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Relatório do Pnud 2007-2008. Estilo de vida dos mais ricos consome nove planetas

O Relatório do Desenvolvimento Humano 2007-2008 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) lançado no dia de ontem intitulado ‘Combater a Mudança Climática: Solidariedade Humana num Mundo Dividido’, revela um mundo cada vez mais dividido entre nações altamente poluidoras e países pobres. O relatório afirma que, se cada pessoa pobre do planeta levasse o mesmo estilo de vida de alto consumo de energia dos alemães ou ingleses, quatro planetas seriam necessários para absorver a poluição. A conta cresce para nove planetas quando a comparação é feita com um habitante médio dos Estados Unidos ou do Canadá. Ainda pior. Os que menos poluem serão os primeiros a pagarem as conseqüências pelo aquecimento global. A síntese é do sítio brasileiro do Pnud, 27-11-2007.

Eis a síntese.

O Relatório do Desenvolvimento Humano 2007-2008 do Pnud mostra que, enquanto os pobres contribuem de maneira desprezível ao aquecimento global, são eles que vão sofrer os resultados mais imediatos da mudança no clima. O aquecimento global, alerta o relatório, provavelmente desencadeará um forte retrocesso no desenvolvimento e o completo fracasso em implementar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), acordados na Organização das Nações Unidas em 2000, para a redução da pobreza mundial.

As desigualdades

Pegadas de carbono desiguais:

Enquanto apenas 13% da população do planeta vivem nas nações economicamente mais desenvolvidas, são essas as nações responsáveis por mais da metade da emissão dos gases de efeito estufa.

O estado australiano de Nova Gales do Sul (6,9 milhões de habitantes) tem uma pegada de carbono de 116Mt Co2. Esse índice é comparável ao total de Bangladesh, Camboja, Etiópia, Quênia, Marrocos, Nepal e Sri Lanka juntos.

Nos Estados Unidos, os 23 milhões de habitantes do estado do Texas somente são responsáveis por mais emissões de gás carbônico (CO2) do que os 690 milhões de habitantes da África subsaariana.

Um residente médio dos Estados Unidos é responsável pela emissão de 20,6 toneladas de gás carbônico por ano. Um chinês médio, 3,8 toneladas; um etíope, apenas 0,1 tonelada.

O crescimento per capita de emissão de CO2 no Canadá desde 1990 (cinco toneladas) é maior do que o total de emissões per capita na China hoje.

Os Estados Unidos e a União Européia juntos são responsáveis por 10Gt das 29 Gt liberados anualmente em todo o planeta.

Se todo o mundo seguisse a trajetória dos Estados Unidos nas emissões de CO2, afirma o relatório, nós precisaríamos de nove planetas para absorver, a salvo, todos os gases que provocam o efeito estufa.

Apartheid da adaptação

Enquanto os países mais pobres são os mais despreparados para se adaptarem às mudanças climáticas, são as suas populações que passarão pelo maior deslocamento nas próximas décadas.

Numa seção especial do relatório, o ex-arcebispo da Cidade do Cabo, Desmond Tutu, chama a isso de o surgimento do “Apartheid da Adaptação”. As desigualdades são várias:

Os países ricos possuem muito mais recursos para aplicar em defesas contra enchentes, sistemas de armazenamento de água e em modificações na agricultura. Atualmente, o Reino Unido gasta anualmente US$1,2 bilhão no manejo de enchentes e prevenção da erosão costeira. A Agência Ambiental requisitou US$ 8 bilhões a serem investidos no fortalecimento das defesas contra enchentes em Londres.

O estado alemão de Baden-Württemberg estima que terá que gastar um excedente de US$685 milhões por ano, em infra-estrutura de proteção contra enchentes. O Japão elaborou planos de proteção do país contra a elevação dos níveis do mar, cujos custos poderiam chegar a $93 bilhões.

Ao mesmo tempo, mulheres do Delta do Ganges, Bengala Ocidental, na Índia, se preparam contra os crescentes riscos de enchente, construindo como refúgio, plataformas elevadas feitas de bambu. Soluções semelhantes estão sendo introduzidas nas ilhas Char, em Bangladesh. No Egito, estima-se que o aumento do nível do mar pode custar ao país US$ 35 bilhões e desalojar dois milhões de pessoas.

O relatório afirma que US$ 279 milhões foram prometidos ao Fundo Especial de Mudança Climática, formado para ajudar os países pobres a mitigar os efeitos do aquecimento global. Isso corresponde à metade do que o estado alemão de Baden Würtemberg planeja gastar anualmente para fortalecer suas proteções contra enchentes.

Em alguns locais, a agricultura comercial poderá se tornar 8% mais produtiva em conseqüência do aquecimento global. Por outro lado, a previsão para a agricultura irrigada por chuvas, da qual depende o agricultor mais pobre, é de que se torne 9% menos produtiva. A estimativa para 2060 é de que a renda da África do subsaariana caia um quarto em relação aos níveis atuais.

Na Etiópia, os reservatórios armazenam 50 metros cúbicos de água por pessoa. Na Austrália, eles armazenam 4.700 metros cúbicos por residente.

A França gasta atualmente em sistemas de monitoramento meteorológicos mais do que gasta toda a África do Subsaariana. A Holanda possui 32 vezes mais estações meteorológicas por 10 mil km² do que a África.

Quando furacões, enchentes e secas atingem o mundo desenvolvido, companhias de seguro privadas compensam grande parte das vítimas. Nos países mais pobres, a cobertura dos seguros é extremamente limitada e desastres naturais podem desencadear a condenação à pobreza por gerações. Isto ficou demonstrado quando o furacão Mitch atingiu Honduras, em 1998. A porção mais pobre da população, com menos cobertura de seguro, perdeu mais e levou mais tempo para se recuperar.

Os mais ricos perderam menos e começaram o processo de reconstrução mais rápido. Fenômeno semelhante aconteceu quando Nova Orleans foi arrasada pelo furacão Katrina em 2005. Em 2001, quando Gujurat na Índia sofreu um forte terremoto, somente 2% das vítimas possuíam seguro.

O relatório destaca ainda uma outra questão relacionada: a atenção da mídia enfoca mais os desastres que acontecem no primeiro mundo, tais como a enchente causada pelo furacão Katrina. Igualmente devastadores furacões na América Central recebem apenas uma fração da atenção e uma fração dos recursos de reconstrução pós-desastre.

“Adaptação tornou-se um eufemismo para injustiça social em escala global”, alertam os autores do Relatório de Desenvolvimento Humano. “Cada vez mais, o mundo é dividido entre países que estão desenvolvendo a capacidade de se adaptar à mudança climática e aqueles que não estão”.

(EcoDebate) síntese publicada pelo IHU On-line, 28/11/2007 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]