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Artigo

Le Monde: A Amazônia está sendo sufocada pela soja

Hubert Prolongeau*

[Le Monde] O pequeno avião levantou vôo. A floresta estende-se até onde a visão alcança, como se fosse uma cabeça imensa cuja cabeleira se confunde com o céu. A Amazônia. O pulmão do planeta. A fortaleza verde. Então, de uma só vez, o rasgão aparece. A floresta se abre. Ferida. Arrasada. O pulmão está tossindo. A fortaleza é tomada por rachaduras. De repente, a paisagem desolada. Troncos abatidos estão espalhados no chão, até encobrir tudo, embora os mais resistentes não tenham nenhuma forma definida, a não ser a de um toco enegrecido pela fumaça. A terra deixa aparecer a sua última camada, arranhada até a morte pelos sulcos das culturas. Às vezes, ainda emerge em meio à maré dos campos, solitário e incongruente, o tronco de uma castanheira. Um sobrevivente.

Será que em breve, o Estado do Pará se tornará tão despojado quanto o seu vizinho, o Mato Grosso? Desde janeiro de 2003, data da ascensão ao poder de Lula, 70.000 km2 foram sacrificados em benefício da soja, um dos mais ferozes inimigos da floresta brasileira. No início dos anos 1980, ela era cultivada essencialmente nos Estados Unidos, que garantiam 90% da sua difusão. Em 2003, as exportações combinadas do Brasil e da Argentina passaram na frente. O imenso país de Lula tornou-se a pátria do novo ouro verde.

Três grandes companhias americanas perceberam o advento dessa dádiva: a ADM, a Bunge e a Cargill. A Cargill instalou até mesmo, em Santarém (PA), a terceira maior cidade da Amazônia, um porto. Completamente ilegal. Todos os meses, dois navios-cargueiros partem com destino à Europa, carregando 90.000 toneladas cada um. “A soja está devorando a Amazônia. Eu não reconheço mais a minha cidade”, diz Cayetano Scannavino, membro da ONG Saúde e Felicidade.

Pelas ruas de Santarém, vêem-se quantidades crescentes de vans 4×4, dirigidas por gaúchos oriundos do sul do país. Desde que um relatório da Greenpeace intitulado “Eating up the Amazon” (Devorando a Amazônia) pôs fogo nos barris de pólvora, muitos carros vêm exibindo adesivos com os dizeres “Fora Greenpeace. A Amazônia é dos brasileiros”. A tensão é palpável. Na Cooper Amazon, uma sociedade que distribui fertilizantes, Luis Assunção, o diretor, não esconde o seu ódio: “Aqui, agora, é a guerra. Uma guerra fria”.

No Mato Grosso, o governador do Estado, Blairo Maggi, proprietário da usina Amaggi, é um dos mais importantes produtores de soja do mundo. Ele construiu uma cidade inteira, Sapezal, para alojar a sua mão-de-obra, mandou construir em Itacoatoara um porto em águas profundas, e também ofereceu, para facilitar o transporte, asfaltar às suas custas 1.770 km da rodovia BR163. Quando alguém lhe fala de desmatamento, Blairo Maggi ironiza a respeito do tamanho da Amazônia e afirma que a cultura da soja é “benéfica”. Pelo menos, é o que ele fazia quando ainda aceitava falar com os jornalistas, todos suspeitos, daqui para frente, de serem “espiões” enviados pela Greenpeace.

Retornamos ao Pará. Assim como todos os domingos, está rolando uma festa na fazenda Bela Terra, perto de Santarém. O cozinheiro faz grelharem gigantescos espetos de carne. A cerveja jorra aos borbotões. Os homens vestem roupas até que bastante comuns para um domingo; as mulheres estão sentadas à mesa ao lado deles, de igual para igual. É uma alegre algazarra, uma reunião de clã. A entrada está fechada por um portão de grades brancas, enquanto um cartaz assinala a presença de dois cães bravos.

Os produtores de soja, os “sojeiros”, se divertem, falam de negócios, expressam sua solidariedade mútua. Diante de estranhos, a desconfiança é a atitude mais apropriada. Otalhio, 33 anos, é um fornecedor de fertilizantes e de adubos. Com o seu rosto inchado, ele abocanha espessas fatias de carne. A sua mãe é brasileira e o seu pai uruguaio, e eles ainda vivem perto da fronteira, a 5.000 km de distância dali. “É difícil, eu não os vejo mais”. Ele enxuga uma lágrima. Então, ele fica bravo. “As pessoas daqui nos chamam de ‘gaúchos’, de bandidos, de ladrões…” Com uma mão conquistadora, ele aponta para o chão. “As pessoas daqui não fazem nada com a sua terra. Elas permanecem aqui porque não podem fazer de outra forma. Querem ter a televisão e ir para a cidade. Da nossa parte, nós lhes oferecemos uma outra maneira de viver”.

Tonio Antares, proprietário de alguns milhares de hectares, também é um dos que reivindicam esse direito de massacrar o seu país. Baixinho, o olhar vivo, a pele avermelhada por um sol com o qual ele nunca se entenderá, ele permanece convencido de estar proporcionando por meio do seu trabalho prosperidade e civilização. “O país pertence aos brasileiros. Nós viemos ajudar esta região a se desenvolver”.

Mas, quem é beneficiado por este desenvolvimento? Marcello da Silva comprou duas máquinas escavadeiras, que ele aluga para os agricultores em troca de uma porcentagem da colheita. De dezembro até abril, ele está no Mato Grosso, e de maio até agosto, no Pará. Durante o tempo que lhe resta, ele conduz comboios. Alto, os olhos azuis, ele se parece muito mais com o caubói da Marlboro do que com o índio da floresta. Um pouco grosseiro, talvez; pronto para enxugar algumas cervejas. Mas ele se mostra confiante na sua estrela. A soja o tornará rico, ele tem certeza. A sua mulher, Patrícia, quer comprar terrenos. Muitos terrenos. “Os americanos vão começar a plantar cana-de-açúcar. Com isso, vai dar para ganhar muita grana”, Eles vivem em Santarém, e gostariam de ter filhos. O futuro está sorrindo para eles.

Contudo, raros são aqueles que conseguem sair com vantagens deste jogo. O custo social pago em nome da pequena planta é muito pesado. A Amazônia povoou-se aos trancos e barrancos, em função de promessas não cumpridas que, desde o boom da borracha até a construção da Transamazônica, atraíram para a região os miseráveis do Nordeste e de Minas Gerais. Eles se apoderaram de terras, as semearam, mas nunca conseguiram obter formalmente os seus títulos de propriedade. Desde então, eles vegetam, prisioneiros daquilo que chamam pudicamente de “agricultura familiar”. Eles têm sido uma presa ideal para os sojeiros, que, em Santarém, ganharam o apelido de “sujeiros”.

Ao longo da BR163, a mesma história se repete. Grupos de homens apareceram, pediram a esses pequenos cultivadores para partirem, mostrando-lhes os títulos de propriedade. Como eles conseguiram? Em muitos casos, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), onde a corrupção permite comprar falsas certidões, que ficam mofando dentro de gavetas, junto com grilos. “Esse pessoal não possuía nenhuma cultura do dinheiro”, explica o padre Edilberto Sena, um incansável militante ecologista. “Eles venderam a preço de banana, e gastaram tudo. Acabaram ficando depauperados, e sem nenhuma ferramenta de trabalho”.

No quilômetro 38, Marlene Nascimento de Lima chora as suas terras perdidas. “Eu nem sequer consigo passar na frente da nossa antiga propriedade. Não sobrou mais nada, apenas as lavouras. Quarenta famílias viviam ali…” No início, ela se recusou a vender. Mas os sojeiros compraram os terrenos limítrofes ao dela. A praga, expulsa pelos pesticidas, invadiu a sua lavoura. Os seus vizinhos foram embora, e ela acabou cedendo…

A violência teve seu papel nessas conquistas. Em Pacoval, em 2004, a duas horas de pista de Santarém, 25 casas foram incendiadas. Em Corte Corda, dois sindicalistas foram mortos. Em Belterra, antiga capital da borracha, muitas pessoas foram “forçadas” a partir… Em Santarém, Ivete Bastos, a presidente do sindicato dos trabalhadores da terra, um dia surpreendeu mulheres que carregavam gasolina na frente da sua casa, e que se preparavam para pôr fogo na casa… Um antigo legionário espanhol, proprietário de uma sala de musculação em Santarém, gaba-se de executar missões de “limpeza” a mando dos fazendeiros. Na periferia da cidade, as favelas de madeira, construídas em terrenos abandonados, vão se multiplicando.

Regularmente, a polícia brasileira efetua operações de busca nas grandes propriedades e nelas liberta escravos. São pessoas que vieram atraídas pela promessa de salários altos. Ao chegarem à floresta, eles descobrem que a sua remuneração “derreteu”. Então, guardas os impedem de irem embora. Os bens de primeira necessidade lhes são fornecidos pelo proprietário. Eles se endividam, e nunca mais conseguirão reembolsar o que devem. “Eles estavam num estado assustador quando nós chegamos”, conta um policial que participou de uma intervenção na fazenda Vale do Rio Verde em 2005. Não havia nenhuma instalação sanitária. Os operários trabalhavam descalços. Oito mil e setecentos desses escravos foram localizados nos Estados produtores de soja. Em 2004, o exército interveio em 236 fazendas que utilizavam 6.075 trabalhadores, dos quais 127 crianças. A Bunge, a Cargill e a Amaggi faziam negócios com todas elas.

Para contribuir com mais eficiência para a expansão da soja, certas companhias como a Cooper Amazon oferecem pesticidas e sementes geneticamente modificadas. “A corrente já está implantada: de um lado, a Monsanto, e de outro, a Cargill”, acusa Edilberto Sena. Os pesticidas já provocaram grandes estragos ecológicos, pois o vento carrega aqueles que são derramados pelos aviões até os rios. Em 2005, uma onda de seca terrível assolou a região. Os peixes morriam dentro de poças que eram pequenas demais. Atualmente, 20% da floresta brasileira está morta. Mesmo se uma série de leis implantadas em 2006 obteve resultados positivos (41% de diminuição do desmatamento em 2006-2007), 40% da Amazônia poderá desaparer daqui a vinte anos.

O pior, o mesmo que esperam Marcello e Patrícia, talvez ainda esteja por vir: a explosão dos biocombustíveis. Vinte milhões de motoristas brasileiros já utilizam o etanol. Os carros bicombustíveis, que oferecem a escolha entre etanol e gasolina, representaram cerca de 80% das vendas de automóveis em 2005. Seiscentos postos de gasolina já comercializam um “biodiesel”, dentro do qual pode ser encontrada soja. Aonde será que eles vão instalar as plantações? “O Brasil será a Arábia Saudita do século 21”, profetizam alguns. Até mesmo no que diz respeito ao deserto?

No período de tempo durante o qual você leu este artigo, uma superfície que corresponde a 75 terrenos de futebol foi desmatada.

* Colaborou Béatrice Marie

(www.ecodebate.com.br) matéria do Le Monde, publicada pelo UOL Notícias – 19/09/2007 – 02h51
enviada pelo Fórum Carajás