaríamos de destacar a postura de defesa que chegamos a assumir em relação ao Projeto Bauxita de Paragominas, em obediência à ética profissional. Dentre as entidades públicas ou privadas atuantes em toda a região, fomos dos poucos, se não os únicos, a sair em defesa do projeto publicamente, através do Jornal O Liberal, o qual publicou na página 2 do caderno PAINEL de 15 de fevereiro de 2004, matéria onde saímos em defesa da Vale, criticando o então Governo do Estado do Pará na medida em que este condicionava a liberação da licença prévia do Projeto Bauxita de Paragominas a certas compensações, em nosso entendimento indevidas, exigidas em troca pela perda do pólo siderúrgico que iria para o Maranhão.

Tanto que em março de 2004, a Vale decidiu ingressar com dois mandados de segurança na Justiça estadual para forçar o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) e a então Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam), do Pará, a se pronunciarem a respeito da concessão da licença ambiental para implantação da mina em Paragominas, incluindo a construção do mineroduto para transportar o minério extraído naquele município até um terminal em Barcarena.

Em razão da agenda de compensações apresentada pelo governo da época, a qual previa inclusive, a construção de trinta mil casas populares, a CVRD optou pela alternativa judicial para dirimir de uma vez por todas o impasse que cercava a implantação do projeto, ganhando a licença pretendida, até porque, segundo a legislação, a Sectam teria o prazo máximo de um ano para se manifestar sobre o licenciamento, sob pena da migração dessa atribuição para o Ibama, o que seria ainda mais humilhante. O Governo do Estado e a Companhia Vale do Rio Doce, finalmente, encontraram uma ‘saída’ para o impasse em que se transformou a liberação da licença ambiental para o início da lavra em uma das minas mais importantes do setor no país.

Na prática, houve uma grande distorção no enfoque da questão, pois àquela altura já era extemporâneo falar-se em compensações pela perda do pólo siderúrgico, para o qual não existia volta. Em vez de interromper projetos tentando obter compensações indevidas, em virtude de não constarem em processos de licenciamento ambiental, seria mais produtivo que tivessem feito valer na melhor concepção, a Lei Ambiental Estadual sem tentar estabelecer “moedas de troca” políticas aleatórias, mas analisando tecnicamente “com lupa” os projetos e definindo previamente as compensações de cada um deles, com isenção, imparcialidade e em comum acordo com o empreendedor, no caso a Vale, além do Governo Federal e os municípios envolvidos.

Concluindo, o jargão que o Pará tinha de ser compensado pelo pólo siderúrgico do Maranhão acabou se transformando em um mito. Primeiro, porque a decisão de levar o empreendimento para o estado vizinho não era recente, já teria sido tomada pela Vale há décadas e, com certeza, isso ocorreu devido ao empenho político de representantes que não dormiram tomando rupinol nem brigaram entre si tentando acordos individuais. Pelo contrário, firmaram – ou tentaram firmar – parcerias coletivas, explícitas com a sociedade, propondo-se a entrar com parte da infra-estrutura e tomando providências de atribuição do Estado para viabilizar a implantação do projeto. Lamentavelmente, enquanto se preocupava com compensações pelos possíveis projetos do Maranhão, o Pará se esquecia de estabelecer legalmente e formalmente, através do licenciamento ambiental, as justas compensações pelo projeto bauxita, efetivamente instalado em território paraense, independentemente de todas e quaisquer ações voluntárias efetivamente já desenvolvidas pela empresa em qualquer segmento.

A questão do relacionamento entre a Vale e o Governo do Pará foi abordada por Roger Agnelli diante da declaração feita no dia 6 de dezembro, na cidade de Breves, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em visita ao Pará e na presença da governadora Ana Júlia Carepa, Lula criticou a Vale, por se limitar à exportação de minério bruto, e observou que a empresa “deve mudar a sua lógica”.

Para Roger Agnelli, a articulação entre a Vale e o governo estadual é importante porque, atuando juntos, poderão mais facilmente identificar os interesses comuns e priorizar os investimentos, ajudando-se mutuamente. “Com a Ana Júlia no governo e o apoio indispensável do presidente Lula, que também tem interesse nisso, nós poderemos trabalhar de mãos dadas”, aduziu. Dada à dimensão dos interesses da Vale no Pará, conforme frisou, a Vale poderá ajudar o Estado a fazer muita coisa – “e isso não só em termos de dinheiro”, destacou.

Enfim, espero que não seja propaganda enganosa, mas as partes parecem ter compreendido que devem verticalizar a produção mineral no próprio estado, e prever e definir conjuntamente, antecipadamente e harmonicamente, todas as medidas e ações; de compensação, de mitigação de impactos negativos e incremento dos positivos, especialmente as ações socioeconômicas, e a quem cabem as atribuições, se ao empreendedor ou ao poder público municipal, estadual ou federal, além do atendimento de macro-necessidades infraestruturais aos projetos. Resta a nós, pobres mortais, continuar torcendo positivamente, pacientemente e patrioticamente, pelos resultados práticos concretos de tudo o que foi anunciado nos magníficos pronunciamentos, cientes que na prática, a teoria pode vir a ser bem diferente.

Nelson Batista Tembra, Engenheiro Agrônomo e Consultor Ambiental, com 27 de experiência profissional, é colaborador e articulista do EcoDebate