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Estudo derruba dois mitos do liberalismo

Abertura comercial e estabilidade jurídica não necessariamente estimulam PIB ou redução da pobreza, apontam economistas

ALAN INFANTE
da PrimaPagina

Dois pontos de vista freqüentemente associados às tendências chamadas neoliberais não se sustentam: a abertura comercial e a estabilidade jurídica não necessariamente estimulam a expansão econômica ou a redução da pobreza. Já a inflação, sim, tem relação com a pobreza: quanto mais altos os índices, menor a probabilidade de o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) beneficiar mais os pobres. É o que conclui um estudo que analisou 237 variações anuais do PIB apuradas entre 1984 e 2001 em 80 países, entre eles o Brasil. O trabalho ainda identificou uma “sutil” relação entre ampla abertura comercial e retração econômica.

Os resultados são do estudo Estimativas Globais sobre o Crescimento Pró-Pobre, elaborado pelos economistas Nanak Kakwani e Hyun Son, do Centro Internacional de Pobreza — um braço do PNUD em Brasília mantido com o apoio do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). No trabalho, os autores avaliam o impacto do crescimento da economia na distribuição da renda ou do consumo. Os dados foram cruzados com quatro variáveis — inflação, participação da agricultura no PIB, abertura comercial e estabilidade jurídica —, para avaliar se esses aspectos influenciam de fato o desempenho dos países.

Das variáveis estudadas, a inflação foi a que apresentou mais forte relação com o tipo de crescimento apresentado pelos países. Das 237 taxas analisadas, 151 foram apuradas em anos em que a inflação do país ficou abaixo de 10%. Destas, 74 (64%) representaram um desempenho da economia pró-pobre (ou seja, se o PIB cresceu, os pobres tiveram ganhos proporcionalmente maiores que os ricos e, se encolheu, os pobres perderam menos que os ricos). Já entre os 57 casos em que a inflação do país ficou acima de 20%, o desempenho do PIB favoreceu os pobres em 19 ocasiões (34%) e prejudicou-os em 37 (66%). “Assim, é razoável concluir que um nível baixo de inflação está associado a um crescimento pró-pobre e que um alto nível de inflação está relacionado a um crescimento antipobre”, afirmam os economistas.

O estudo não identifica, no entanto, relação alguma entre o crescimento ou a queda do PIB e o nível de inflação. Dos 57 casos analisados em que a inflação ficou acima de 20% ao ano, as taxas foram positivas em 22 ocasiões (39%) e negativas em 34 (61%). Entretanto, com a inflação abaixo de 10%, a maioria das 115 taxas também apontou encolhimento da economia: 54 (46%) foram positivas e 62 (54%) negativas. Dessa forma, os autores não encontraram na amostra uma relação estatística entre os dois fatores.

As outras variáveis analisadas não apresentam relação com a quantidade de riqueza apropriada pelos pobres. A amostra estudada indica, por exemplo, que não é possível afirmar que as barreiras comerciais têm impacto sobre a pobreza. Das 97 taxas analisadas em situações de abertura comercial restrita, 38 (39%) foram pró-pobre e 59 (61%) antipobre. O desempenho das economias com ampla abertura comercial, no entanto, também desfavoreceu os pobres. Das 42 taxas apuradas em ambientes de ampla abertura, 20 (47%) foram pró-pobre e 22 (53%) antipobre.

Os aspectos comumente usados para medir a atratividade dos países para investimentos — como a efetividade do cumprimento das leis, o cumprimento dos contratos e outros itens relacionados à garantia dos direitos de propriedade — também não têm peso significativo no tipo de crescimento, segundo o estudo. Das 163 taxas de variação do PIB analisadas em ambiente de forte estabilidade jurídica, 77 (47%) foram pró-pobre e 86 (53%) antipobre. O quadro prevalece quando comparadas os tipos de expansão em situações de estabilidade jurídica fraca: dos 74 casos apurados, 29 (39%) foram pró-pobre e 45 (61%) antipobre.

Da mesma forma, a participação da agricultura no PIB não guarda relação com a quantidade da riqueza que chega à mão dos pobres, avaliam os autores. Das 60 taxas apuradas em cenários em que o setor respondia por menos de 10% do PIB, 24 (40%) foram pró-pobre e 36 (60%) antipobre. Das 62 levantadas em países em que, no período analisado, a agricultura representava entre 20% e 30% da produção nacional, 27 (44%) favoreceram mais aos pobres e 34 (56%) mais aos ricos. Já entre as 12 taxas verificadas em economias em que o setor correspondia a mais de 40% do PIB, 7 (63%) foram pró-pobre e 4 (37%) foram antipobre. “Os resultados indicam que há uma associação insignificante entre a participação da agricultura e crescimento pró-pobre ou antipobre”, afirma o texto.

Embora esses três fatores — abertura comercial, estabilidade jurídica e participação da agricultura no PIB — não tenham impacto sobre a apropriação de riqueza pelos pobres, eles influenciam, ainda que de maneira sutil, o crescimento. A fatia da agricultura no PIB, por exemplo, tem relação com o resultado da expansão. Os países em que o setor responde por entre 20% e 30% da riqueza nacional foram os que apresentaram, proporcionalmente, a maior incidência de resultados positivos. “Parece ser claro que existe uma relação positiva entre crescimento e participação de 20% a 30% da agricultura no PIB”, frisa o texto.

As barreiras às importações adotadas pelos países também têm impacto na expansão econômica. O trabalho mostra que, das 97 variações do PIB analisadas em situações de estreita abertura comercial, 65 (67%) eram referentes a crescimento e 32 (33%) à retração. Já nos 42 casos estudados em ambiente de ampla abertura comercial, 18 (43%) apresentaram resultado positivo e 24 (57%) negativo. “Surpreendentemente, nós apuramos que um baixo nível de abertura comercial está associado a um crescimento e que um alto nível de abertura comercial com queda do PIB”, apontam os autores.

Da mesma forma a estabilidade jurídica não tem influência sobre o desempenho da economia, segundo o estudo. A comparação entre as taxas de crescimento e a estabilidade jurídica foi a que apresentou menor relação entre todas as análises realizadas. “Testamos todas as relações entre crescimento e estabilidade jurídica e não encontramos nenhuma relação estatística significante entre os dois. […] Portanto, nosso estudo não endossa a tese de que um ambiente jurídico mais estável seja favorável ao crescimento”, ressalta.