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Notícia

Preocupações de um Conservador de Nascentes, por Osvaldo Ferreira Valente

As minhas preocupações são derivadas de outras preocupações: primeiro, da dificuldade de o produtor rural, principalmente quando localizado em áreas de cabeceiras, conseguir manter a produtividade de suas fontes de água (nascentes e poços); segundo, da crença de que a aplicação das leis ambientais e dos recursos hídricos é suficiente para resolver todos os problemas relacionados com a revitalização e conservação das fontes de água citadas; e, terceiro, da falta de conhecimentos hidrológicos necessários, tanto dos próprios produtores quanto dos técnicos envolvidos em atividades de planejamento de atividades rurais.

O produtor rural de cabeceira é o primeiro que sofre com a diminuição do armazenamento de água dos lençóis, principalmente dos freáticos, os maiores responsáveis pela manutenção das nascentes e dos poços de pequenas profundidades e, também os mais sensíveis às atividades exercidas nas propriedades. Além disso, o produtor rural de cabeceira não pode contar com córregos e rios de maiores vazões para a garantia do suprimento necessário de água nos períodos de secas. As águas de chuvas são suas únicas fontes de suprimento e se elas forem drenadas rapidamente pelas enxurradas, os seus reservatórios naturais e subterrâneos, os lençóis, serão pouco abastecidos e terão baixo volume armazenado para a garantia de vazões adequadas de nascentes e poços nos períodos sem chuvas. Quando predominam as enxurradas, vemos os produtores construindo represas para armazenar água, deixando de usar os fantásticos reservatórios que a natureza disponibiliza abaixo das superfícies de suas propriedades.

Quanto às leis ambientais aplicáveis às propriedades rurais, é muito comum que as áreas de preservação permanente, como topos de morros e faixas ciliares, sejam consideradas as salvadoras das nascentes e dos cursos d’água, o que não é totalmente verdade. O topo de morro, por exemplo, é tido como área de recarga de lençóis, mas com uma conotação de quase exclusividades nessa tarefa. Ele pode ser importante, é claro, mas nem sempre é o mais importante em muitos casos. É só lembrar que entre topos de morros e nascentes ou cursos d’água, os lençóis passam por baixo de encostas, que também são áreas de recarga e até mais importantes pelo maior risco de usos incorretos. Topos de morros podem ser até aplainados e com solos mais porosos do que os de encostas com altas declividades, solos adensados e ocupando maiores percentuais de áreas das pequenas bacias.

Como as chuvas são as únicas fontes primárias de água das propriedades de cabeceiras, os proprietários precisam usar de todas as possibilidades técnicas e economicamente viáveis para o máximo de retenção dos volumes recebidos anualmente. E olhe que tais volumes são muito bons no Brasil, com algumas exceções como áreas do Nordeste e anos intervalados de secas em outras regiões. Chuvas anuais de 1.000 mm, ou mais, dominam as cenas brasileiras. E com 1.000 mm, um hectare recebe, anualmente, dez milhões de litros d’água. Agora pare um pouco, meu caro leitor, pense nesse número e imagine a quantidade que é recebida pelas grotas e grotões, exemplos básicos e bem característicos de pequenas bacias. E como grande parte vem em forma de chuvas leves, de baixa intensidade, não é muito difícil promover a sua infiltração no solo e levar pelo menos algo em torno de 17% para os lençóis subterrâneos, garantindo um suprimento médio, ao longo do ano, de aproximadamente 4.000 litros de água, por dia e por hectare. As nossas nascentes estão secando porque os lençóis estão recebendo apenas valores entre 5 e 8% do volume de chuvas que atingem nossas pequenas bacias. E se os lençóis não estiverem se manifestando superficialmente, formando as nascentes, os ocupantes das cabeceiras poderão sondar a existência de lençóis freáticos por meio da perfuração de poços pouco profundos, que não atravessem camadas rochosas, e caso existam, passarem a tratar bem as pequenas bacias responsáveis pelos seus abastecimentos. Não custa lembrar que a nascente sempre indica a existência de um lençol, mas que o lençol pode existir sem estar formando uma nascente em determinada propriedade.

Para que a pequena bacia funcione bem, conduzindo o máximo de água para os lençóis, não bastam medidas baseadas exclusivamente em conhecimentos de conservação de solos e de leis ambientais. Os produtores precisam conhecer os princípios hidrológicos básicos de formação e manutenção de lençóis e nascentes, para que possam identificar as superfícies de suas propriedades que sejam mais importantes para as ações de retenção de águas de chuvas. Retenções feitas apenas com fins de conservação de solos não garantem o abastecimento de lençóis, pois podem estar apenas escondendo as enxurradas e transformando-as em escoamentos subsuperficiais. Também os técnicos que militam na transferência de tecnologias para os produtores precisam de uma boa formação em hidrologia e manejo de bacias hidrográficas, para que possam atuar positivamente na conservação de lençóis e nascentes.

OSVALDO FEREIRA VALENTE, Professor titular aposentado da UFV; especialista em hidrologia e manejo de bacias hidrográficas e autor do livro “Conservação de Nascentes – Hidrologia e Manejo de Bacias Hidrográficas de Cabeceiras”
conservarnascentes@yahoo.com.br