EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Obra registra saber medicinal do Cerrado

Livro feito por rede de organizações não-governamentais detalha as propriedades de nove plantas usadas por comunidades da região, por Rafael Sampaio, da PrimaPagina.

Um livro em fase final de preparação, feito por uma rede de organizações não-governamentais e acompanhado pelos ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, vai registrar, pela primeira vez, a “sabedoria medicinal” das comunidades do Cerrado. A obra terá mais de 300 páginas, mais de 500 ilustrações, e abordará as propriedades curativas que as populações rurais de Goiás, Minas Gerais, Tocantins e Maranhão detectam em nove plantas da região, como o barbatimão, o algodãozinho e a batata de purga.

Intitulado “Farmacopéia Popular do Cerrado”, o livro começou a ser escrito em 2004 e deve ser lançado em março de 2008. Além das três plantas já citadas, outras seis serão destacadas no livro: pacari, rufão, ipê-roxo, buriti, velame branco e pé-de-perdiz. A iniciativa é da Articulação Pacari, rede formada por cerca de 90 instituições, ONGs e associações comunitárias, bancada pelo PPP-Ecos (Programa de Pequenos Projetos Ecossociais) por meio de uma linha de financiamento a fundo perdido oferecida pelo GEF (Fundo Global para o Meio Ambiente, na sigla em inglês).

“A idéia é registrar conhecimentos medicinais tradicionais do Cerrado, até hoje transmitidos oralmente pelas benzedeiras e raizeiros para seus filhos”, afirma a coordenadora da Articulação Pacari, Jaqueline Evangelista. Ela avalia que a publicação também servirá para prevenir a biopirataria, na medida em que registrará o conhecimento das comunidades sobre o tema.

Os moradores da região preparam as plantas medicinais que constam no livro de pelo menos dez formas diferentes: fazem xaropes, pomadas, cremes, sabonetes, balas, pílulas, chás, óleos, tinturas e garrafadas (mistura com bebida alcoólica). “O uso varia de acordo com a comunidade”, diz a diretora da Articulação Pacari, Eleuza Ório. Ela frisa que a obra não dará receitas para esses preparados, apenas indicações do uso fitoterápico das plantas. Também dirá onde elas podem ser encontradas e apresentará dados botânicos específicos. Como exemplo de efeitos fitoterápicos, Eleuza cita as pomadas feitas do barbatimão, usadas como cicatrizantes, os chás de pé-de-perdiz (foto abaixo, à esquerda), com efeito antibiótico, e as garrafadas de algodãozinho (abaixo, à direita), comuns para “limpar” o sangue de impurezas.

As comunidades pesquisadas pela Articulação Pacari usam mais de 70 espécies de plantas medicinais, 40% delas nativas do Cerrado. Para o livro, foram selecionadas as que estão sendo ameaçadas pelo avanço das fronteiras agrícolas, as usadas em maior número de comunidades e as utilizadas para fazer diferentes tipos de remédios. “Foi feito um levantamento de 100 a 150 plantas por região, que foram depuradas com base em uma metodologia estabelecida pelos próprios raizeiros e pela Articulação, para enfim chegarmos a essas que constam no livro”, afirma Eleuza.

Além de registrar o conhecimento da região sobre as plantas medicinais, o livro também visa orientar benzedeiras, raizeiros e as farmácias populares para que usem os produtos com eficiência e segurança. “Existem centenas de farmácias comunitárias, que receitam os derivados das plantas há décadas”, diz Jaqueline.

As plantas citadas no livro são objeto de estudos acadêmicos de etnofarmacologia e etnobotânica em universidades brasileiras, como o Laboratório de Produtos Naturais da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). No entanto, a Articulação Pacari salienta que os derivados dessas plantas ainda não são reconhecidos pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), porque não existe regulamentação federal específica para fitoterápicos e para remédios populares.

“Em junho de 2006, o presidente Lula assinou decreto para lançar as bases de uma política nacional para a medicina popular, então o reconhecimento em torno dos remédios ainda está sendo construído”, diz Jaqueline. Segundo ela, o livro poderá ser um instrumento de cobrança para que o governo reconheça as plantas medicinais e passe a regulamentar seu uso.

“Os raizeiros detêm o conhecimento para o manejo e a preservação das espécies de plantas medicinais, que muitas vezes estão ameaçadas de extinção”, diz a diretora do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Cristina Azevedo.

O governo federal, através de um termo de cooperação entre o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o ministério, acompanha a elaboração do livro. “Até agora, o trabalho tem sido muito bom, no sentido de preservar a memória do uso das plantas medicinais em comunidades rurais do Cerrado”, diz Cristina.

A diretora afirma que espécie alguma dessas plantas é desconhecida. “O fato da farmacopéia ser lançada não significa que esses remédios vão estar nas farmácias no dia seguinte”, observa. O importante, avalia, é documentar as plantas que são usadas na região, para que sejam feitos planos de preservação ambiental e também para resgatar a cultura dos raizeiros e benzedeiras, ameaçada pelo avanço do agronegócio no Cerrado.

Após a publicação do livro, a Articulação Pacari planeja fazer um manual das boas práticas do uso das plantas medicinais, com o apoio do PPP-Ecos. “A idéia é reunir métodos para preparar os remédios com controle de qualidade, com higiene e também para evitar que eles sejam feitos de qualquer jeito”, diz Jaqueline.

matéria da Prima Página, PNUD Brasil, publicada pelo EcoDebate.com.br