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Artigo

Itapecuru – O rio da nossa aldeia pede socorro, por Paulo Melo Sousa

[EcoDebate] O Itapecuru é o rio autenticamente maranhense, único que nasce e deságua no próprio Estado. Referência histórica sob o ponto de vista da colonização, funcionou durante muito tempo como meio de transporte, escoando a produção, principalmente agrícola, dos primeiros desbravadores da terra. Berço de inúmeras tribos indígenas, os primeiros donos da região, o rio veio sendo gradativamente destruído, manietado pela ganância de grandes latifundiários, pela ignorância ambiental dos ribeirinhos e pela incúria de políticos incompetentes ou entregues ao escarro da corrupção. Ao longo de todo esse outrora vigoroso curso d’água, os peixes eram encontrados com facilidade, dentre eles o imponente surubim, de saudosa memória. As cheias eram freqüentes e sucuris metiam medo até nos mais destemidos. Miragens do passado. O rio não mete mais medo a ninguém. Antes, causa pena a sua derrocada hídrica, tragédia anunciada que não vem sendo evitada. Em cada município banhado pelo Itapecuru são mapeadas as cicatrizes ambientais provocadas pela ação antrópica – leia-se ação humana -, cuja presença em qualquer lugar representa um câncer para os ecossistemas. A espécie humana é a grande destruidora da natureza. Mesmo dotada de inteligência não utiliza a consciência para evitar os danos ao meio ambiente e, por extensão, a si mesma.

Caxias, município cortado pelo rio Itapecuru, o cenário de destruição ambiental reproduz o trágico panorama de impacto verificado em toda a extensão do mais importante manancial hídrico do Maranhão. Numa rápida viagem embarcada, localiza-se a presença ostensiva de lixo, desmatamento de mata ciliar, queimadas em suas margens, lançamento de esgoto in natura no curso d’água, dragagem da areia do leito e até barragem sufocando um afluente, o Itapecuruzinho. Os efeitos são previsíveis, assoreamento sistemático com a diminuição da profundidade do rio, que vem sendo condenado a morrer afogado pela areia que é despejada em seu combalido leito.

A questão das águas é tema de segurança nacional, embora não venha sendo tratada dessa forma. Já é de domínio público que, num futuro não muito distante, faltará água para a população. Na verdade, cidades como São Luís já apresentam racionamento há muito tempo, e a disputa pelo líquido poderá ensejar o surgimento de guerras. Na carona da escassez, os refugiados ambientais se multiplicarão mundo afora. No Maranhão, muitos municípios foram erguidos ou surgiram a partir da vinda de refugiados das secas do Ceará, tanto a do final do século XIX quanto a de 1915. Em Caxias, muitos moradores são descendentes de cearenses que vieram se abrigar às margens do Itapecuru em busca da água que agora vem minguando a cada dia.

No município, principalmente no entorno da cidade, as leis ambientais não são respeitadas. Segundo a Resolução de nº 303 / 2002 do CONAMA – Conselho Nacional das Águas, que dispõe sobre “parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanentes – APP’s”, no seu artigo 3º está disposto que “constitui uma APP a área situada: I – em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto (do curso d’água), em projeção horizontal, com largura mínima: a) de 30m, para o curso d’água com menos de 10 metros de largura; b) de 50m, para o curso d’água com 10 a 50m de largura”. Em vários trechos do Itapecuru a legislação deveria ser observada. Deveria, pois o que se verifica é que o desmatamento ocorre às margens do rio, em toda a área urbana de Caxias, o que caracteriza franco crime ambiental.

Outra situação de evidente desvio das normas ambientais se verifica no balneário da Veneza. Ali, existe uma nascente valiosíssima, precedida de uma vereda, “espaço brejoso ou encharcado, que contém nascentes ou cabeceiras, onde há ocorrência de solos hidromórficos, renques de buritis…”, segundo a Resolução do CONAMA, nada pode ser construído num raio de 50m da nascente, mas não é isso o que se observa. E ainda, segundo a mesma determinação, nada deveria ser construído “num raio de 50m, para os mananciais que estejam situados em áreas rurais… com até 20 hectares de superfície”. As construções no balneário estão às margens do lago da Veneza, que também é um contribuinte do Itapecuru. Em Caxias, a legislação ambiental é letra morta, o que exige ação da sociedade civil organizada. Lembrando Fernando Pessoa, “O Tejo é mais belo que o rio que corre na minha aldeia, / mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. O Itapecuru é o rio da nossa tribo, é mais belo que o Tejo e sonha continuar correndo por nossa aldeia. Mãos à obra, Timbiras!

Paulo Melo Sousa é jornalista e poeta.

artigo enviado por Rogério Almeida, colaborador e articulista do EcoDebate