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Agrotóxicos: poluição invisível, por Márcia Pimenta

[EcoDebate] Se as chaminés das fábricas ficaram registradas no inconsciente coletivo como sinônimo de poluição por época da revolução industrial, ou as águas escuras dos rios sinal de lançamento de dejetos orgânicos e industriais, o mesmo não se pode dizer da poluição invisível dos agrotóxicos. Ao comprar uma maçã, por exemplo, impossível detectar o banho de 60 pesticidas que esta leva antes de chegar a sua mesa. Se por um lado reconhecemos os produtos orgânicos pelo selo de certificação, nos rótulos dos alimentos “in natura”, cultivados através da agricultura convencional, não consta todos os produtos químicos utilizados.

Os números revelados pelo Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) /ANVISA, dizem que nos 3271 resíduos detectados, 71,5%estavam abaixo do Limite Máximo de Resíduos – LMR, apenas 4,7% estavam acima 23,7% referiam-se a resíduos de pesticidas sem registro ou não autorizados para a cultura. Misturados no balcão dos supermercados ou nas feiras livres, fica impossível dizer se resíduos ainda estão nos alimentos ou se entre estes resíduos constam agrotóxicos não permitidos para aquela cultura.

Antes de mais nada, é imperioso ressaltar a importância de um programa oficial de monitoramento de agrotóxicos em alimentos, pois revela um panorama que interessa muito aos consumidores do ponto de vista da saúde. Hoje o PARA abrange 16 Estados brasileiros, mas segundo o Engo Agrônomo Adriano Pacheco da Gerência de Avaliação de Riscos (GAVRI)/ANVISA “em breve todos os estados estarão envolvidos, não necessariamente na coleta de alimentos. A Agência de Vigilância Sanitária – ANVISA pretende dar um melhor entendimento sobre a importância do assunto junto aos coordenadores da vigilância sanitária dos Estados que ainda não fazem parte do Programa, suscitando uma maior preocupação em relação a questão dos agrotóxicos, através da participação de encontros e reuniões com o objetivo de que todos façam parte do PARA. Ainda segundo Adriano, a abrangência do PARA em todo país certamente dará maior visibilidade ao assunto, permitindo que os consumidores tenham mais informações.

Ele ressaltou a importância da rastreabilidade do produto até o produtor e que depende muito dos órgãos de agricultura que são os agentes fiscalizadores do campo. “Hoje já temos disponível um sistema de código de barras que permite chegar até a planta que deu origem ao fruto. Esta realidade está disponível em frutos para exportação, mas está sendo um esforço conjunto entre ANVISA, Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o IBAMA estabelecer critérios para aumentar a rastreabilidade dos alimentos que estão sendo consumidos”.

A preocupação em relação aos alimentos com detecções irregulares é uma preocupação mundial. Mas mesmo aqueles alimentos considerados dentro do padrão não podem de forma alguma ser chamados de inócuos. Por isso faz-se importante esclarecer dois aspectos: como se chega ao limite máximo aceitável para a ingestão nos seres humanos e em segundo lugar saber porque determinados pesticidas estão proibidos para determinadas culturas.

As doses de agrotóxicos usadas hoje na agricultura convencional foram elaboradas a partir da ingestão diária aceitável – IDA. Segundo este padrão, o organismo humano pode ingerir, inalar ou absorver certa quantidade diária, sem que isso tenha consequencia para sua saúde. O IDA deriva de um outro conceito a LD50 ou seja, dose letal 50%, que vem a ser a dose de uma substância química que provoca a morte de 50% de um grupo de animais da mesma espécie, quando administrada pela mesma via.

Partindo desse princípio os defensores do agrotóxico recorrem à máxima de que veneno é questão de dose, logo a água é essencial para vida, mas em grandes quantidades, nos afogam. Voltando a bela maçã, vermelha e brilhante e os 60 tipos diferentes de agrotóxicos. Normalmente os venenos se potencializam mutuamente, mas o IDA não contempla essa interação.Adriano explicou que, ” a mistura de agrotóxicos para aplicação não está preconizada pela lei de agrotóxicos, contudo sabemos que na prática isto acontece e não temos resultados das interações destas misturas”.

Em segundo lugar: por que é preocupante o fato de algumas amostras (23,7%) apresentarem resíduos de agrotóxicos proibidos para determinadas culturas?

Estes agrotóxicos estão proibidos ou não registrados para determinadas culturas (embora possam estar permitidos para outras) porque “durante o processo de registro dos agrotóxicos, atendendo a normas específicas (Lei Nº 7802, Decreto 4074/2002) são apresentados os estudos de resíduos de agrotóxicos nas culturas a serem indicadas em bula, contendo, basicamente, dose utilizada, número de aplicações, intervalo de segurança, época e modalidade de aplicação e os resultados obtidos através de cromatografia, que deverão estar de acordo com a monografia do produto. Não ser permitido para a cultura significa que, nunca foi registrado, ou que a cultura foi excluída devido ao impacto na ingesta ou até mesmo devido à modalidade de aplicação do produto, sendo que a aplicação com equipamentos carregados pelo próprio aplicador são as que provocam o maior número de exclusões de culturas durante a reavaliação do produto”, informou Adriano.

Este é um aspecto relevante a ser considerado, pois divide opiniões. A CEAGESP, que há vários anos faz um trabalho de monitoramento, faz a seguinte leitura do problema: “Um dos principais problemas apontados pelo monitoramento é a detecção de grande participação de agrotóxicos sem registro. Este acompanhamento estimulou a criação de um grupo de trabalho… do qual partiu a proposta de mudanças na legislação de registro de agrotóxicos, que hoje tramita no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A CEAGESP é parte ativa do esforço de regularização do registro de agroquímicos (já utilizados e não regulamentados para certas culturas)”.

Já o IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) tem opinião bem diferente. Segundo o Instituto, “a ANVISA e o Ministério da Agricultura devem reavaliar a autorização no País de determinados agrotóxicos que estão sendo comercializados e utilizados em culturas para as quais são proibidos e qual a responsabilidade das indústrias de agrotóxicos em relação a esse fato”.

Segundo Luís Rangel da Coordenação Geral de Agrotóxicos do MAPA o que acontece é que a indústria química investe em pesquisas para registro daqueles agrotóxicos que são utilizados no agronegócio, como soja e algodão. O comércio destes produtos agrícolas gera grandes lucros daí o interesse maior da indústria química. Para Rangel, a pressão no que diz respeito à responsabilidade social da indústria química fará com que esta invista em pesquisas para tornar possível a regulamentação destes agrotóxicos para produtos consumidos “in natura” (legumes, frutas e verduras), embora sejam produtos que não tragam tantos lucros como os outros.

Para Sezifredo Paz, Coordenador Executivo do IDEC, é preciso que haja o cumprimento da legislação, e os critérios devem levar em conta a proteção do meio ambiente e da saúde da população. Regulamentar agrotóxicos hoje não permitidos para determinadas culturas vai na contramão da tendência mundial dos consumidores que hoje procuram por alimentos com menos resíduos e mais adequados ambientalmente. Segundo Paz, os grandes distribuidores de alimentos devem se preocupar com a qualidade dos alimentos que estão sendo distribuídos.

No Rio de Janeiro, segundo o Engo Agrônomo Jorge Antônio da Silva, Coordenador do Fórum Nacional de Engos Agrônomos e Vice Presidente da Associação de Engos Agrônomos do RJ – AEARJ, a questão dos agrotóxicos vem sendo levantada em Congressos realizados nos últimos anos, onde se discutem responsabilidades e elaboram-se propostas visando a confecção de políticas publicas que possibilitem maior segurança na alimentação dos consumidores. Propostas quanto a um melhor aparelhamento de órgãos estaduais como a EMATER e PESAGRO, responsáveis por disseminar práticas agrícolas sustentáveis, que hoje encontram-se com grandes dificuldades financeiras, com seus aparelhos sucateados e profissionais mal remunerados. Além disso, a falta de concurso público há mais de 30 anos impossibilita seus funcionários, que hoje têm uma média de 50-55 anos, passarem seu trabalho para novos funcionários antes de se aposentarem. Com esta lacuna deixada pela falta de condições de trabalho, a indústria química milionária, com bastantes recursos e pessoal preenche este déficit com folga, e o agricultor se vê sem alternativas.

Ainda segundo Silva, as Centrais de Abastecimento do Rio de Janeiro S/A(CEASA), não têm recursos financeiros para realizar de forma permanente o monitoramento de resíduos dos alimentos “in natura” ali comercializados. Segundo ele, o alto custo deste monitoramento, “leva a que algumas instituições públicas, que enfrentam dificuldades de ordem financeira, optem por realizar parcerias com as indústrias químicas, para conseguirem verbas para a realização do monitoramento dos alimentos”, como a CEAGESP que fez uma parceria com a ANDEF (Associação Nacional de Defesa Vegetal) patrocinada por grandes indústrias químicas. “O desafio destes dirigentes é manter a independência na implementação de ações que visem à solução dos problemas detectados”.

É ética esta parceria? Até que ponto as indústrias químicas aceitam o questionamento sobre os potenciais riscos a que estão expostos consumidores, agricultores e meio ambiente? Será que estão dispostas a promover uma diminuição no uso desses agroquímicos, subtrair lucros e tirar o Brasil de um vergonhoso 40 lugar no ranking mundial dos países consumidores de agrotóxicos?

Se o consumo de alimentos com resíduos de agrotóxicos permitidos ou não, é um risco para os consumidores, para os agricultores o problema é muito mais grave. Quando há comprovação de resíduos nos alimentos, a indústria química se apressa em apontar os agricultores como principais responsáveis. No Rio de Janeiro, a Microbacia do Córrego do São Lourenço, Nova Friburgo, é uma das principais produtoras de legumes do Estado e do País. Um número representativo de casos suspeitos e confirmados de intoxicação por agrotóxicos, inclusive com o registro de alguns óbitos, motivou a Associação de Pequenos Produtores Rurais de São Lourenço e a Cooperativa de Produtores de Nova Friburgo, a procurar o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fundação Oswaldo Cruz, Laboratório de Toxicologia. Os casos relatados resultaram na construção de um projeto de pesquisa que revelou dados alarmantes: Os cálculos do indicador quantidade de agrotóxico/ trabalhador/ano revelaram uma relação de 56,5 kg de agrotóxicos por trabalhador/ano, valor 76% maior do que a média do IBGE para todo o Estado de São Paulo (o maior índice do País) e 1.822% maior que a média do Estado do Rio de Janeiro.

Segundo os agricultores o uso massivo desses venenos iniciou-se há cerca de 30 anos, com a agricultura intensiva, voltada para grande produtividade. O pacote tecnológico vinha pronto e o crédito rural era vinculado ao uso de pesticidas para assegurar que as pragas não acabassem com as lavouras. Soma-se a isso o baixo grau de escolaridade desses produtores o que não permite que estes tenham uma leitura eficiente das instruções de uso e segurança na aplicação e armazenamento destes produtos químicos, que estão dispostas nas embalagens. Vejam este exemplo que consta no estudo de Frederico Peres em sua dissertação de Mestrado(1999):

“Esta formulação contém um agente emético, portanto não controle vômito em pacientes recém intoxicados por via oral até que pela ação do esvaziamento gástrico do herbicida, o líquido estomacal venha a ser claro.”

Dos 12 agricultores consultados 7 não conseguiram interpretar que era necessário deixar que a pessoa intoxicada colocasse pra fora o veneno.

Para Felipe da Costa Brasil, Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia/Ciência do Solo e Presidente da AEARJ, o fato dos rótulos serem de difícil compreensão para os agricultores demonstra ausência total de responsabilidade social por parte das indústrias químicas.

No cerne da questão dos agrotóxicos está o paradigma de que a praga é um inimigo que precisa ser destruído, eliminado. Na verdade, a praga é um indicador biológico. Se há praga é porque alguma coisa está errada. Holística que é a agricultura biológica leva em consideração aspectos fundamentais com a saúde do solo, fazendo rotação de cultivos, consorciações, promovendo uma boa alimentação da planta, que forte não permite que as pragas se alastrem.

Para o Engo agrônomo Jean Dubois, “em primeiro lugar, convém lembrar que agrotóxicos podem matar (diversos casos de morte entre produtores de fumo no RS) ou afetar a saúde de produtores (por exemplo, na bananicultura em monocultivo a pleno sol no Estado de S.Paulo, com freqüentes aplicações de agroquímicos por avionetes) e intoxicação progressiva de consumidores.

As alternativas são: agricultura orgânica, agricultura ecológica, permacultura, sistemas agroflorestais (SAFs). Quando esses SAFs reúnem um número bastante elevado de espécies perenes (SAFs adequadamente “biodiversificados”). Hoje, muitos agricultores têm SAFs insuficientemente “biodiversificados” nos quais as pragas encontram boas condições de se multiplicar e, neste caso, o agricultor quando tem dinheiro compra e aplica agrotóxicos. Daí a necessidade quando se trata de SAFs de implantar e manejar SAFs adequadamente biodiversificados.”

E concluiu “divulgar os perigos dos agrotóxicos e divulgar alternativas mais sustentáveis e muito mais sadias é tarefa de alta prioridade ecológica e social.”.

Márcia Pimenta é jornalista e colaboradora do EcoDebate

in www.ecodebate.com.br – 28/09/2006