EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Famílias com maior renda gastam dez vezes mais do que as pobres, revela IBGE

As despesas de 5 milhões de famílias com renda mais elevada (igual ou superior a R$ 3.875,78) do país são dez vezes maiores do que os gastos de 20 milhões de famílias mais pobres (até R$ 758,25). A constatação faz parte de um levantamento divulgado ontem (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que comparou os dados referentes a 10% das famílias com renda mais elevada com as informações sobre 40% das famílias com rendimentos mais baixos. Por Thaís Leitão, da Agência Brasil.

O estudo foi feito com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares dos anos de 2002 e 2003, que investigou 48,5 milhões de famílias.

De acordo com os dados, o grupo formado pelas famílias com renda mais elevada apresentava, em 2003, despesa per capita (por pessoa) de aproximadamente R$ 1.800, enquanto no grupo oposto, formado pelas famílias com rendimentos mais baixos, o valor era de R$ 180.

“Esse é um indicador muito forte de desigualdade. As diferenças entre as despesas médias são muito altas e alguns estados apresentam uma diferença ainda acima da média nacional”, afirmou o técnico do IBGE, José Mauro de Freitas Júnior.

Quando comparadas as regiões do Brasil, observam-se desigualdades marcantes mesmo entre os mais pobres. Considerando-se apenas os 40% com renda mais baixa, a menor despesa mensal média per capita do país foi de R$138, verificada no Nordeste. Por outro lado, a maior despesa média mensal per capita nesse grupo foi 70% superior (R$ 234,00) e registrada na Região Sul.

A Região Nordeste também mereceu destaque no levantamento do IBGE por ser onde as desigualdades entre ricos e pobres são mais evidentes. Lá, os ricos gastam 11,8 vezes a mais do que os pobres. No outro extremo, aparecem as regiões Norte e Sul, onde as despesas da população com renda superior foram oito vezes maiores do que as da população com menores rendimentos.

O estado de Alagoas foi o que apresentou maior nível de desigualdade (15,6 vezes) e o Amapá, o menor (5,3 vezes). Segundo os técnicos do IBGE, essa melhor distribuição nos gastos das famílias do Amapá pode ser explicada pela existência de muitos funcionários públicos, o que garante certa homogeneização.

O estudo Perfil das Despesas no Brasil – Indicadores Selecionados traça uma radiografia das despesas e rendimentos de acordo com características da pessoa de referência das famílias, como escolaridade, sexo, cor, raça e religião. O objetivo é oferecer informações sobre a composição orçamentária doméstica, a partir da investigação sobre os hábitos de consumo, alocação de gastos e distribuição dos rendimentos em função dessas características.

Estudo confirma relação entre escolaridade e capacidade de gasto do brasileiro

O estudo confirmou a forte relação entre grau de escolaridade, rendimento e despesas. Com base nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares dos anos de 2002 e 2003, o levantamento mostrou que as famílias nas quais a pessoa de referência (principal responsável pelas despesas da casa) tem 11 anos ou mais de estudo ganha, em média, cinco vezes mais do que as famílias cuja pessoa de referência tem menos de um ano de estudo.

De acordo com o levantamento, o primeiro grupo tem rendimentos médios mais elevados (R$ 3.796,00) e gasta mais (R$ 3.683,00). Por outro lado, os menores rendimentos médios (R$ 752,00) e as despesas mais reduzidas (R$ 769,00) foram verificados no segundo grupo.

O estudo revelou, ainda, que a existência de uma pessoa com nível superior aumenta em quase três vezes as despesas de uma família em relação a outra em que nenhum dos membros concluiu uma faculdade. Se houver mais do que uma pessoa, essa diferença pode ser cinco vezes maior. No Brasil, em 84% das famílias não há qualquer pessoa com nível de instrução superior.

O técnico do IBGE José Mauro de Freitas Júnior destaca que apesar de a educação ter avançado nas últimas décadas no Brasil, o ensino superior ainda é privilégio de poucos.

“Aproximadamente 40 milhões de famílias não contam com pessoas que tenham feito faculdade. Mesmo que o país venha experimentando mobilidade social, com filhos atingindo grau de instrução maior do que o de seus pais, a questão da escolaridade ainda é ínfima”, destacou.

Para o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Nery, esses dados reforçam a educação como principal fator capaz de impulsionar a renda.

“Isso só confirma o caráter fundamental que a educação tem para a melhoria das condições de vida da população. Com isso, as pessoas que têm mais educação gastam mais porque têm mais renda, mais possibilidades e se permitem consumir mais”, destacou.

Famílias com provedor branco gastam em média 80% a mais

As famílias cuja pessoa de referência (principal responsável pelos gastos) é de cor branca gastam em média 80% a mais do que aquelas que têm pretos ou pardos nesta posição. Além disso, as despesas das famílias com principal provedor branco (R$ 2,3 mil) superam a média nacional (R$ 1,8 mil) em aproximadamente 25%.

A classificação “branca”, “preta” e “parda” é usada pelo IBGE para o estudo. O estudo apontou que mais de 80% das famílias com pessoa de referência de cor preta ou parda tinham rendimento médio de R$ 757 e R$ 731, respectivamente. No grupo formado pelas famílias cuja pessoa de referência era de cor branca, cerca de 80% tinham rendimento médio familiar de R$ 1,1 mil.

A composição das despesas também apresentou importantes variações de acordo com a cor da pessoa de referência, declarada pelas famílias investigadas. Os gastos mensais com educação nas famílias chefiadas por brancos (R$ 83,16), por exemplo, foram mais que o dobro do que em famílias cujo principal provedor era preto (R$ 30,17) ou pardo (R$ 31,13).

Os gastos com alimentação tiveram menor peso no total das despesas de consumo das famílias com pessoa de referência da cor branca, o que segundo os técnicos do IBGE, é típico dos que possuem rendimentos mais elevados, que contam com um leque de opções de consumo mais amplo.

No caso da habitação, o peso foi maior nas famílias com pessoa de referência de cor preta do que nas de cor branca ou parda. De acordo com o IBGE, isso pode se dar em função de gastos mais expressivos com aluguel, que representou aproximadamente 45% do total das despesas de habitação.

Através do estudo, também foi possível observar que os gastos com transporte, especialmente com a aquisição de veículos, foi 20% maior nas famílias com pessoa de referência branca em relação às famílias com pretos e pardos. Nas famílias com pessoa com referência de cor preta, o item que mais pesou foi transporte urbano, que inclui ônibus, trem, metrô entre outros.

O levantamento do IBGE apontou ainda que as famílias cujo principal provedor é de cor branca gastam praticamente o dobro com assistência à saúde. Enquanto a despesa média mensal nacional é de R$ 103, essas famílias gastam R$ 136,22. Já aquelas cujo principal provedor é de cor preta ou de cor parda gastam cerca de R$ 64.

Outra disparidade encontrada pelo estudo acontece entre as famílias chefiadas por homens e aquelas cuja pessoa de referência é uma mulher. No primeiro caso, o rendimento médio familiar é 21% maior do que o do segundo. Os dados revelam, ainda, que mais da metade (57%) das famílias chefiadas por mulheres contam com rendimento mensal de até mil reais, enquanto esse padrão é vivido por 49% das famílias cuja referência familiar é masculina.

Saúde preventiva absorve mais gastos de famílias com renda alta

As famílias com rendimentos mais elevados investem mais em saúde preventiva, enquanto as famílias com rendas mais baixas destinam seus recursos em maior volume à saúde curativa. Enquanto aquelas cujo rendimento mensal ultrapassa R$ 6 mil gastam 23,7% do total de suas despesas de saúde em remédios, as que ganham até R$ 400 gastam cerca de 76%.

Quando se fala em plano de saúde, no entanto, o cenário se inverte. Esse tipo de gasto representa 37,2% do total de despesas de saúde das famílias mais ricas e apenas 7% das mais pobres. Para os técnicos do IBGE, essa realidade indica fragilidade da condição de saúde dos mais pobres.

“Como as famílias com renda inferior em geral não têm plano de saúde, esses números também indicam uma necessidade de serviços públicos capazes de atender a esse contingente populacional”, afirmou Libete Ferreira, técnica do Instituto.

É o que acontece com a empregada doméstica Bernadete Cândida, que sustenta sozinha quatro filhos. Nenhum deles tem plano de saúde.

“Ninguém lá em casa tem [plano de saúde] porque eu não tenho dinheiro para pagar. Quando alguém fica doente, compro remédio ou levo no hospital público”, afirmou.

O levantamento indica que, de um modo geral, as famílias dedicam pequena parcela de seus rendimentos à assistência à saúde, índice que varia entre 4% e 6%. De acordo com o IBGE, isso representa que esta área não está entre as prioridades ou reais necessidades de consumo das famílias brasileiras.

As desigualdades entre as classes também ficam mais evidenciadas quando se observa que entre os 10% mais ricos da população destinam-se cerca de R$ 432 a serviços de saúde enquanto os que vivem em famílias situadas entre os 40% mais pobres do país gastam sete vezes menos, aproximadamente R$ 63,49.

Na divisão por regiões, o estudo revela que no Nordeste, o total de despesas com assistência à saúde é inferior a R$ 100, enquanto no Sul elas chegam a R$ 129,13 e no Sudeste, R$ 180,87.

com Agência Brasil

publicado pelo EcoDebate.com.br – 30/08/2007