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Artigo

Agronegócio e Religião: pretensões & profecias, por Nancy Cardoso Pereira

A teoria do Triple Bottom Line é simples: linha de base tripla ou tripla linha de fundo. Isto é, seria possível cumprir metas simultâneas que garantam o lucro, preserve o planeta e respeite as pessoas (em inglês profit+planet+people). Aparentemente se trata de um modelo capaz de responder a demandas complexas e plurais.

Pelo mundo afora consultores de empresas, missionários empresariais e filósofos de plantão anunciam o capitalismo natural! O capitalismo verde! O capitalismo sustentável! Sintomas de um fundamentalismo econômico defendido por guerras, pirataria e monopólios.

Por isso o meu banco e o seu banco, a Aracruz, a Vale do Rio Doce, a Petrobrás e a Votorantim se dizem ecológicas, amigas das crianças, promovem educação blá! blá! blá! Assistimos a um crescente bombardeio de ações corporativas que disputam o campo da política e do imaginário social.

Triple Bottom Line. Meias verdades assim sortearam o Nobel para Al Gore. Tanto faz!

Esta também foi a teoria invocada pelo presidente da ABAG (Associação Brasileira de Agronegócio, agosto de 2007), Carlo Lovatelli. Dizendo isso a ABAG explicita seu lema: “Um só Agronegócio”.

“A ABAG abraça a idéia e dá fé ao conceito uníssono das cadeias produtivas
de alimentos, fibras e energia renovável para o desenvolvimento estratégico nacional. Traçar dicotomia na agricultura entre alimentar e energética, bem como familiar e empresarial, representa uma profunda perda de energia e de objetivo. O campo é singular do ponto de vista da tecnologia e da gestão. É ver e entender tudo isso como um só agronegócio”, explica o presidente da Associação, Carlo Lovatelli.

Fé? Conceito? Uníssonono?
Um só agronegócio! Parece religião! E precisa ser.

Os consultores de empresa profetizam: “Criar a religião da empresa é o 1º trabalho do líder. Comunicar a religião da empresa é o 2º Trabalho… a Religião Corporativa de uma Empresa é a grande responsável por dizer como o trabalho deve ser feito.” www.revistaoes.ufba.br/include/getdoc.php?id=164&article=71&mode=pdf

A simultaneidade se estreita. Estamos diante de um ídolo!

Pra alcançar seus triplos objetivos… os capitalistas exigem a unidade férrea sobre o controle do negócio, do mercado, do capital.

Para a ABAG é falsa a dicotomia entre agricultura alimentar e energética. Também é falsa a dicotomia entre agricultura familiar e empresarial.
Tudo é uma coisa só! O que eles (da ABAG) quiserem que seja: agronegócio! www.mnp.org.br/index.php?pag=ver_noticia&id=408567

Instalasse entre nós a monocultura na agricultura, a monocultura ideológica e a monocultura política. Em nome da democracia e da liberdade, as grandes empresas dos grandes capitais expropriam não só a natureza, mas também o trabalho humano e seu imaginário! seus valores! O cheque que vem em papel reciclado é a mentira da mentira da mentira que já virou verdade: um banco ecológico? não existe!!

Ao forçar um pensamento unitário que elimine qualquer distinção entre agricultura alimentar e agricultura energética a ABAG confirma nossos piores temores: a corrida pelo bio combustível exerce uma pressão violenta e destrutiva sobre a cultura da produção de alimentos. As elites mundiais comem e consomem combustível… para essa elite vai o melhor/seletivo dos campos na forma de alimento e a grande quantidade dos agrícolas energéticos. Esta demanda determinará os investimentos, as prioridades e as políticas. Já se começa a dizer que o setor de bio combustíveis é estratégico demais para ficar nas mãos da agricultura familiar.

Melhor que não! a racionalidade exigida é a da monocultura voltada para a reprodução do capital mesmo. Nestes termos o ambiente e as pessoas não passam de apelo de marketing. As classes incluídas se beneficiarão do modelo agro-exportador. As maiorias excluídas viverão de políticas de assistência que não resolvem o problema: a riqueza que gera pobreza! A realidade é que 1% no Brasil controla 45% de terras cultivadas e cultiváveis. E a concentração só faz crescer com forte presença de empresas estrangeiras.

O governo Lula faz a sua parte: flexibiliza a legislação ambiental e trabalhista para que o setor “produtivo” continue produzindo: lucros! Numa difícil aritmética de um país mais forte e mais robusto distribuindo riqueza a passos vagarosos… e acumulando riqueza a passos gigantescos!

Neste momento em que usineiro vira herói (sic!) e sojeiro vira teólogo como expressão dos interesses do capital e suas elites, se coloca pra nós o aprofundamento e a disputa pela agricultura alimentar e agricultura familiar: a agricultura camponesa. Com Reforma Agrária! Com módulos máximos de propriedade! Com zoneamenteo agro-ecológico! Com a luta pela agroecologia e a policultura.

O que eles chamam de dicotomia nós chamamos de luta de classes!
O que eles chamam de “um só”, nós chamamos de ditadura do capital!
O que eles chamam de Triple Bottom Line nós chamamos de bobagem! É a partir do povo, do campesinato organizado, dos territórios soberanos de índios e quilombolas, das organizações das cidades e favelas que se deve construir as simultaneidades de vida, ambiente e gente! Isso governo nenhum faz pra gente! Isso empresa nenhuma concede! ONG nenhuma facilita!

Difícil momento este o nosso!
Precisamos manter uma Tripla Linha de Base:
A crítica teórica e política, a mística e o trabalho de base.

O capital lança mão de teologias e teorias, inventa para si e para o mundo uma religião que torna o mercado natural e necessário. É neste momento que a espiritualidade/mística de um outro mundo possível se faz necessária!

Mas a mística não é apenas um dado antropológico e força na luta ou engajamento revolucionário (I Congresso da CPT)… é participar pessoal e coletivamente deste momento da história sem se deixar cooptar, sem se deixar aniquilar e garantindo conquistas populares (Florestan Fernandes).

Escrevo pensando no I Seminário Mulher e Soberania Alimentar que vamos realizar no Sul Fluminense no dia 19 de outubro.

Parece que estamos mortos! Mas estamos vivos!
Nós não temos nada! Mas nós possuímos tudo! (2 Coríntios 6)

Nancy Cardoso Pereira – Pastora metodista. Coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra

publicado pelo EcoDebate.com.br – 19/10/2007