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Artigo

Nagib Nassar comenta artigo Guerra de milho, de Marcelo Leite

“O plantio massivo de uma variedade transgênica Bt ou RH significa substituição da variedade local, gerando várias conseqüências prejudiciais”

[JC] A possibilidade de coexistência entre transgênicos Bt e RH e a agricultura sustentável não é mais do que uma falsa premissa.

Não há na literatura cientifica qualquer base e nenhum resultado, nos últimos 15 anos, desde o lançamento da primeira variedade transgênica, capaz de apoiar essa assertiva.

O plantio massivo de uma variedade transgênica Bt ou RH significa substituição da variedade local, gerando várias conseqüências prejudiciais.

Uma delas é substituição da biodiversidade por uma faixa muito estreita geneticamente, que conduz a cultura a grande vulnerabilidade à doenças e ao ataque de insetos e perda de genes úteis, que podem contribuir no melhoramento da cultura futuramente.

O prejuízo fica ainda maior se o país for originário da cultura ou de tradição antiga de plantio da cultura, como o caso do milho cultivado no México e no Brasil.

Felizmente, o México resistiu a todas as pressões e não autorizou o plantio do milho Bt.

O fluxo gênico entre transgênicos e espécies silvestres nos países de origem cria mais um perigo, pois os genes escapando dos transgênicos do conjunto gênico natural afetam muito a habilidade de sobrevivência das espécies nativas e conseqüentemente reduzem a biodiversidade (Steinbrecher 1996).

Dizer que os transgênicos podem ser plantados distantes da areia onde crescem as espécies silvestres é mais uma falsidade, porque, quanto a isso, lembramos os fatores de grande impactos negativos, como a falta de regulamentos de biossegurança, o possível erro humana, e ainda a pressão das corporações.

O prejuízo se estende ainda à cultura do povo, pois as variedades tradicionais fazem parte da vida diária, das tradições e da economia da massa pobre da população (Alteiri, 2000).

Dizer que o uso desses transgênicos economiza o uso de inseticidas não é mais que uma eminente falsidade. Seu uso reduz a presença de certos insetos chamados caterpilars da lepidóptera, mas aumenta muito o ataque de outros insetos.

E, no final das contas, acaba-se usando a mesma quantidade de inseticidas (Kimsky & Wrubel, 1996). De fato esses transgênicos não economizam a quantidade aplicada de inseticidas, mas sim reduzem as opções disponíveis para os agricultores que querem manejar o controle dos insetos.

O risco a biodiversidade pelo uso dos referidos transgênicos é o fator mais comprometedor da coexistência entre transgênicos BT e RH e a agricultura sustentável.

Os cientistas Rissler & Mellon, 1969, Kendall et al 1997, Marvier 2001 relataram vários riscos como a translocação dos genes Bt e HR das variedades transgênicas a ervas daninhas parentes, através da hibridação, criando ervas monstros resistentes a insetos e a herbicidas.

Acrescente-se a isso a evolução muito rápida de insetos lepidopteres resistentes a toxina Bt.

Há ainda o perigo do acúmulo da toxina inseticida Bt no solo. Ela combina com a argila e transforma o solo em ambiente inadequado para vivência das bactérias úteis de Azetobacter fixadoras do nitrogênio.

O solo fica tóxico e impede os agricultores de usar as rotações tradicionais, onde as culturas se beneficiam dos fertilizantes nitrogênios deixados pelo Azotobacter no solo.

A rotação é o pilar mais importante da agricultura sustentável e da agricultura orgânica. As multinacionais produtoras do Milho Bt afirmam que a toxina Bt se encontra naturalmente no solo. Não é verdade.

A toxina natural no solo produzida pelos respectivos bacilos não se compara, de maneira alguma, às imensas quantidades deixadas no solo pelas raízes de uma cultura Bt.

Há ainda o perigo vindo da toxina do transgênicos movido em cadeia na alimentação humana, começando pelo transgênico comido pelo animal, seguido da utilização do produto desse animal pelo homem, causando incalculável catástrofe para a saúde pública.

Há casos de milho transgênicos documentados pela imprensa sobre esse perigo (Alteiri, 2000).

Conclusão: os pequenos agricultores precisam manter seus sistemas agrícolas aos quais são adaptados; esses sistemas oferecem segurança alimentícia e, além de tudo, preservam intactas as agrobiodiversidades.

Mensagem de Nagib Nassar, professor titular de Genética da Universidade de Brasília (http://www.geneconserve.pro.br)

Referências

Alteiri, M. A. 2000. The ecological impacts of transgenic crops on agroecosystem health. Ecosystem Health 6:13-23.

Gould, C. 2006. GM crops are compatible with sustainable agriculture. http://www.scidev.net Acessed Febraury 8,2006.

Kendall, H. W. Beachy R. Eismar, T. Gould, F et al. 1997. Bioengineering of crops. Report of the world Bank Panel on Transgenic Crops. World Bank, Washington D.C.

Marvier, M. 2001. Ecology of Transgenic crops. American Scientist 89:160-167.

Rissler, J. & Mellon M. 1996. The ecological risks of engineered crops. MIT Press, Cambridge, MA.

Steinbrecher, R. A. 1996. From Green to Gene Revolution. The environmental risks of genetically engineered crops. The ecologist 26:273-282.

(www.ecodebate.com.br) comentário originalmente publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3268, de 22 de Maio de 2007. O artigo de Marcelo Leite, A Guerra do MIlho, está disponível AQUI.