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Artigo

Parte da direita acredita que a ecologia é uma invenção para substituir o socialismo

Parte da direita acredita que a ecologia e, especialmente a luta contra a mudança climática é uma invenção para substituir o socialismo. Consideram que o chamamento para que se deixem os carros em casa ou mudar os hábitos da vida é uma intromissão intolerável do Estado na vida privada. Para sustentar essa teoria procuram desqualificar os cientistas. A análise é de Rafael Méndez em artigo para o El País, 24-10-2007. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

O prêmio Nobel da Física, Svante Arrhenius publicou em 1896 – há mais de um século atrás – um estudo sobre a influência do ácido carbônico na temperatura da Terra. Arrhenius concluiu que o dióxido de carbono (CO2) que se acumula na atmosfera está relacionado à temperatura da Terra.

É o gás que provoca o efeito estufa. Simplificando, quanto mais CO2 mais calor e quanto menos CO2, menos calor. Essa era uma verdade científica incontestável. Até que se misturou com a política.

Nos anos 70, mas sobretudo nos anos 80 e 90, os cientistas começaram a observar que as concentrações de CO2 na atmosfera aumentavam de forma alarmante e inexorável. De novo, tudo tinha uma lógica. A queima de fósseis combustíveis (carvão, gás e petróleo), produto da revolução industrial se fazia notar.

Os cientistas anteciparam anos mais quentes e eles aconteceram. 2005 e 1998 foram os anos mais quentes desde que existem registros e seis dos sete anos mais quentes aconteceram desde o ano de 2001. Anteciparam o desgelo no Ártico o que já está acontecendo e, se prevê que, no ano de 2040, o mesmo pode ficar sem gelo no verão; ao mesmo tempo em que os glaciais de todo o mundo, especialmente na Groelandia, recuam a uma velocidade sem precedentes.

Se restava alguma dúvida que os cientistas estavam de acordo, em janeiro desse ano, no Painel Intergovernamental da Mudança Climática (IPCC) que agrupa mais de 4 mil especialistas, se deixou de lado qualquer controvérsia sobre a responsabilidade humana no aquecimento global.

A não ser que alguém tenha poderosas razões, se opor à ciência não é boa coisa para a própria imagem. Porém, neste caso, está em jogo muitos interesses. Admitir que o planeta aquece implica que é preciso fazer alguma coisa para evitar conseqüências desastrosas. Supõe tentar reduzir o consumo de combustíveis fósseis: petróleo e carvão. Implica poupar energia e escolher fontes renováveis ou a energia nuclear.

Por isso, políticos, economistas e empresas decidiram, 100 anos depois, que Arrhenius não tinha razão. As petroleiras estão na frente desse processo. O Greenpeace acusou a estadunidense Exxon-Mobil de financiar dezenas de grupos de pressão e instituições para colocar em dúvida a mudança climática. Sua intenção não é negá-lo, mas sim semear dúvidas. Copiam a estratégia das produtoras de fumo que procuraram colocar em dúvida se o cigarro causa câncer.

O American Entreprise Institute, financiado pela Exxon-Mobil com 1,12 milhões de euros, ofereceu no ano passado 7 mil euros para alguns cientistas do IPCC para que rebaixem as conclusões desse grupo, segundo o jornal The Guardian. Um funcionário da Casa Branca que anteriormente trabalhou para o maior lobbie petrolífero do país, alterou durante anos informes sobre a mudança climática para diminuir a responsabilidade humana sobre o problema, segundo o The New York Times. Este funcionário foi contratado posteriormente pela Exxon-Mobil.

A atividade acontecia especialmente nos EUA, cujo presidente, George W. Bush vinha duvidando do aquecimento global e agora tem suavizado o seu discurso. Sua administração reconheceu que os ursos polares estao ameaçados em e já aceitam a tese de que o degelo não é aleatório, mas sim constante.

Bush não está sozinho, mas quase. O presidente da República Checa, Vaclav Klaus, disse que a mudança climática é “um mito”. O primeiro ministro australiano, John Howard, outro país que não ratificou Kyoto, também mudou radicalmente em 2006 sua postura anti mudança climática: “Aceito a teoria da mudança climática, mas não a parte catastrófica”.

Até o vice-presidente da Exxon-Mobial, Kenneth Cohen declarou nesse ano: “Agora sabemos o suficiente, ou a sociedade sabe o suficiente que o risco do aquecimento global é sério e que algo deve ser feito”. Entre 1889 e 2005, a Exxon-Mobil gastou 16 milhões em estudos para negar o aquecimento.

Parte da direita acredita que a ecologia e, especialmente a luta contra a mudança climática é uma invenção para substituir o socialismo. Consideram que o chamamento para que se deixem os carros em casa ou mudar os hábitos da vida é uma intromissão intolerável do Estado na vida privada. Para sustentar essa teoria procuram desqualificar os cientistas.

A esse clube se uniu 111 anos depois, o líder do PP, Mariano Rajoy. Com suas declarações – “Eu desse assunto entendo pouco. Mas me tragam aqui dez dos mais importantes cientistas do mundo e nenhum deles garantirá o tempo de amanhã em Sevilla. Como então alguém pode dizer o que vai acontecer no mundo daqui a 300 anos?”. Rajoy não apenas se une a um clube em extinção com deprecia o seu passado. O governo do PP ratificou o Protocolo de Kyoto.

Na Espanha, o país da União Européia dos cidadãos mais conscientes do problema segundo uma pesquisa de março de 2007, também há céticos. A organização que mais faz para desacreditar a mudança climática é o Instituto Juan de Mariana que assegura não ter estímulo financeiro nenhum, nem afiliação política e cuja missão consiste em tornar público os benefícios da propriedade privada e a livre iniciativa empresarial.

Em sua página na Internet afirma que se mantém com doações individuais. O seu presidente é Gabriel Calzada, professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, que sobre o aquecimento escreve: “A esta altura da infame campanha publicitária ecologista que dura décadas, o único que é o certo é o seguinte: que não existe uma relação direta entre a emissão de CO2, fruto da produção de energias fósseis e o suposto aquecimento do planeta. Que o ser humano, com a sua atividade atual não tem capacidade para produzir fortes mudanças climáticas”.

O Instituto foi fundado em abril de 2005 e o seu ato inaugural consistiu em um seminário sobre Kyoto, no qual sobressaiu, entre outros assessores, Esperanza Aguirre, presidenta da Comunidade de Madri; Alberto Recarte, presidente da Liberdade Digital; Christopher Horner, membro do Competitive Enterprise Institute, organização denunciada pelo Greenpeace de ser financiada pela Exxon-Mobil.

Aguirre afirmou nesses dias que apóia a opinião de Rajoy: “Eu partilho todas e cada uma das palavras de Mariano Rajoy e particularmente estas”. Suas declarações revelam a luta que vive o PP e a direita em geral sobre este tema. Juan Costa, coordenador do programa e eleitoral do PP está convencido da gravidade do problema e por isso recebe críticas quase diárias da Cope e da web Libertad Digital.

“Temos um ´jogo´ montado com muitos interesses, mas a sua estratégia é conhecida e está documentada”, afirma Juan Lopes de Uralde, diretor do Greenpeace da Espanha.

O presidente do Instituto que faz lobby contra os ecologistas e cientistas, Calzada também é representante para a Espanha do Center for the New Europe (CNE) outra instituição que, segundo o Greenpeace tem recebido dinheiro da Exxon-Mobil – 170 mil euros entre 2003 e 2005.

Calzada é colaborador habitual do Libertad Digital, de Federico Jiménez Losantos, um dos meios que mais colocam em dúvida a veracidade da mudança climática ao qual sempre se refere como ‘suposta mudança climática’. Estas vinculações não surpreendem o diretor do Greenpeace que destaca que se tem aí um fundo ideológico: “Os ecologistas são para estes lobbies os novos comunistas do século XXI”, explica, “pois defendemos uma exploração mais racional dos recursos naturais e isto exige mais controle do Estados”.

(www.ecodebate.com.br) matéria publicada pelo IHU On-line, 26/10/2007 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS. ]