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Artigo

Publieditorial, a estratégia que afronta a ética, por Wilson da Costa Bueno

A imprensa brasileira tem, gradativamente, incorporado uma prática danosa, infelizmente muito festejada por agências de comunicação e organizações: o publieditorial.

O que é o publieditorial? Resumidamente, constitui-se numa mensagem publicitária, portanto paga, que tem a cara de reportagem, matéria jornalística. Ele tem como objetivo integrar-se perfeitamente ao veículo em que está inserido, de modo a não ser percebido como publicidade e, portanto, agregar a credibilidade que os textos jornalísticos (evidentemente, publicados em veículos de prestígio) costumam ter. Implicitamente, o publieditorial visa “passar a perna” no leitor que, desavisado, pode “comer gato por lebre”, ou seja, ver uma matéria onde, na verdade, existe publicidade.

Só por esse motivo, a prática abusiva do publieditorial já é condenável porque afronta a ética e a transparência, travestido de estratégia eficaz de assessoria de imprensa.

Nessa intenção de lesar o cidadão, não está apenas o anunciante ( ou a agência que o representa), mas também o veículo, que se dispõe a ceder a “sua cara” para que o anunciante (que o remunera) se aproprie do seu leitor. Logo, trata-se de um crime duplo, um complô comercial que agride a cidadania e a independência editorial dos meios de comunicação.

Essa técnica tem andado cada vez mais refinada (seria melhor que a cunhássemos de “cínica” ou “safada”) porque , anunciante e veículo, de comum acordo, tem buscado esconder essa condição (publicidade disfarçada de matéria jornalística). Quase sempre, acreditam limpar o pecado colocando no canto da página, em corpo reduzido, a palavra publicidade ou um sinônimo, quando não a própria palavra “publieditorial”, que o leitor dificilmente conseguirá traduzir pelo que ela realmente representa.

O Conselho de Informação em Biotecnologia (CIB), que representa os interesses dos produtores de biotecnologia, sistematicamente, publica coluna no suplemento agrícola do jornal O Estado de S. Paulo (com direito, inclusive a chamada de capa no caderno!), assinada por professores doutores das nossas principais universidades, para divulgar as vantagens dos transgênicos. A indicação de que se trata de publicidade não vem nem em cima da coluna, mas na vertical para dificultar a leitura, o que configura um “passa moleque” daqueles , felizmente já identificado (e condenado!) por quem preza pela ética e pela transparência.

Alguns veículos , como a Isto É (sobretudo a sua “filhota” Isto É Dinheiro), tem abusado do publieditorial, com suplementos dedicados a defender grandes interesses, como o da indústria nuclear, instituições financeiras e até Governos estaduais, apenas mencionando (corpo reduzídissimo perdido na capa) a palavra publieditorial, sem outras explicações maiores. O JB vale-se dos chamados projetos de mercado , assim como a Gazeta Mercantil (aliás, agora do mesmo dono!) e outros veículos preferem denominar essas aberrações jornalísticas de projetos de marketing.

Enfim, prá quem sempre preferiu ver nítidos os limites entre a redação e o departamento comercial (nada contra a publicidade, que sustenta os veículos), o publieditorial não apenas incomoda, mas agride bastante.

Muitos jornais e revistas brasileiras (prá não falar das grandes redes de televisão) estão de pires na mão, correndo atrás do dinheiro do BNDES, em virtude de rombos fantásticos em suas contas. Talvez, devessem, antes de buscar lá fora o remédio para curar as suas feridas, enfrentar as causas que, efetivamente, os têm levado para o buraco. Algumas delas, certamente, são a perda de sua identidade ( os veículos vendem informação e conhecimento ou fascículos , livros ou enciclopédias?), a sua incompetência administrativa (a Net tem sido um mico enorme para a Globo), a sua dificuldade de entender os desafios da moderna indústria cultural.

As agências de comunicação, que aconselham os seus clientes a praticarem esta burla contra os cidadãos, merecem um puxão de orelhas. Quem contribui para o incremento da promiscuidade editorial não pode, no presente ou no futuro, reclamar da má qualidade da imprensa.

Há empresas (inclusive agências de comunicação) e veículos que acreditam que tudo vale para conseguir resultados. A transparência e a ética não têm preço. O Publieditorial caminha para ser o esgoto da assessoria de imprensa. Dá nojo de quem aposta nele.

Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social e professor de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

www.EcoDebate.com.br – 04/07/2006