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Artigo

Quem é Dom Cappio, por Frei Gilvander Moreira

O bispo que faz greve de fome contra a Transposição do rio São Francisco

[EcoDebate] Dom Cappio, 61 anos, ainda frade jovem, militou na Pastoral Operária em São Paulo. Nasceu dia 04 de outubro, dia São Francisco. Por isso, também, revela uma paixão sem igual pela causa sanfranciscana e um amor extremado pelo povo da bacia sanfranciscana e do semi-árido. Há 40 anos atrás chegou à Diocese de Barra, no médio São Francisco, só com a roupa do corpo e sandálias nos pés. Fez um dos melhores cursos de teologia do Brasil, em Petrópolis. Foi aluno de Leonardo Boff e de tantos outros teólogos da Teologia da Libertação. Cursou economia também.

Em 1997, ordenado bispo da Diocese de Barra (BA), na região do médio São Francisco, consolidou a sua proximidade com o rio e com os ribeirinhos, de quem tem reconhecido respeito e admiração.

Entre os anos de 1992 e 1993 peregrinou desde a nascente do rio São Francisco, em Minas Gerais, até a foz, entre os estados de Alagoas e Sergipe, conclamando as comunidades a abraçarem a defesa do Velho Chico. Um pouco desse movimento ecológico-religioso pode ser lido no livro: “O Rio São Francisco, uma caminhada entre a vida e morte” (Editora Vozes), escrito por Cappio, Adriano Martins e Renato Kirchner.

Para Dom Cappio o rio São Francisco é “a mãe e o pai de todo o povo, de onde tiram o peixe para comer, a água para beber e molhar suas plantações – principalmente em suas ilhas e áreas de vazantes. Mesmo não sendo o maior rio brasileiro em volume d’água, talvez seja o mais importante do país, porque é a condição de vida da população. Sempre dizemos: rio São Francisco vivo, povo vivo; rio São Francisco doente e morto, população doente e morta”.

Em 2005 fez um jejum (“greve de fome”) de 11 dias, entre 26 de setembro e 05 de outubro, em Cabrobó (PE) contra a Transposição do Rio São Francisco, em defesa da Revitalização do Velho Chico e de um Projeto de Convivência com o Semi-árido.

Dom Cappio afirmou publicamente que se a promessa do Presidente Lula de abrir um amplo e sério diálogo com a sociedade sobre o Projeto de Transposição não fosse cumprida, ele voltaria ao jejum e não estaria sozinho. Esgotadas e infrutíferas foram todas as tentativas de diálogo nos últimos dois anos. Dessa forma, Dom Cappio retomou o jejum no dia 27 de novembro de 2007, na Capela de São Francisco, em Sobradinho (BA), ao pé da barragem de Sobradinho, o maior lago artificial do mundo que está com menos de 14% da sua capacidade, o que revela que “o Velho Chico está na fila do SUS e não sabe se vai ter direito a uma UTI”, profetisa Dom Luiz.

Dom Cappio, em Carta ao Presidente Lula, afirmou: “Uma nação só se constrói com um povo que seja sério, a partir de seus dirigentes. A dignidade e a honradez são requisitos indispensáveis para a cidadania. Portanto retomo o meu jejum e oração. E só será suspenso com a retirada do exército nas obras do eixo norte e do eixo leste e o arquivamento definitivo do projeto de transposição de águas do rio São Francisco. Não existe alternativa. Acredito que as forças interessadas no projeto usarão de todos os meios para desmoralizar nossa luta e confundir a opinião pública. Mas quando Jesus se dispôs a doar a vida, não teve medo da cruz. Aceitou ser crucificado, pois este seria o preço a ser pago. A vida do rio e do seu povo ou a morte de um cidadão brasileiro.”

Dom Cappio não está sozinho na luta contra a Transposição. Com ele estão cerca de 900 organizações populares que integram a ASA – Articulação do Semi-Árido, a CNBB, a OAB, A SBPC, que em um congresso com os melhores hidrólogos do mundo demonstrou que a Transposição será uma tragédia e o Ministério Público da Bacia sanfranciscana. Também estão com D. Cappio os grandes “técnicos” entendidos no assunto, tais como, prof. Dr. João Abner Guimarães Jr. (ex-diretor da Agência de Águas do Rio Grande do Norte, Dr. em Recursos Hídricos, da UFRN), João Suassuna (pesquisador da Fundação João Nabuco), Aldo Rebouças (Dr. prof. da USP), Roberto Malvezzi (da CPT), Ruben Siqueira (Filósofo e mestre em Ciências Sociais), Prof. Apolo Heringer (da UFMG e Projeto Manuelzão), Dra. Luciana Loury e tantos outros operadores do Direito, centenas de Colônias de Pescadores, comunidades quilombolas, povos indígenas e pessoas comuns do povo que procuraram conhecer a fundo esse tema.

Só quem vive imerso na doação incondicional de Deus é capaz de gestos de tão extremada generosidade. Quem sabe que tem Deus sempre por perto, pode, destemido, enfrentar o inóspito poder dos que se julgam fortes! É imperioso abrir um amplo debate nacional sobre as alternativas para garantir acesso à água e desenvolvimento sustentável para o semi-árido. Temos certeza de que, sendo feito com honestidade e verdade, este debate demonstrará o quanto o projeto de transposição é nefasto e favorece apenas empreiteiras, hidronegociantes, grandes empresários, o grande capital internacionalizado, em detrimento do nosso Povo.

Salve D. Cappio! Pela coragem, pela fé em Deus e pela determinação em doar a própria vida pelo bem do povo! É hora de juntos com D. Cappio dizermos, na prática, com ações concretas e coletivas: NÃO À TRANSPOSIÇÃO!

Frei Gilvander Moreira, Frei Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBs, SAB, CEBI e Via Campesina, colaborador e articulista do EcoDebate. E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br