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Artigo

Kyoto, Eficiência Energética e as Condições Materiais da Subjetividade, por Mayron Régis

[EcoDebate] – Por mais ingênuo que possa parecer, bastaram as assinaturas de líderes políticos do mundo inteiro validando o Protocolo de Kyoto, no começo de 2005 – o século XX se estafou de maus e bons exemplos de tratados, resoluções e protocolos assinados pela paz, pela preservação do meio ambiente, contra armas nucleares e etc – e a esperança de que a humanidade frearia o seu ímpeto auto-destrutivo abriu asas sobre todos, uma esperança aos moldes tradicionais mais próxima da crendice do que da realidade, e ramalhou que este ímpeto seria contido com “pequenas” doses de sacrifício para que se livrasse do aquecimento global – e quais são as “pequenas” doses de sacrifício? Diminuição dos padrões de consumo, diminuição nos gases de efeito estufa expelidos, diminuição das áreas de florestas tropicais desmatadas e investimentos ambiciosos em energias renováveis e eficiência energética. Quanto mais ambicioso melhor – as metas do Protocolo de Kyoto para os signatários incorrem na diminuição de 5% da emissão de gases de efeito estufa, comparando com os níveis de 1990, até o ano de 2012.

A ambição de reduzir a emissão de gases estufas em tão pouco tempo, oito anos, e envolvendo não só atores políticos, como também atores econômicos, sociais e ambientais tão diversos ou não envolvendo, os Estados Unidos estão fora, e eles são os principais emissores de dióxido de carbono e consumidores de fontes de energias não-renováveis, é como ambicionar sozinho pelo próprio prazer da ambição ou como ambicionar em bloco sem os meios e as condições materiais para tanto.

Ambiciosos os americanos são, mas eles preferem a boçalidade dos ringues de vale-tudo do que a diplomacia das boas maneiras de Kyoto e companhia ilimitada. Reservas de petróleo esgotam, sim, então se constroem usinas nucleares; importa-se etanol do Brasil. Enquanto a economia mundial for lastreada pelo dólar, os americanos, boçais ou não, determinarão a energia do futuro ou do não-futuro; futuro ou não-futuro, as últimas gotas de petróleo serão queimadas em refinarias e encherão os tanques de carros daqui a quarenta anos, principalmente, dos americanos que vivem dentro de uma estrutura econômica centrada no petróleo, no carvão e na energia nuclear. Parte desta estrutura foi montada na segunda metade do século XIX e deslanchou o modo de vida americano que se afirmou, por completo, nas primeiras décadas do século XX. Os americanos acertaram o rareamento das fontes não-renováveis de energia para este século e vivem como nababos até a última gota – o consumo de um americano se iguala a três consumidores de países em desenvolvimento – um Estados Unidos é pouco para gastar tantos recursos e para tanta terra – os chineses e os indianos saíram da rabeira da fila e consomem o dobro.

Na sua posição, os Estados Unidos não estão, exatamente, isolados, pois em maior ou menor grau os países signatários deixam a desejar no cumprimento das metas do protocolo de Kyoto. Bem-intencionados da boca pra fora e fingindo apreço pelas práticas sustentáveis, os principais países signatários assistem os níveis de gases de efeito estufa aumentarem e aumentam porque tanto estes como os Estados Unidos, China e Índia aumentam suas emissões. Outra coisa: os países signatários do protocolo de Kyoto isolariam os Estados Unidos na sua posição, apostando mais e mais num mercado regulador de emissões de gases do efeito estufa? Qualquer insinuação de regular mercado e de que isso atue em parceria com projetos comunitários nos países em desenvolvimento ojeriza os Estados Unidos que pleiteiam o livre-mercado até para os mais básicos serviços e a presença de peso de grandes empresas que pesam as mãos na hora de negociar a seu favor. Estado-negociador de mercados para as empresas americanas, e as principais empresas americanas são de energias não-renováveis e de infra-estrutura, os Estados Unidos arquitetam projetos, encomendas e negociações comerciais de milhões e milhões de dólares e fecham as portas para projetos baratos ou de retorno em longo prazo como são os de certos projetos de energias renováveis e de eficiência energética.

Projetos de renováveis e de eficiência energética estão praticamente a mingua por todo mundo. A proporção seria de um centavo de real investido nestes projetos para cada dois reais investidos em projetos de hidrelétricas e de prospecção, refino e distribuição de petróleo e derivados. A cada crise energética que atinge a estrutura econômica o grau de ineficiência energética aumenta mais e não se discute a pesquisa e o desenvolvimento de projetos de energias renováveis e nem projetos de eficiência energética ou se discute dentro de parâmetros meramente técnicos e de mercado.

Como qualquer solução, Kyoto é paliativa e de momento. Contudo, do jeito que as coisas vão, Kyoto nem vai dá pro gasto, pois não se firmando como alternativa ao vale-tudo americano, a solução americana do mercado proverá o mundo com etanol acaba atestando idoneidade. E países, como o Brasil, acabam embarcando nessa de futurologia em que se tornam a “Arábia Saudita” dos biocombustíveis com um mundo menos poluído e mais justo economicamente graças a exportação de biocombustíveis. Que grau de eficiência energética seria esse? A civilização dos biocombustíveis seria a continuação da civilização fóssil? Invariavelmente, governos e empresas ventilam projetos de eficiência energética e projetos energias renováveis como boas respostas à crise energética e como boas práticas de sustentabilidade, sem abrir mão, é claro, de construir novas usinas hidrelétricas e perfurar novos poços petrolíferos.

Boas práticas de sustentabilidade não culminam com eficiência energética e com energias renováveis, tipo elas reduzem tanto ou produzem tanto de energia. Eficiência Energética e Energias Renováveis preparam o colchão para que a diversidade e a descentralização industrial, diversidade energética e a diversidade de consumo se deitem sobre ele.

Mayron Régis, jornalista, GT Energia

in EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 23/05/2006